Conciliar é Legal: estudantes de Direito vão ao Pantanal para solução de questões fundiárias

Você está visualizando atualmente Conciliar é Legal: estudantes de Direito vão ao Pantanal para solução de questões fundiárias
Compartilhe

A atuação de estudantes de Direito no Mato Grosso do Sul garantiu a famílias que vivem no Pantanal o reconhecimento de sua condição de povo originário do Brasil e a oportunidade de avançar para a regularização de suas moradias. Em 2023, 32 processos judiciais que tramitavam na Justiça Federal envolvendo o Termo de Autorização de Uso Sustentável (TAUS) foram identificados pela equipe: 25 acabaram resolvidos em acordo judicial e sete foram desistidos, significando 78% de resolução por meio de acordo judicial. 

A Prática Jurídica em Seguridade Social, da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), venceu na categoria Soluções Fundiárias e de Moradia do XIV Prêmio Conciliar é Legal, promovido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Apresentado pelo professor Aurelio Tomaz da Silva Briltes, o projeto oferece atendimento jurídico para povos originários no Pantanal, garantindo, entre outros direitos, o acesso à moradia regularizada. 

O projeto de assistência jurídica nasceu em 2012 com o objetivo de proporcionar vivências práticas aos acadêmicos na prestação de serviços a pessoas e comunidades que não têm condições de arcar com os custos da tramitação de um processo judicial – chamados de hipossuficientes. Em 2015, o projeto ganhou corpo com a Expedição da Cidadania, promovida pela Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe). “Naquele ano, fomos convidados para participar e atuar nos atendimentos, acolhimentos, triagens e postulações daquela iniciativa”, recorda o professor.  

Durante as itinerâncias realizadas em 2023 no Pantanal é que foram identificados os 32 processos que incluíam a demanda pela outorga do Termo de Autorização de Uso Sustentável (TAUS). Esse documento confere o reconhecimento de ocupação de comunidades tradicionais em área da União. Esse é o primeiro passo para dar início ao processo de regularização fundiária, que poderá culminar na concessão de título definitivo.  

De acordo com Aurelio Briltes, foram identificadas diversas dificuldades para que as comunidades do Pantanal pudessem adquirir a documentação do TAUS. “Podemos mencionar o isolamento territorial, visto que o Pantanal é a maior planície alagável do planeta. Além disso, há o difícil acesso à internet e a falta de conhecimento sobre o próprio direito”, pontou. “Sem contar a ausência de conhecimentos básicos sobre onde e como requerer o documento”, observou.     

A autorização de uso sustentável é outorgada pelo Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI), por meio da Secretaria do Patrimônio da União (SPU). O documento permite ao Estado acompanhar o uso racional e sustentável dos recursos naturais disponíveis na orla marítima e fluvial destinados à subsistência da população tradicional.  

Para receber essa outorga, é preciso fazer parte de um grupo que se reconheça culturalmente diferenciado, que tenham áreas da União e seus recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, econômica, ambiental e religiosa, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição. 

Segundo o docente da UFMS, garantir o direito à moradia regularizada significa restaurar as relações sociais para os povos originários do Pantanal. “O endereço é o segundo ponto de referência vinculado aos direitos da personalidade. O primeiro é o nome, que é retratado pelo documento de identidade”, declarou. “Viver há décadas sem possuir o TAUS é viver na invisibilidade cidadã frente à sua personalidade e à sua raiz”, afirmou.    

A indígena da etnia Guató Jeorgina de Almeida representa uma das famílias que conseguiram a expedição do TAUS durante as itinerâncias. Ela vive há 40 anos em uma casa nas proximidades do Rio Paraguai, no Pantanal. “Esperava por isso há anos. A gente já não acreditava que seria possível. Hoje eu posso falar que tenho um endereço e posso ir a um banco fazer empréstimo para tocar os meus negócios”, comemorou. 

