Um debate sobre o combate às formas contemporâneas de trabalho escravo reuniu na manhã de terça-feira (02/02) senadores, autoridades e representantes de entidades ligadas ao tema na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal (CDH). Representando o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o conselheiro e ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Lelio Bentes, participou da audiência pública ao lado do ativista indiano e Prêmio Nobel da Paz em 2014, Kailash Satyarthi. O foco da discussão foram as alterações propostas à legislação que trata de trabalho escravo no país – um projeto de lei em tramitação no Senado redefine trabalho escravo e as regras para se expropriar terras onde for encontrado esse tipo de exploração.
Segundo o conselheiro Bentes, a legislação atual permite perfeitamente o combate à exploração do trabalho em condições análogas à escravidão. “Se precisamos de algo agora para combater o trabalho escravo, é o cumprimento fiel e exato da lei brasileira, que é uma das mais avançadas do mundo. O artigo 149 do Código Penal Brasileiro define o trabalho análogo à escravidão com a amplitude necessária para que a fiscalização do trabalho, os membros do Ministério Público e a magistratura possam efetivamente cercear esse tipo de conduta”, afirmou o ministro.
De acordo com Bentes, foi graças à lei em vigor que a fiscalização do trabalho conseguiu libertar “mais de 50 mil trabalhadores e trabalhadoras que se encontravam em condições análogas à do escravo” nas últimas duas décadas. Segundo o conselheiro, a atual redação do artigo 149 do Código Penal permitiu à Justiça do Trabalho dar resposta adequada ao problema no Brasil. “Esse dispositivo tem sido fundamental para que a Justiça do Trabalho, por provocação do Ministério Público do Trabalho, tenha imposto sanções da maior gravidade, da maior relevância aos infratores, a título de danos morais coletivos”, disse o conselheiro.
O conselheiro acrescentou que a luta eficaz contra a exploração de trabalhadores em situação de escravidão depende da manutenção da atual legislação e de avanços no plano legislativo, como a ratificação pelo Brasil do Protocolo à Convenção 29 da OIT – atualização das normas da entidade sobre trabalho forçado, incluindo diretrizes contra o tráfico de pessoas. “O compromisso do Poder Judiciário brasileiro é de dar combate sem trégua ao trabalho escravo. A nossa determinação é de prosseguir nessa luta e, para isso, pedimos a Vossas Excelências, que têm o honroso e importante mister de elaborar as ferramentas legislativas de que dispomos, que mantenham essas ferramentas que estão nos permitindo desempenhar esse trabalho de forma profícua e serena”, afirmou Bentes.
Nobel – O ativista indiano Kailash Satyarthi afirmou estar confiante na manutenção da legislação brasileira contra trabalho escravo nos termos atuais. “Liberdade é inegociável. Estou certo de que o Brasil não dará um passo atrás na luta contra a escravidão”, afirmou Satyarthi, que venceu o Prêmio Nobel da Paz em 2014 por seu trabalho na libertação de cerca de 80 mil crianças do trabalho forçado nas últimas quatro décadas.
Satyarthi afirmou ainda que a evolução da democracia, das leis, dos sistemas de garantia de direitos humanos, dos meios de comunicação, da tecnologia e do conhecimento humano colocam a luta contra o trabalho escravo realizada hoje em uma posição privilegiada. “No Brasil, na Índia, na África do Sul, na Tanzânia, no Quênia, no Peru, na Colômbia e em outras partes do mundo, fizemos muito progresso. Temos ferramentas muito mais poderosas para romper os grilhões da escravidão. Não há mais desculpas agora (para erradicar o trabalho escravo). Podemos fazê-lo”, disse.
O conselheiro Lelio Bentes citou dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT) para ilustrar a abrangência do trabalho escravo não só no Brasil, mas também no mundo. Segundo levantamento da OIT, a exploração do trabalho escravo lucraria cerca de US$ 150 bilhões anuais, o que a tornaria a terceira atividade mais rentável do no planeta – atrás apenas do tráfico de drogas e do tráfico de armas –, caso fosse legalizada. Em 2015, o Grupo Especial de Fiscalização Móvel identificou 1.010 trabalhadores em condições análogas à escravidão, em 90 dos 257 estabelecimentos fiscalizados, de acordo com o Ministério do Trabalho e Previdência Social (MTPS).
Manuel Carlos Montenegro
Agência CNI de Notícias