O conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), coordenador do Comitê Gestor de Justiça Restaurativa, ministro Vieira de Melo, fez uma visita técnica, na quinta-feira, 1, a duas áreas em conflito no município de Benevides, na rodovia Augusto Meira Filho (PA-391), que liga Belém a Mosqueiro, numa área cujo litígio se arrasta há mais de 20 anos, envolve mais de 400 famílias concentradas em duas grandes comunidades – Nelson Mandela e Terra Cabana – e que há dois anos iniciaram um processo de mediação no 7º Centro Judiciário de Solução de Conflitos (Cejusc), que funciona na Universidade Federal do Pará (UFPA), coordenado pelo juiz Agenor Cássio Nascimento Correia de Andrade.
Também participaram da visita a magistrada auxiliar da presidência do CNJ, Fabiane Pieruccini; o presidente da Associação dos Magistrados do Pará (Amepa), juiz Líbio Moura; a desembargadora Dahil Paraense de Souza, coordenadora do Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (Nupemec); e as juízas Josineide Pamplona, do Cejusc da UFPA, e Anuzia Dias da Costa, titular da 1ª Vara Cível e Empresarial.
A visita foi acompanhada também por representantes do Instituto de Terras do Pará, Defensoria Pública do Estado, Procuradoria Geral do Estado, Secretaria de Estado de Assistência Social, Emprego e Renda (Seaster), além de integrantes de secretarias municipais da Prefeitura de Benevides.
Terra cabana
A primeira parada foi na sede do acampamento da ocupação Terra Cabana, capitaneada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), onde o ministro e sua comitiva foram recebidos com uma mística que envolveu canto e oferta de mudas cultivadas pelos acampados. Líder da ocupação e integrante da coordenação estadual do MST, Moisés relata que eles estão no local há oito anos.
“A gente vive aqui numa terra que, comprovadamente, é improdutiva, projeto de uma empresa de exploração de pupunha para extrair palmito. A empresa fez um empréstimo do FNO, do Banco da Amazônia, e colocaram como garantia a fazenda e aí o projeto não deu certo, eles não pagaram e desde 2002 essa pendência vem se desenvolvendo até os dias de hoje”, explica. Ele diz que as famílias do MST chegaram ao local em 2015, após sofrerem despejos na região de Santa Izabel.
“E aí juntou as famílias e decidimos vir pra cá reivindicar essa área para que ela fosse destinada à reforma agrária. Assim que entramos, fizemos o cadastramento de todas as famílias, de início eram 215, hoje tem 68, e mandamos ofício, com as famílias todas cadastradas, para o Iterpa resolver”, diz ele.
Atendendo a uma recomendação da Defensoria e da Promotoria agrária, eles procuraram o Nupemec, encaminhados pela Vara Cível e Empresarial de Benevides e iniciaram, então, há um ano, o diálogo com o Cejusc.
“A gente quer se esperançar, quer ter esperança, são oito anos de muita promessa. A vinda de um ministro é muito simbólica, mostra uma vontade simbólica muito grande. Ficamos muito emocionados, felizes, alegres e começando a querer se esperançar, que eu acho que essa é a palavra. Queremos ter esperança de que se resolva”, diz ele.
Mandela
Na área de ocupação Nelson Mandela, o ministro Vieira de Mello Filho foi recebido por dezenas de agricultores que vivem no local há mais de 20 anos. Presidente da Associação Comunitária dos Agricultores do Nelson Mandela, Francisca Duarte relata que vivem no local mais de 600 famílias, que produzem mandioca, milho, frutas, verduras, legumes e açaí.
“Já tem muitos criando tanques de peixe. E essas famílias precisam desse emprego. Porque se eles saírem daqui, vão viver de quê? Nós estamos aqui há praticamente mais de 20 anos”, disse ela, ao relatar que as primeiras famílias a chegar ao local trabalhavam na empresa que cultivava pupunhas para a extração do palmito.
“Até quando seu Maurício deixou, três anos nós ficamos trabalhando em paz. Depois ele começou a perseguir a gente”, diz ela, referindo-se ao suposto dono da área.
“Depois, a gente veio descobrir que ele tinha colocado a gente porque ele tinha uma dívida muito grande no Banco da Amazônia. Ele foi no sindicato, pegou 300 famílias. Isso aí nós provamos no Fórum de Castanhal, onde ele disse que fez porque nós tava passando necessidade e realmente até hoje nós estamos aqui”, diz ela, ao observar que o seu neto, assim como os filhos de outras famílias, nasceu no local e hoje já é um rapaz.