Prática jurídica   

Desde o início do projeto, cerca de 165 alunos de Direito da UFMS já participaram das itinerâncias no estado do Mato Grosso do Sul. A iniciativa começou nas áreas do Direito do Trabalho, em Campo Grande, e Direito da Seguridade Social, no Pantanal. “Com o passar dos anos, o projeto se concentrou no Direito da Seguridade Social, em especial, os benefícios previdenciários e assistenciais, já que os ribeirinhos careciam de documentações básicas”, rememorou Aurélio Briltes. 

A demanda por solução de conflitos fundiários cresceu após análise documental. “Fizemos entrevistas, visitas in loco e identificamos a dificuldade de provar a qualidade de segurado especial do pantaneiro, diante da ausência de carteira de pesca e do próprio TAUS”, comentou o docente.   

Desde o início do projeto, 165 estudantes da UFMS já participaram do projeto – Foto: Ascom UFMS

Em 2023, a Prática Jurídica em Seguridade Social da UFMS foi incorporada ao rol dos serviços oferecidos no Juizado Especial Federal Itinerante (JEF), ação promovida pelo Tribunal Regional Federal da 3.ª Região (TRF-3). A missão é promover dignidade no tema de Seguridade Social e, ainda, no âmbito da academia, contribuir com a formação de juristas sensíveis e humanizados. “Com essa incorporação, nossos acadêmicos têm a possibilidade de aprender, experimentar e vivenciar práticas reais sob diversos ângulos e ainda interagirem com as respectivas autoridades e as partes do processo”, explicou Briltes.   

A juíza federal Monique Marchioli Leite, diretora do Foro da Seção Judiciária do Estado de Mato Grosso do Sul e coordenadora administrativa do projeto Juizado Especial Federal Itinerante, elogiou a participação ativa dos estudantes de Direito da UFMS no projeto da Justiça Federal. Na avaliação dela, os acadêmicos contribuem com o bom andamento das demandas judiciais do JEF, as quais precisam ser resolvidas em único dia. 

“O Juizado Especial Federal Itinerante tem um fluxo de trabalho extremamente ágil. Os alunos da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul se tornaram parte importante do processo ao atuarem no atendimento inicial à população. Eles são responsáveis pela atermação do pedido, sob a orientação do professor coordenador e da Defensoria Pública da União. Após o atendimento, o processo é encaminhado para realização de perícia, quando necessário, ou, para a sala de audiência para o julgamento”, detalhou. 

Ainda segundo a juíza, é a partir da atuação e colaboração desses acadêmicos que as demandas dos jurisdicionados são formalizadas e encaminhadas aos juízes, procuradores e defensores para a tentativa de conciliação. “A cooperação entre a universidade e a Justiça Federal assegura o atendimento a uma grande quantidade de pessoas, como vem ocorrendo nos últimos Juizados Itinerantes. Além disso, colabora para a formação humanizada desses novos profissionais”, avaliou Monique Marchioli Leite. 

Conciliar é Legal   

A iniciativa da UFMS integra o Juizado Especial Federal itinerante, do Tribunal Regional Federal da 3.ª Região (TRF3), criado para dar acesso à Justiça Federal a populações carentes, privadas do atendimento formal, residentes longe dos centros urbanos e em locais de difícil acesso, como áreas ribeirinhas, assentamentos e aldeias indígenas. “Acredito que, com essa premiação, haverá a replicabilidade em outras unidades da federação no eixo fundiário”, comentou Briltes. 

O Prêmio Conciliar é Legal identifica, premia, dissemina e estimula a realização de ações de modernização no âmbito do Poder Judiciário que estejam contribuindo para a aproximação das partes, a efetiva pacificação e, consequentemente, o aprimoramento da Justiça.  

São reconhecidas as práticas de sucesso em mediação e conciliação de iniciativa do Judiciário e da sociedade. O prêmio também reconhece a produtividade dos tribunais em relação à Política Judiciária Nacional de tratamento adequado de conflitos, instituída pela Resolução 125/2010, estimulando a criatividade e disseminando a cultura dos métodos consensuais de resolução dos conflitos. 

Texto: Thays Rosário, com informações da UFMS e do TRF-3
Edição: Beatriz Borges
Agência CNJ de Notícias