Congresso do Fonajus debate aspectos da judicialização da saúde pública

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O epidemiologista Maicon Falavigna falou sobre os custos da produção de medicamentos - Foto: Ana Araújo/Ag. CNJ
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Os custos de pesquisas de medicamentos, tratamentos de transtornos neurológicos e mentais, doenças raras, oncologia e a relação com a judicialização da saúde pública no Brasil foram debatidos na tarde desta quinta-feira (23/11), no II Congresso Nacional do Fórum Nacional do Poder Judiciário para a Saúde (Fonajus). O evento, promovido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), acontece nos dias 23 e 24 de novembro, em Foz do Iguaçu (PR).

Sob a presidência do promotor de Justiça Arthur Pinto Filho, o primeiro painel trouxe reflexões relativas ao tema Saúde mental e judicialização. A abertura do debate contou com duas apresentações científicas e aprofundadas do Transtorno do Espectro Autista (TEA).

Professor de neurologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Erasmo Barbante Casella – Foto Ana Araújo/ Ag. CNJ

Professor de neurologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP), Erasmo Barbante Casella fez um apanhado dos estudos que possibilitaram a identificação da doença. Estudo do Centro de Controle e Prevenção de Doenças, agência norte-americana, mostra que, em um período de apenas dois anos, o índice de diagnóstico de TEA na infância aumentou 22%. Em 2018, 1 a cada 44 crianças eram detectadas com o transtorno. Em 2020, 1 a cada 36 crianças tinham TEA. “O transtorno está presente em 2,8% da população pediátrica. Outra novidade é que foram identificados portadores de autismo entre hispânicos e negros, grupos nos quais havia pouco diagnóstico. O Brasil tem mais de 7 milhões de autistas, conforme dados de 2022”, afirmou.

Casella esclareceu sobre a Terapia Intensiva de Análise Comportamental Aplicada (ABA), que utiliza princípios das teorias comportamental, de aprendizagem e reforço positivo para obter avanços comportamentais. A ABA prevê atividades variadas com duração de 20 ou 40 horas semanais. “Os planos individualizados do ABA devem ser adaptados às necessidades e aos pontos fortes do indivíduo”.

O superintendente operacional da Federação das Unimeds do Estado de São Paulo (Unimed Fesp), Mauro Couri, abordou o TEA sob o ponto de vista da judicialização. A discussão proposta surgiu a partir de uma conversa na OAB de Santos. “A ideia desde o início foi tentar estabelecer uma estratégia para que os magistrados pudessem, no recebimento da ação judicial ou da tutela antecipada, trabalhar com mais elementos. O objetivo era que a decisão levasse em conta aspectos técnicos do TEA em vez de critérios abstratos”, afirmou.

Couri explicou a parte clínica do transtorno, descrevendo os critérios utilizados para a identificação da doença e os níveis de suporte necessários para graus específicos do transtorno. De acordo com Cuori, a Unimed Fesp cuida de 1.540 crianças com diagnóstico de autismo, com acompanhamento junto às famílias envolvidas. “O monitoramento dos pacientes nos levou a rever a saúde mental inclusive das mães dessas crianças. Uma parte delas acabou se divorciando ao longo do tempo. Entendemos que as mães precisam ter uma atenção especializada nesse sentido. Dentro dessa proposta, passamos a atender mães que não estão no plano da Unimed”, pontuou.

Juiz auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça, Márcio Antônio Boscaro destacou as perspectivas legais referentes à saúde mental no Brasil, bem como a jurisprudência. O magistrado elencou os instrumentos alinhados com a temática, como as Leis 9.656/98 (Plano de Saúde) e 10.216/01, que trata da proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais.

As doenças mentais, conforme esclareceu Boscaro, passaram a ter cobertura obrigatória por parte dos planos de saúde em 1998. “Há a necessidade de articulação dos modelos assistenciais público, privado e suplementar na área da saúde mental, sobretudo após a Lei 10.216/2001, a qual promoveu a reforma psiquiátrica no Brasil”, complemento.

Dentro da questão processual, Boscaro ressaltou o Enunciado 116, aprovado na VI Jornada de Direito da Saúde, promovida pelo CNJ em junho deste ano. A norma prevê que o pedido de internação compulsória somente será apreciado por meio da comprovação de esgotamento de outros recursos com possibilidade de tratamento. “A redação do enunciado afirma que a comprovação deverá ser feita com laudos, relatórios e outros documentos que indiquem os recursos extra-hospitalares manejados sem sucesso”, apontou.

