A busca de respostas ao questionamento acima marcou as discussões no encerramento do webinário Saúde e Segurança no Trabalho em Tempos de Pandemia, na última quarta-feira (26/8). O tema Caracterização de acidente de trabalho na pandemia – MP 927 e decisão do STF foi debatido pelos os juízes Xerxes Gusmão, do Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região (TRT17), e Guilherme Guimarães Feliciano, do TRT da 15ª Região, com mediação da juíza do TRT17 e gestora regional do Programa Trabalho Seguro, Germana de Morelo.
Logo ao início de sua palestra, o juiz titular da 1ª Vara do Trabalho de Taubaté (SP), Guilherme Feliciano, levantou o seguinte questionamento: “a Covid-19 pode ou não ser equiparada a acidente de trabalho?” Em sua abordagem, o magistrado decidiu tratar o tema a partir da perspectiva ambiental, segundo a qual a motivação do caso não pode ser atribuída a um fator apenas, mas, sim, a uma série de aspectos.
“O fenômeno é único, ele precisa ser compreendido na sua unidade. Qualquer inflexão em um elemento ambiental, interfere como um todo. Eu não posso pensar no meu problema a partir de uma perspectiva linear, é tendencialmente um fenômeno multifatorial”, afirmou o magistrado. Ele citou como exemplo o caso de um acidente de trabalho em que a culpa é atribuída única e exclusivamente ao trabalhador, que se feriu pois estava sem luva de proteção. Mecanicamente é correta a afirmação, mas é fundamental a observação de outros elementos: havia uma luva à disposição? O trabalhador estava devidamente informado sobre os riscos? Havia diálogos de segurança entre o empregador e o empregado? A serra tinha trava de segurança? Ele estava em condições normais ou em uma situação de estresse agudo que o levou a ser desatento?
Em um cenário ideal, o magistrado sugere que “é um dever do empregador, percebendo que o vírus está em circulação, interromper suas atividades, manter os trabalhadores em licença remunerada; fazer a higienização do ambiente, identificar os que estão contaminados e depois voltar às atividades com aqueles que não estão contaminados”. E ainda reitera que a infecção pela Covid-19 no trabalho é um problema ambiental, visto que aquele local está desequilibrado pela introdução de um agente contaminante que não deveria estar ali.
Medida Provisória
Ao citarem a Medida Provisória 927/2020, os dois palestrantes foram categóricos ao dizer que a medida “caducou”. Para eles, a dispensa dos exames médicos periódicos é uma violação ao princípio da melhoria contínua (inciso XXII do artigo 7º). “Tem, em primeira perspectiva, a preocupação com o próprio trabalhador que está sendo examinado, mas também há uma preocupação de saúde pública. Inclusive em doenças infectocontagiosas, que podem ser percebidas pelo médico do trabalho a partir dos sintomas apresentados. Os empregadores deveriam intensificar os protocolos de admissão do seu trabalhador”, defendeu o juiz do TRT15.
Ao citar o artigo 29 da MP 927, que atribui o ônus da prova ao trabalhador, o juiz do TRT17 Xerxes Gusmão questionou: “como você vai provar que é no trabalho que houve essa contaminação? Se atribui ao trabalhador uma prova que a doutrina chama de diabólica, uma prova quase impossível”. Xerxes Gusmão também refutou o artigo 20º da Lei 8.213/91 – utilizado por alguns para tirar a responsabilidade da empresa, que não considera a doença endêmica como doença do trabalho – por meio dos fundamentos constitucionais, como o artigo 6º da Constituição Federal, que traz a saúde como Direito Social, e o inciso XXII do artigo 7º, que diz “direito dos trabalhadores à redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”.
O magistrado capixaba ainda trouxe à luz a nota técnica do Ministério Público do Trabalho (MPT), utilizando uma categorização da organização Occupational Safety and Health Administration (Osha/EUA), que classifica a responsabilidade do empregador em casos de doenças ocupacionais: risco muito alto de exposição (aqueles com alta possibilidade de contaminação, por exemplo, médicos e enfermeiros); risco alto (profissionais que entram em contato com casos confirmados ou suspeitos); risco mediano (que têm contato com pessoas que podem estar infectadas, mas não tem confirmação), e risco baixo (não têm contato com o público nem com pessoas infectadas). De acordo com o juiz, a presunção de nexo causal pode ser considerada no primeiro e segundo caso.
Encerramento
Ao fim, a juíza e mediadora Germana de Morelo compartilhou algumas mensagens de alguns espectadores, como a da desembargadora e presidente do TRT17, Ana Paula Tauceda Branco. “É com grande satisfação que registro minha participação neste evento cuja temática é de máxima importância: o compromisso que temos pela responsabilidade da vida humana digna dos cidadãos que vêm à Justiça do Trabalho. bem como de nossos servidores e magistrados”, expressou a presidente.
O procurador chefe do MPT-ES, Valério Heringer, também marcou presença e fez questão de parabenizar a iniciativa do webinário e agradecer a participação de todos. “Em nome do MPT-ES, expressamos nosso reconhecimento pelo extraordinário nível desse seminário digital. Palestras de altíssimo nível, mediadores super. Nosso agradecimento especial a todo o público que nos acompanhou ao longo desses dias.”
O evento Saúde e Segurança no Trabalho em Tempos de Pandemia foi uma realização do TRT-ES, do Programa Nacional Trabalho Seguro e da Escola Judicial da 17ª Região (Ejud 17) em parceria com o governo do Espírito Santo, Ministério da Economia, Ministério Público do Trabalho, Polícia Rodoviária Federal, Fundacentro e Associação dos Magistrados do Trabalho da 17ª Região (Amatra 17).
Fonte: TRT17