Indignada por não ser atendida no caixa preferencial destinado a gestantes e idosos de um supermercado de Brasília/DF, uma mulher referiu-se à atendente como “essa preta do cabelo tóin-óin-óin”.
O caso acabou na justiça em ação movida pela funcionária do supermercado. A cliente foi condenada por injúria racial e a sentença, dada pelo juiz substituto da 4ª Vara Criminal de Brasília, Newton Mendes de Aragão Filho, foi vencedora do I Concurso Nacional de Decisões Judiciais e Acórdãos em Direitos Humanos, promovido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), na categoria “Direitos da população negra”.
O concurso feito em parceria com a Secretaria Especial de Direitos Humanos (SDH) destaca sentenças que efetivamente protegeram os direitos de vários segmentos da população, desde as crianças, os imigrantes e os refugiados, por exemplo.
A entrega dos prêmios foi feita pela presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, na última terça-feira (14/2). “Aprendendo que têm direitos fundamentais, as pessoas iriam buscar esses direitos assim que esses direitos fossem desrespeitados, lesados ou não cumpridos integralmente”, disse a ministra na ocasião.
O caso que deu origem à ação penal pública ajuizada na 4ª Vara Criminal de Brasília ocorreu em 2013, motivado por uma discussão entre uma operadora de caixa preferencial de um hipermercado e uma cliente. De acordo com a ação, após ser informada de que não poderia ser atendida naquele caixa, a cliente passou a gritar ofensas discriminatórias relacionadas à cor e ao cabelo da funcionária. Em seguida à ofensa, a vítima, que não retrucou as agressões, teria corrido ao banheiro para chorar e disse que nunca mais usou o cabelo solto com receio de passar novamente por esta situação.
Racismo – Conforme a ação, as ofensas ocorreram na frente de pelo menos 15 pessoas. Em sua sentença, o magistrado Newton Mendes de Aragão Filho considerou que o Brasil é signatário da Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, pela qual se compromete a não encorajar, defender ou apoiar a discriminação racial praticada por uma pessoa ou uma organização qualquer. Para o juiz, a utilização da expressão “cabelo tóin-óin-óin” para expressar inconformismo com a situação da fila do supermercado não pode ser considerado como uma simples descrição de características físicas. “Temos que reconhecer que na sociedade há um racismo entranhado e que muitas vezes as pessoas pouco notam e que é suscitado na defesa [da ação] como um episódio banal”, diz o juiz Aragão.
Condenação – O juiz Aragão condenou a ré a dois anos de reclusão, que pode ser convertida em duas penas restritivas de direito a serem definidas pelo juízo da execução. Além disso, a ré foi condenada ao pagamento de R$ 5 mil por danos morais à funcionaria do supermercado e R$ 3 mil para as custas processuais e honorários. Para o juiz Newton, há necessidade de incorporar nas decisões judiciais os tratados de direito internacional. “Espero que a decisão tendo essa publicidade pelo concurso possa de algum modo fazer que as pessoas que sejam vítimas, não só os negros, mas qualquer minoria, busquem no judiciário ou nos órgãos de proteção a tutela de seus direitos, não fiquem inertes e acreditem no poder judiciário”, diz o magistrado.
Luiza Fariello
Agência CNJ de Notícias