A Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) reconheceu, nesta quinta-feira (20/2), a responsabilidade do Estado brasileiro por falhas na investigação e na punição em razão de racismo praticado contra Neusa dos Santos Nascimento e Gisele Ana Ferreira Gomes. A decisão reforça a necessidade de medidas estruturais para garantir o direito à igualdade e à não discriminação por raça e cor, na mesma direção que já vinha atuando o Conselho Nacional de Justiça antes mesmo do veredito.
Para evitar casos semelhantes aos sofridos pelas vítimas, a Corte IDH ordenou a adoção de medidas estruturais, como um protocolo de investigação e julgamento com perspectiva interseccional de raça e gênero, garantindo que futuras decisões judiciais considerem as desigualdades estruturais que afetam as vítimas.
Exatamente com esse objetivo, em novembro de 2024, o CNJ editou o Protocolo para Julgamento com Perspectiva Racial, por meio da Resolução 598/2024. Ao incorporar parâmetros de igualdade racial e direitos humanos, o Protocolo busca orientar magistrados(as) sobre como atuar contra a reprodução do racismo, em suas distintas dimensões, considerando como ele se relaciona com questões de gênero, classe, sexualidade, idade, deficiência, orientação religiosa e origem.
A iniciativa se soma a outras ações, como a Resolução 492/2023, que instituiu o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero. Esses protocolos funcionam como instrumentos de apoio para decisões mais justas e equitativas, promovendo sensibilidade quanto às desigualdades estruturais que precisam ser consideradas para a garantia do acesso à Justiça.
Além dessas providências, o CNJ também criou um painel de Business Intelligence (BI) sobre Justiça Racial, com apoio do Departamento de Pesquisas Judiciárias/DPJ e do Programa Justiça Plural (CNJ/Pnud). A ferramenta permite o acompanhamento e a visualização detalhada de dados como casos de racismo, diversidade racial do Poder Judiciário e do Prêmio Equidade Racial.
Todas essas iniciativas fazem parte do Pacto Nacional do Judiciário pela Equidade Racial, que prevê programas, projetos e iniciativas voltados ao combate do racismo estrutural no sistema de justiça brasileiro. O Fórum Nacional do Poder Judiciário para a Equidade Racial (Fonaer), no âmbito do CNJ, fortalece esse compromisso ao discutir e propor caminhos para erradicar práticas discriminatórias nas diversas instâncias judiciais. O Fórum é coordenado pelo conselheiro João Paulo Schoucair e é composto por 11 entidades da sociedade civil, além de representantes de distintos órgãos públicos.
Levantamento de dados e aprimoramento de políticas
Mesmo antes da sentença, a Unidade de Monitoramento e Fiscalização (UMF) do CNJ já promovia, no âmbito do caso Dos Santos Nascimento e Ferreira Gomes vs. Brasil, o levantamento e a análise de dados sobre ações penais que envolvem crimes de racismo. Em fevereiro de 2022, a UMF solicitou ao Departamento de Pesquisas Judiciárias (DPJ) a extração de informações da Base Nacional de Dados do Poder Judiciário (Datajud) para verificar números de processos, tempo de tramitação, índices de condenação e absolvição, além de propor adequações nas Tabelas Processuais Unificadas (TPUs). O estudo identificou mais de 14 mil processos cadastrados sob códigos específicos referentes a crimes raciais e apontou a necessidade de padronizar e melhorar o registro desses casos.
Os relatórios analíticos elaborados com base nesses dados foram encaminhados ao Executivo para embasar a defesa do Estado brasileiro na Corte IDH e subsidiar a formulação de estatísticas confiáveis, contribuindo para aprimorar as políticas públicas judiciais de combate ao racismo e fortalecer ações de capacitação para prevenir novas violações de direitos. Essas análises também foram enviadas ao Fonaer, reafirmando o empenho do CNJ na construção de uma Justiça mais inclusiva, equitativa e livre de discriminação racial.
Entenda o caso e a condenação do Brasil
O caso que motivou a condenação do Brasil ocorreu em 26 de março de 1998, quando Neusa dos Santos Nascimento e Gisele Ana Ferreira Gomes, ambas mulheres negras, se candidataram a vagas de pesquisadoras em uma companhia de seguros médicos em São Paulo. As duas foram impedidas de participar do processo seletivo sob a alegação de que não havia mais vagas. No mesmo dia, uma mulher branca conseguiu a vaga de imediato. Ao retornar para uma nova tentativa, Gisele foi informada de que, na verdade, ainda havia oportunidades, mas jamais chegou a ser contratada. A Corte IDH entendeu que a discriminação sofrida pelas candidatas, bem como a ineficácia das investigações e a revitimização no processo judicial, configuraram violação ao direito à igualdade e à não discriminação, resultando na condenação do Estado brasileiro.
Texto: Ana Moura
Edição: Thaís Cieglinski
Revisão: Caroline Zanetti
Agência CNJ de Notícias