Previstos há quase 40 anos na legislação do país, os Conselhos da Comunidade – instâncias de participação e controle social na execução penal que deveriam existir em todas as comarcas – ainda enfrentam desafios de implantação e funcionamento. Segundo levantamento inédito do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) realizado com 400 conselhos de 26 unidades da federação, 40% indicaram que as atividades precisaram ser interrompidas em algum momento, quase 20% não dispõem de recursos financeiros e 65% não dispõem de funcionários contratados. Além disso, apenas 31% realizam visitas mensais aos espaços de privação de liberdade, uma das atribuições previstas em lei.
O estudo foi produzido dentre as ações de fortalecimento da participação e do controle social no campo da privação de liberdade do programa Fazendo Justiça e prevê ainda apoio para discussão de normativa e de manual para otimizar a atuação dos conselhos. O programa é uma parceria em andamento desde 2019 entre CNJ e Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), com apoio do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), para superação de desafios estruturais no campo da privação de liberdade.
Além da análise de formulários, o estudo também realizou entrevistas em grupos focais com representantes das cinco regiões do país. Para o supervisor do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF) do CNJ, Mauro Pereira Martins, o estudo é um passo importante para que Judiciário fortaleça os conselhos da comunidade. “Conforme a Lei de Execução Penal, o judiciário tem um importante papel para compor e instalar esses conselhos, que por sua vez, desempenham papel relevante no acompanhamento da execução penal. Nesse sentido, garantir o bom funcionamento dos conselhos é fazer cumprir nossa legislação com importantes ganhos na prestação de serviços pelo Estado.”
Segundo o juiz coordenador do DMF/CNJ, Luís Lanfredi, a participação e controle social na execução penal é um tema a ser melhor explorado. “Trata-se de um ponto central para o enfrentamento das consequências do encarceramento e para construção de políticas destinadas à garantia de direitos e à efetiva inclusão social das pessoas egressas do sistema.”
Desafios
Embora instituídos pela Lei de Execução Penal em 1984, é a partir do fim da década de 1990 que os Conselhos passam a ser implementados em maior número, ganhando força a partir dos anos 2000 – segundo a lei, a criação e a regulamentação do funcionamento dos Conselhos da Comunidade compete ao juízo da execução. Para o vice-presidente do Conselho da Comunidade de Aparecida de Goiânia (GO), José Geraldo Magalhães, há ainda um estigma muito grande nos assuntos que envolvem a execução penal. “Isso faz com que a implementação dos projetos esteja submetida à subjetividade da pessoa na gestão em determinado momento. Não há continuidade de políticas,”
Segundo a pesquisa, as penas pecuniárias – valores pagos após sentenças condenatórias – são a fonte de renda de 90% dos Conselhos. “Ter destinação de recursos garantida por meio de instrução normativa foi fundamental para o sucesso da atuação dos Conselhos aqui no Paraná”, conta a presidente da Federação dos Conselhos da Comunidade do Estado do Paraná (Feccompar), Maria Helena Orreda.
Em atividade desde 2013, a organização tem como objetivo principal congregar e fortalecer os Conselhos da Comunidade no estado. Segundo Orreda, a destinação de recursos, de espaço físico e também de profissionais dedicados faz a diferença para o funcionamento contínuo e desenvolvimento de projetos de fôlego, com continuidade.
A diversidade na composição, incluindo uma maior participação de familiares e pessoas que passaram pelo sistema prisional, também é um desafio. O estudo identificou que profissionais do Direito, assistentes sociais e representantes de associações comerciais são as categorias mais frequentes , com 90%, 63% e 54%, respectivamente. Representantes do Sistema de Justiça também aparecem com frequência: promotoria (34%), defensoria (31%), magistradas e magistrados (44%). Familiares de pessoas que vivenciaram situações de privação de liberdade e pessoas egressas do sistema prisional representam 5,4% e 2,9%, respectivamente.
De acordo com a coordenadora geral do programa Fazendo Justiça, Valdirene Daufemback, os conselhos buscam aperfeiçoar não apenas a estrutura e representação, mas também suas atividades. “Há expectativa de incrementar a atuação com a própria comunidade no sentido de sensibilizá-la, envolvê-la, assim como no acompanhamento do planejamento da política penal e de seu orçamento.”
Diálogos e participação
A atividade mais realizada é a inspeção em unidades prisionais, apontada por 72% dos Conselhos, seguida do investimento de recursos na infraestrutura de unidades prisionais (55,6%). A busca por recursos materiais e humanos para melhor assistência às pessoas privadas de liberdade, o fomento à criação de programas, projetos e serviços para essa população e o atendimento a familiares de pessoas encarceradas também aparecem com frequência nas respostas, somando 46%, 43% e 41%, respectivamente.
“Há, ainda, muita resistência à participação social nesse campo. É preciso entender que o Conselho, sobretudo, funciona também como um facilitador, estabelecendo diálogos entre os órgãos da execução penal que nem sempre conversam”, explica o presidente do Conselho da Comunidade de Ribeirão Preto, em São Paulo, Guilherme Rodrigues da Silva.
Há duas semanas, ele conta, o Conselho trouxe o Executivo municipal, a Secretaria de Administração Penitenciária e o Judiciário para conversar sobre o desmonte da Central de Penas Alternativas da cidade, inoperante há um ano. “Só faltava um imóvel. A partir da conversa, a municipalidade já está procurando um espaço para retomada do serviço.”
Para o coordenador do eixo de Cidadania do programa Fazendo Justiça, Felipe Athayde, a presença da sociedade civil permite identificação de problemas estruturais do sistema prisional, algo especialmente relevante considerando que a política penal se desenvolve, em grande parte, intramuros. “Não existe política pública sem participação social. É por meio dela que conseguiremos enfrentar aquilo que faz da prisão um estado de coisas inconstitucional.”
Renata Assumpção
Agência CNJ de Notícias