Cooperação internacional ajuda a combater o tráfico de pessoas

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As experiências internacionais exitosas e as políticas de cooperação internacional no enfretamento ao tráfico de pessoas estão entre os temas a serem abordados no IV Simpósio Internacional que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) vai realizar para debater o enfrentamento ao tráfico de pessoas, nesta quinta e sexta-feira (29 e 30/5), no Rio de Janeiro/RJ, em parceria com o Tribunal Regional do Trabalho da 1º Região (TRT1).

Para o delegado da Polícia Federal e chefe da Interpol no Brasil, Luiz Eduardo Navajas, que participará do evento, a troca de informações entre países, tanto sobre aliciadores e, sobretudo, sobre as vítimas, é importante ferramenta para o combate a esse crime. “O tráfico de pessoas tem uma característica bastante peculiar: muitas vezes, as vítimas não se veem como tal, ao menos não no início, o que dificulta a imediata resposta pelas autoridades”, ressalta.
 
Segundo ele, atualmente, o tráfico internacional de pessoas responde por cerca de um terço dos delitos referentes a aliciamento de pessoas para diversos fins, seja para exploração sexual ou trabalho. No que se refere ao tráfico propriamente dito, internacional e interno, o tráfico internacional representa a grande maioria dos casos.
 
As ferramentas adotadas pela Interpol para combater esse tipo de crime serão o tema a ser abordado por Navajas no segundo dia do Simpósio Internacional. O painel sobre as experiências internacionais exitosas e políticas de cooperação internacional no enfrentamento ao tráfico de pessoas terá início às 14h e também contará com a participação da juíza americana Cheryl Bassett, representante da Embaixada dos Estados Unidos da América, e da juíza de ligação Brasil, Bolívia, Venezuela, Carla Deveille Fontinha.
 
Leia abaixo a íntegra da entrevista com o chefe da Interpol no Brasil, Luiz Navajas.
 
Existe alguma espécie de ranking internacional de vítimas de tráfico de pessoas?
 
Não existe um ranking internacional oficialmente aceito. A problemática do tráfico de pessoas afeta países de todo o mundo, seja na qualidade de país de origem das pessoas traficadas, seja como receptador dessas pessoas. Mesmo esses países que recebem vítimas de tráfico de pessoas enfrentam vários problemas na repressão a tal tipo de delito, já que muitas vezes ele está associado a crime organizado, corrupção de agentes públicos e outras sérias situações.
 
Como o Brasil se enquadra no contexto internacional desse crime?
 
O Brasil possui uma característica dúplice no âmbito do tráfico de pessoas. Por um lado, muitos brasileiros são vítimas de tráfico para o exterior, sobretudo, para países da Europa, para as mais diversas atividades, como construção civil, serviços e, principalmente, exploração sexual. Por outro lado, o Brasil se coloca também como um país recebedor de pessoas vítimas do tráfico de pessoas, principalmente, trabalhadores braçais que fogem de países em situação instável ou mais pobres. Dessa maneira, recebemos bolivianos, paquistaneses, haitianos e pessoas de outras nacionalidades, muitos dos quais também são iludidos em seus países de origem, pagando altos valores para aqui chegar e encontrando situação degradante em seu destino. O caso clássico são os trabalhadores bolivianos no ramo da confecção em São Paulo.
 
Como a Interpol age no Brasil, que tem essa condição dúbia?
 
A Interpol, representada no Brasil pela Polícia Federal, a qual mantém em sua Coordenação-Geral de Cooperação Internacional o ECN/Brasília (Escritório Central Nacional, nome adotado pela Organização para os escritórios nos países membros), trabalha diariamente em conjunto com as áreas técnicas da Polícia Federal e outras instituições no combate ao tráfico de pessoas. O ECN/Brasília é a grande “porta de entrada” de informações provenientes dos demais países membros da Interpol no que se refere a informações sobre investigações criminais, adotando como prioridade os casos de tráficos de pessoas e pedofilia, principalmente a praticada pela internet. Nesse contexto, o ECN/Brasília auxilia as autoridades brasileiras e estrangeiras na identificação de aliciadores, vítimas, mapeamento de rotas e outras atividades aptas a auxiliar nas investigações. Além disso, gerenciamos o Sistema I-24/7, o qual dispõe de importante base de dados mundial de criminosos e vítimas de delitos, como pessoas traficadas que muitas vezes são consideradas como desaparecidas por suas famílias. Assim, durante uma operação policial de repressão ao tráfico de pessoas, nosso Escritório auxilia o presidente da investigação a identificar os aliciadores, caso estejam no exterior, bem como busca a prisão de indivíduos contra os quais a Justiça brasileira emita Mandados de Prisão.
 