Ela lembra a luta comunitária para que conseguissem se assentar no local e produzir a própria existência.
“Nós tivemos que juntar cada centavinho, plantando na época maxixe, quiabo, que dava mais rápido, pra gente vender e aí a gente juntava todo mundo junto e fazia”, recorda, ao apontar o galpão onde houve a reunião com o ministro, que é o centro da comunidade.
Ela diz, porém, que o cotidiano no local é de muita insegurança, sobretudo após uma outra empresa ter surgido afirmando que adquiriu a área.
“Entrou essa empresa aí, que talvez seja até uma vítima do seu Maurício. Eles dizem que negociaram a terra, a gente não sabe como é, a questão está na mesa de conciliação”, diz ela.
Francisca diz que espera uma solução justa para o conflito. “Mesmo que nós venha negociar essa terra, nós sabemos que vamos trabalhar pra pagar uma dívida, mas vamos trabalhar em paz, nós não temos paz; a Celpa (Equatorial) veio pra colocar luz, eles (empresa que se diz proprietária) embargaram porque eles tinham comprado”, lamenta.
Auxílio
O ministro Vieira de Mello Filho disse que a visita técnica ao Pará visa a colaborar com o TJPA na estruturação das mediações previstas na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 828 (ADPF 828), pela qual o ministro Luiz Roberto Barroso, referendado pelo Plenário do STF, estabeleceu como pré-requisito para desocupações de áreas fundiárias, rurais e urbanas em conflito, a instauração de processos de mediação.
“A nossa função é auxiliar, em parceria, em cooperação com o Tribunal de Justiça do Pará, para reestruturar em face da ADPF 828. As comissões deverão seguir um modelo estruturado para que possa obter os resultados esperados, resultados que são lançados na própria ADPF 828, e é essa função do comitê nacional, auxiliar os tribunais, em parceria com eles, para a construção do ambiente estrutural e organizacional propício pra que sejam encaminhadas essas questões”, explicou o ministro, ao ressalvar que o CNJ não veio para extrapolar limites administrativos, mas para ouvir as partes.
“Precisamos ouvir os proprietários e ouvir também os ocupantes, precisamos ouvir as pessoas que estão envolvidas, porque essa é a função do Judiciário: estar próximo a todos pra que possa encontrar a melhor solução”, definiu.
O ministro frisou que o Pará está no centro das questões fundiárias. “Por isso que nós resolvemos comparecer ao Pará pessoalmente e essa será, acredito eu, a primeira de algumas vezes, mas apenas para conseguir estruturar, encadear vários órgãos do Tribunal, porque temos órgãos de justiça restaurativa, temos aqui a comissão de conflitos, os juízes das varas agrárias, uma união de esforços para que possamos minorar o sofrimento de muitos, mas sem o prejuízo do direito de outros. Essa é a nossa ideia pacífica”, disse ele.
Culminância
Coordenador do 7º Cejusc da Capital, o juiz Agenor de Andrade disse que a visita técnica do ministro a duas áreas em conflito no Pará é a culminância de um trabalho desenvolvido há um ano.
“As partes não queriam mais negociar, já tinham saído da mediação, mas a gente entende a presença do ministro como uma forma de dar novo fôlego pra que realmente a gente traga pacificação pra um conflito que envolve quase quatrocentas famílias; então o Tribunal está aqui com toda a disposição para realmente solucionar e pacificar a área. O objetivo é retomar e trazer novas soluções, com novas personagens e novas ideias pra solução desse conflito”, disse.
Magistrada auxiliar da presidência do CNJ, Fabiane Pieruccini avaliou as visitas como muito proveitosas, bem conduzidas e organizadas. “Isso demonstra essa disposição do Tribunal em estruturar a comissão com o propósito claro de abrir um diálogo eficaz e efetivo, chamando para as visitas todos os atores do processo e o Poder Judiciário se apropriando do poder de solução e tratamento daquelas questões onde existem interesses sobrepostos”, disse ela, ao avaliar a programação como “um absoluto sucesso, com a participação de multiatores e demandas respondidas na hora. O Tribunal de Justiça do Pará mostra que está empenhado no enfrentamento dessa questão tão complexa, que são os conflitos fundiários”, disse ela.
Nos dois acampamentos, a comitiva recebeu como presente frutas, legumes e outros produtos cultivados nas duas áreas, que serão destinados a instituições filantrópicas cadastradas no TJPA.
Fonte: TJPA