É amplo o potencial da cooperação judiciária entre os órgãos do Judiciário e com outras áreas do setor público para a transferência e recambiamento de detentos entre estados e unidades prisionais. Em painel sobre o tema no “Reunião e Encontro Nacional de Juízes e Juízas de Cooperação e dos Núcleos de Cooperação”, realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) nos dias 5 e 6 de agosto, especialistas expuseram os avanços nessa área e abordaram os aprimoramentos necessários para que haja uma cooperação mais afinada nas operações da execução penal.
O diretor do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Sandro Abel, apresentou alguns pilares dessas operações. Ele citou a identificação e a transferência de lideranças de organizações criminosas, aperfeiçoamentos nas escoltas e batalhões especiais, o emprego da inteligência para a redução dos riscos de fuga e a interconexão com as autoridades dos estados e órgãos do Judiciário para viabilizar as operações.
Abel salientou a importância do diálogo interinstitucional e da cooperação para o sucesso dessas operações. “É importante a aproximação do Judiciário com a administração penitenciária. E isso envolve rotinas e procedimentos de segurança não somente no nível interno, como na identificação de possíveis lideranças criminosas, mas também na rotina do sistema prisional em si.”
A preparação de normas para a maior cooperação entre o Judiciário e os órgãos do sistema penitenciário dos estados foi apresentada pela assessora do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF) do CNJ, Larissa Lima de Matos. A representante do CNJ deu detalhes da consulta pública feita no início deste ano junto a diversos órgãos dos estados com a coleta de informações que ajudou a embasar uma resolução específica que será editada pelo Conselho sobre a cooperação judiciária na transferência e recambiamento de presos.
Larissa destacou que é preciso padronizar métodos em nível nacional. “Uma das grandes dificuldades, além das realidades regionais diferentes, é a necessidade de diretrizes a serem aplicadas a todo país para que se tenha o mínimo de uniformidade.”
O conselheiro do CNJ Mário Guerreiro, presidente do Comitê Executivo da Rede Nacional de Cooperação Judiciária, informou alguns detalhes sobre a norma que estabelecerá a cooperação judiciária e a articulação interinstitucional específica para a transferência e recambiamento de detentos. Segundo o conselheiro, o ato normativo apresentará diretrizes para a cooperação nessa área não apenas entre tribunais e entre magistrados, mas também entre secretarias estaduais, penitenciárias, o Depen e demais órgãos públicos que tratam de execução penal. “Vamos seguir conversando com atores externos para chegarmos ao melhor texto e espero em breve ter o regulamento do CNJ sobre esse tema para facilitar a vida dos juízes que lidam nessa área porque isso gera muitos problemas no dia a dia para aqueles que trabalham com execução penal.”
Mediador do debate, o juiz do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul (TJMS) Fernando Chemin Cury reforçou a importância da cooperação entre magistrados. Ele citou o caso de uma operação, em Campo Grande, envolvendo a transferência de um detento que é líder de uma organização criminosa. Um dos juízes envolvidos no caso tentou fazer a transferência do detento para Minas Gerais por meio da cooperação judiciária. Mas como essa forma de colaboração não era conhecida, a operação acabou não sendo realizada e o preso foi devolvido para o sistema penitenciário do Mato Grosso do Sul. “Se os atores envolvidos no processo estivessem mais familiarizados com o tema de cooperação, isso poderia ter sido evitado.”
Treinados para cooperar
A importância da maior disseminação da cooperação judiciária foi tema de um painel específico com a participação de magistrados que acreditam ser essencial capacitar e treinar juízes e servidores para as oportunidades e aplicações diversas desse tipo de colaboração. Considerado o patrono da cooperação judiciária no Brasil, o desembargador do Trabalho aposentado José Eduardo de Resende Chaves Júnior falou sobre a relevância da Resolução CNJ n. 350/2020, que estabeleceu as diretrizes e procedimentos para a cooperação judicial, mas lembrou que essa ainda é uma prática desconhecida pela magistratura.
“É preciso, para difundir a cultura da cooperação, desenvolver e detalhar os procedimentos da Resolução CNJ n. 350 para dar a ideia aos juízes do potencial imenso da cooperação. E o desafio é fazer um maior detalhamento normativo através de um regulamento pelo CNJ, não para engessar, mas para dar a ideia aos juízes do potencial da cooperação”, pontuou. Entre os meios de se fazer isso, Chaves Júnior citou o incentivo e a difusão de boas práticas de cooperação no Judiciário, o desenvolvimento teórico da cooperação e parcerias com escolas e universidades para aumentar o amparo a essa forma de jurisdição compartilhada.
A proposta foi endossada pela juíza Elayne da Silva Ramos, do Tribunal de Justiça do Amapá (TJAP). A magistrada expôs três pilares para estimular a maior colaboração: a difusão das potencialidades da cooperação, para que essa parceria seja melhor entendida; a constatação da cooperação como um elemento estruturante para o Judiciário no enfrentamento a gargalos como a burocracia; e o estudo da matéria na academia de forma estimular pesquisas nessa área. “O mundo vive em rede e saiu do internacional para o transnacional, o juiz é global e virtual e estamos agora falando muito da sociedade conectada em redes – não em rede de informática –, mas de pessoas. E as estruturas burocratizadas e menos verticais tem menos razões de ser porque as pessoas partilham ideias e práticas.”
O desembargador do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) Silvio Neves Baptista Filho, outro entusiasta dessa forma de parceria, disse que a cooperação deixará de ser estranha ao Judiciário se for mais difundida. Ele apresentou a experiência em curso no tribunal pernambucano, que criou um curso de preparação em cooperação para magistrados e servidores de periodicidade anual. Outra iniciativa é uma recomendação do TJPE para a maior utilização da cooperação judiciária entre seus órgãos, em medida que será aprovada pelo plenário do tribunal neste semestre.
Nessa linha de incentivo e difusão das oportunidades, o conselheiro Mário Guerreiro informou que o CNJ deverá em breve incluir as experiências bem-sucedidas com a cooperação judiciária no Banco de Boas Práticas do Conselho.
Luciana Otoni
Agência CNJ de Notícias
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