Pode nos dar um exemplo?
 
No final de 2013, a Polícia Federal deflagrou a Operação Garina, a qual desarticulou importante esquema de tráfico de mulheres para fins de exploração sexual para Angola. O agravante dos fatos descortinados nessa Operação foi o envolvimento de altas autoridades daquele país no tráfico, o que demonstra também o risco a que essas mulheres são submetidas quando vão para o exterior. Hoje temos duas Difusões Vermelhas, que são mandados de captura internacional, publicados em desfavor de dois alvos que estão naquele país, sendo que os alvos brasileiros foram presos.
 
A Interpol/PF tem números de crimes cometidos no País, tanto de vítimas brasileiras fora do País quanto de traficados encontrados no Brasil?
 
Embora seja muito difícil falar em dados reais a respeito do delito em tela, podemos afirmar que atualmente o tráfico internacional de pessoas responde por cerca de um terço dos delitos referentes a aliciamento de pessoas para diversos fins, seja para exploração sexual ou trabalho. No que se refere ao tráfico propriamente dito, internacional e interno, o tráfico internacional representa a grande maioria dos casos.
 
E de casos solucionados, há números?
 
Temos várias operações de sucesso na repressão ao tráfico internacional de pessoas para os mais diversos fins, como, por exemplo, a Operação Garina, sobre a qual eu já me referi; a Operação Ninfas, em conjunto com Espanha, por meio da qual cinco brasileiras foram libertadas naquele país; e a Operação Liberdade, que demonstrou o outro lado da questão, o tráfico de pessoas do exterior para o Brasil. Nesse caso, nacionais de Bangladesh, Afeganistão e Paquistão eram traficados ao Brasil para trabalhar em condições análogas a de escravos no próprio Distrito Federal.
 
O tráfico internacional de pessoas é um crime com números em ascendência ou tem havido redução na prática desse delito?
 
O tráfico internacional de pessoas está intimamente ligado às condições sociais do país. Um país que oferece condições de emprego, ascensão social, melhora na renda, perspectiva, certamente diminuirá a possibilidade de que seus nacionais busquem o exterior na esperança de mudar de vida e acabem caindo nas garras dos aliciadores e das organizações criminosas transnacionais. Por outro lado e, curiosamente, ao ver seus indicadores sociais melhorarem, esse mesmo país corre o risco de se tornar destino de estrangeiros que busquem seu território e estrutura também em busca de uma vida melhor e passe a figurar na rota dos traficantes. É um delito intrinsecamente vinculado à realidade social e econômica do país.
 
Na sua avaliação, de que forma os países podem contribuir uns com os outros no combate e enfrentamento ao tráfico de pessoas transnacional?
 
Principalmente na troca de informações, tanto sobre aliciadores e, sobretudo, sobre as vítimas. O tráfico de pessoas tem uma característica bastante peculiar: muitas vezes as vítimas não se veem como tal, ao menos não no início, o que dificulta a imediata resposta pelas autoridades. Além disso, há a questão da abordagem das vítimas, o que deve ser feito com muita cautela, pois normalmente são pessoas extremamente vulneráveis, que em muitos casos sofreram terríveis abusos até se verem livres do esquema.
 
A sociedade, de uma forma geral, pode contribuir de alguma forma com a Interpol/PF?
 
Sim. Pode denunciar aliciadores, muitas vezes estrangeiros. Caso suspeite de um indivíduo que o aborde ou a um conhecido com promessas de vida melhor no exterior, oportunidades fantásticas, altos salários em moeda estrangeira, informe a uma autoridade, pois certamente serão obtidas informações sobre a tal pessoa para que seja verificado se é o caso de um aliciador.
 
Serviço

IV Simpósio Internacional para Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas
 
Data: 29 e 30/5
Local: Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, Rio de Janeiro/RJ
Horário: das 9h às 18h30
 
Veja a programação.
 
O evento é voltado para magistrados, membros do Ministério Público, representantes do Ministério da Justiça, advogados públicos (Defensoria Pública da União, dos estados e da Advocacia-Geral da União), auditores fiscais do Trabalho, polícias judiciária e administrativa, secretarias de Educação e da Saúde e Rede de Atendimento às Vítimas. Clique aqui para mais informações.
 
Waleiska Fernandes
Agência CNJ de Notícias