Curso para agressores em Taboão da Serra previne atos violentos contra a mulher

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Em Taboão da Serra, na região metropolitana de São Paulo, um homem acusado de bater em sua mulher responde a inquérito policial e é intimado a participar de um curso para refletir sobre as consequências penais e sociais da violência doméstica. O curso, criado pelo Ministério Público do Estado de São Paulo sob o título Tempo de Despertar, tem o objetivo de prevenir novas agressões. A iniciativa conta com a participação do Poder Judiciário de São Paulo e da prefeitura local.

Essa articulação está em sintonia com as diretrizes da Resolução nº 128/2011 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Entre outros pontos, a resolução determina, aos tribunais de Justiça, a criação de coordenadorias estaduais das mulheres em situação de violência doméstica e familiar, cujas atribuições incluem o estabelecimento de parcerias com outros órgãos governamentais e não-governamentais.

A participação do Judiciário paulista no projeto Tempo de Despertar está centrada na Comarca de Taboão da Serra, de onde saem as ordens judiciais para que os agressores participem do curso. A primeira edição ocorreu entre setembro e novembro do ano passado. Foram oito encontros realizados em um prédio cedido pela prefeitura local, situado ao lado da sede do Ministério Público e do fórum da cidade.

Vinte e sete homens entraram em sala de aula, sendo que quatro foram desligados por diferentes motivos, entre eles mal comportamento nas aulas e o cometimento de novos atos de violência doméstica. Dos 23 que concluíram as atividades, nenhum voltou a agredir, informa a promotora de Justiça Maria Gabriela Manssur, idealizadora do projeto.

“Criamos esse curso com o objetivo de transformar a cultura e tocar o coração e a mente desses homens. Nós estamos acompanhando esses homens desde o fim do curso, ou seja, a partir de novembro. O acompanhamento é previsto para seis meses. Dos que concluíram o curso, nenhum voltou a cometer atos de violência. Nós frequentemente mantemos contato com as vítimas e vemos que os homens estão cumprindo as medidas protetivas. Enfim, eu acho que eles aprenderam”, comemora a promotora.

Projeto – Gabriela Manssur, que atua no combate à violência contra mulher há 12 anos, desde seu ingresso no Ministério Público, diz que planejou realizar o curso depois de perceber que as diferentes ações desenvolvidas em todo o País não foram suficientes para reduzir esse tipo de crime.

“É lógico que, com o advento da Lei Maria da Penha, muitas mulheres se sentiram um pouco mais apoiadas pelo poder público e também pela sociedade civil e passaram a denunciar mais. No entanto, o aumento da violência continuou, ou seja, os homens não pararam de agredir mesmo depois da Lei Maria da Penha. Nem depois de vários projetos que foram desenvolvidos no Brasil inteiro se conseguiu diminuir esse índice de violência estrondoso e assustador”, lamenta a promotora.

Segundo ela, o Tempo de Despertar tem o diferencial de trabalhar diretamente com o homem agressor, que geralmente está por trás de toda mulher violentada, seja psicológica, sexual ou fisicamente. Além disso, informou, o principal fator que contribui para a violência doméstica é o machismo e a falta de respeito pelas mulheres e pela conquista dos direitos delas.

“Então eu pensei: por que não trabalhar com esses homens que estão agredindo para que eles saibam as consequências dos seus atos, não só na parte criminal, mas também na parte pessoal; o que isso causa na vida da mulher, os traumas que ela carrega, o que isso reflete na vida dos filhos?”, acrescenta Gabriela Manssur, destacando que, em uma média geral, 67% dos filhos presenciam as agressões.

As aulas do Tempo de Despertar contam com palestras de professores de Direito, atletas, policiais, juízes, psicólogos e outros profissionais convidados. Os temas abordados incluem a diferença entre machismo e masculinidade, as questões de gênero e as relações familiares, entre outros. Segundo a promotora, no início do curso os homens apresentaram certa resistência, muitos se diziam inocentes, mas, ao final, era visível a transformação de seu comportamento.

“No final do curso, tivemos depoimentos pessoais de um por um. Eles ganharam diploma. Tivemos os mais variados e até comoventes depoimentos desses homens, que se arrependeram, que aprenderam muito com o curso, que disseram que não vão voltar a agredir”, relata a idealizadora do projeto, destacando que todos os participantes do Tempo de Despertar respondiam a inquérito. Segundo ela, a frequência nas aulas pode garantir ao agressor, em caso de condenação judicial, a redução do tempo de cumprimento de pena, desde que não haja reincidência durante a tramitação do processo.

Perfil do agressor – Gabriela Manssur conta também que, antes do início do curso, realizou uma pesquisa para traçar o perfil dos agressores. De acordo com os resultados, 74% tiveram medidas protetivas de urgência decretadas pela Justiça, entre elas a proibição de se aproximarem das mulheres. Entre as agressões cometidas por eles, ameaça, injúria e lesão corporal tiveram o maior índice de ocorrência, cada uma com 15%.

A faixa etária dos pesquisados vai de 22 a 55 anos. Noventa e seis por cento têm filhos, estavam empregados quando das agressões e a renda mensal média era de R$ 2.920. Ainda conforme o levantamento, 58% mantinham algum tipo de relacionamento amoroso (namoro, união estável ou casamento) com a vítima à época do crime, sendo que apenas um casal permaneceu junto após a agressão. Os demais já não mantinham relacionamento amoroso com a mulher quando ocorreu a agressão. Outro dado informado pela promotora, embora não esteja na pesquisa, é significativo: 70% dos agressores eram dependentes de bebidas alcoólicas.

Futebol – O Tempo de Despertar, além de se articular com o Poder Judiciário, tem a parceria da Secretaria Municipal de Saúde, da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher de Taboão da Serra e da Coordenadoria dos Direitos da Mulher da cidade. A coordenadora dos Direitos da Mulher, Sueli Amoedo, conta que realizou um levantamento sobre violência doméstica durante a última Copa do Mundo e confirmou indícios anteriores de que as agressões à mulher ocorrem mais nos finais de semana e quando há jogos de futebol.

“Eu fiz um levantamento interno durante a última Copa do Mundo e percebi que as agressões aumentaram bastante no mês de julho do ano passado, em torno de 20%. Entre os fatores que contribuem para isso, eu acho, é o fato de em dia de jogos os homens consumirem mais bebidas alcoólicas. Mas isso não é uma pesquisa científica, eu fiz aqui dentro da coordenadoria. Então, eles bebem mais e, por conta do jogo, da euforia, ficam bravos e querem descontar em alguém, muitas vezes na mulher”.

Sobre o curso Tempo de Despertar, ela diz ter realizado, com o apoio de técnicos da Secretaria Municipal de Saúde, um acompanhamento sobre o comportamento dos agressores no período das aulas. A coordenadora informa ter sido perceptível que houve uma evolução na maioria deles.

“No início, eles foram participar do curso pela obrigatoriedade, por determinação da Vara Criminal de Taboão da Serra. Eles chegaram muito arredios, com uma revolta, mas, com o passar do tempo, a mudança de comportamento foi perceptível. Antes diziam que não haviam batido, que eram inocentes e não sabiam porque estavam ali. Reclamaram bastante no começo, mas, no final, eles acabaram gostando. Para alguns, resgatamos famílias. Teve um que nos procurou dizendo que não falava com um filho desde a separação, que os filhos tomaram partido da esposa, mas que o curso os aproximou novamente”, conta Sueli Amoedo, acrescentando que muitos deles manifestaram ter a noção do mal que haviam feito.

Jorge Vasconcellos
Agência CNJ de Notícias