Doenças raras

No segundo painel, Doenças raras e impactos na judicialização da saúde, a juíza do Tribunal de Justiça do Tocantins e membro do Comitê Executivo do FONAJUS, Milene de Carvalho Henrique, alertou sobre a complexidade do panorama das doenças raras no país. Números da Organização Mundial de Saúde (OMS), segundo a magistrada, mostram que 65 pessoas, a cada 100 mil, são portadoras de doenças raras e ultrarraras. “No Brasil, temos 11 milhões de pessoas com condições raras de saúde”, lamentou.

A presidente da Comissão de Direito Médico da OAB de São Paulo, Juliana Hasse, esclareceu sobre o que são as doenças raras, as estatísticas, os impactos na vida dos portadores dessas enfermidades e as dificuldades enfrentadas pelo Judiciário na hora de decidir ações sobre o tema.

Presidente da Comissão de Direito Médico da OAB de São Paulo, Juliana Hasse – Foto: Ana Araújo/Ag. CNJ

Hasse afirmou que o grande ponto das judicializações na área da saúde dizem respeito à obtenção de medicamento de alto custo. Levantamento do CNJ revela um aumento de 130% no número de ações judiciais ligadas à saúde. Em 2022, houve o registro de 164 mil processos judiciais na área de saúde suplementar.

Ao longo de sua apresentação, Hasse relembrou a análise do Tema 6 de Repercussão Geral, de relatoria do presidente do Supremo Tribunal Federal e do CNJ, ministro Luís Roberto Barroso. A decisão indica que o Estado não pode ser obrigado, por decisão judicial, a fornecer medicamento não incorporado pelo Sistema Único de Saúde (SUS), independentemente do custo, salvo em casos excepcionais.

Em sua participação no painel, o médico epidemiologista Maicon Falavigna trouxe alguns pontos para reflexão, como custos para o desenvolvimento de medicamentos, razões da judicialização, os dilemas vividos por pacientes, operadoras e Judiciário. O cenário atual, como explicou Falavigna, conta com 7 mil doenças raras, sendo que 95% delas ainda têm medicamentos em fase de estudo. “O grande problema é que a regulação e o acesso não acompanham o ritmo do desenvolvimento de terapias”, sinalizou.

Os remédios voltados ao combate de doenças raras, em geral, têm custo elevado por causa dos recursos empregados na pesquisa para o desenvolvimento dos fármacos. “O custo médio do desenvolvimento de medicamentos é de US$ 1,14 bilhão. Nos remédios da área oncológica o custo chega a US$ 2,8 bilhão”, informou.

 

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Oncologia

O último discutiu Tratamentos oncológicos e regulação. As exposições foram mediadas pelo defensor público do Distrito Federal Ramiro Nóbrega Sant’Ana e contou com as explanações do cirurgião vascular Sérgio Lima de Almeida e da coordenadora-geral de Demandas de Órgãos Externos da Secretaria de Atenção Especializada do Ministério da Saúde, Daniela Câmara.

Almeida ponderou, ao iniciar sua apresentação, que o posicionamento médico muitas vezes leva a consequências no Poder Judiciário. “O grande papel da medicina é agregar vida aos anos e não o contrário. Nós, como médicos, precisamos aprender a respeitar o processo de finitude das pessoas”, refletiu.

O médico detalhou questões referentes aos papéis exercidos pela medicina, pelas fontes pagadoras e pela Justiça no trato do tema da saúde. Para ele, a medicina inclui um olhar acurado para o fortalecimento dos conselhos regionais e das sociedades de especialidades, uma rígida fiscalização focada na medicina baseada em evidências, o combate ostensivo a banalização das indicações médicas e a permanente vigilância ao compliance na medicina.

Daniela Câmara salientou que a oncologia tem uma demanda crescente na judicialização em função das novas tecnologias, tratamentos caros. A coordenadora evidenciou a criação da Portaria 1064/2023 do Ministério da Saúde que cria a Política Nacional de Atenção Especializada em Saúde. “A portaria regulamenta, conceitua e traz diretrizes da Atenção Especializada em Saúde, que compõem serviços marcadas pela média e alta complexidades, desempenhando um papel de apoio à Atenção Primária”, assegurou. A representante do Ministério da Saúde esclareceu ainda sobre a Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer.

 Reveja o evento no canal do CNJ no YouTube

Texto: Ana Moura
Edição: Thaís Cieglinski
Agência CNJ de Notícias

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