Os números são um referencial, dão a dimensão da importância que o Programa de Tratamento de Consumidores Superendividados (Proendividados), do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), ganhou ao longo de 13 anos. Mas ainda são pouco porque a realidade vai além da estatística. As 36.190 audiências para promover acertos entre consumidores e credores, os 51.688 atendimentos, os 6.348 acordos homologados e os R$ 93,8 milhões que deixaram de ser motivo para processos judiciais não medem suspiros de alívio, o fim de noites em claro e a recuperação do orgulho.
A dedicação para que milhares de pessoas em Pernambuco se reorganizassem financeiramente e, assim, terem de volta a dignidade, alcançou reconhecimento nacional. O XIV Prêmio Conciliar é Legal, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), distinguiu a iniciativa do TJPE para ajudar, por meio do apoio para a renegociação de débitos, consumidores que se encontram em situação de crise financeira. Na edição de 2023, o Proendividados é o vencedor na Categoria Superendividamento, aquela que, entre outras três, destaca esforços de magistrados e servidores em benefício potencial de mais de 15,1 milhões de cidadãos brasileiros.
De acordo com o Departamento de Cidadania Financeira do Banco Central, em março de 2023, no Brasil, 14,2% da população tomadora de crédito no País, aproximadamente 106, 3 milhões de pessoas, apresentavam alta propensão de possuir dívidas além da capacidade de pagamento. E foi a recorrência do problema, percebida no contato com cidadãos de baixa renda, moradores de bairros carentes de serviços públicos no Recife, que fez nascer a rotina das mediações, com sucesso nos acordos para redução de juros e multas. Em fevereiro de 2011, a prática do TJPE ganhou forma de resolução e virou programa.
“Percebemos que havia uma grande necessidade: muitas pessoas, com a renda que recebiam, não conseguiam honrar as suas dívidas; tinham compromissos mensais em valor muito maior do que aquele que precisavam para sobreviver e quitar dívidas”, conta o desembargador Erik Simões. O magistrado atua, desde 2016, como coordenador-geral do Núcleo Permanente de Mediação e Conciliação (Nupemec) do tribunal e é o primeiro vice-presidente do Fórum Nacional de Mediação e Conciliação (Fonamec), que reúne representantes dos 27 tribunais estaduais.
Benefício
“A história é bem conhecida: uma empresa, entrando com uma ação de execução contra uma pessoa que não tem condição de quitar, de honrar as próprias dívidas, vai, no final de tudo, abarrotar o Judiciário, gerar processo, tramitação, sentença e, no final, o condenado não tem como pagar e o autor acaba sem receber nada”, comenta Simões. “Portanto, o benefício é geral, inclusive para os credores, que passam a receber algo, de acordo com as condições de cada devedor, sem a necessidade da abertura de mais uma causa que iria sobrecarregar ainda mais a Justiça.”
O dia a dia ensinou que, normalmente, o mais conveniente é promover a negociação simultânea, do devedor com três, quatro, cinco credores. A experiência mostrou também que valia avançar, em nome da sustentabilidade, para o acerto de convênios com faculdades e hospitais, a fim de garantir que os endividados passem a receber o acompanhamento de economistas, psicólogos e participem de palestras. “A pessoa, depois do atendimento pelo programa, volta a ter acesso ao crédito e, assim, a orientação técnica é essencial para evitar a recorrência”, explica Simões.
O sucesso em Recife fez com que o Proendividados avançasse em direção ao Agreste Pernambucano. Há sete anos, a população de Caruaru, município de 365 mil habitantes, distante 135 quilômetros da capital, também passou a dispor da assistência a pessoas em crise financeira. E, em 2023, a ideia nascida no TJPE há 13 anos inspirou o Programa Servidor em Negociação. “É uma visão dedicada às aproximadamente 8 mil pessoas que atuam no nosso tribunal, parte das quais também enfrenta problemas com margem consignável, cartões de crédito, empréstimos com financeiras”, diz o desembargador.
Equipe
A equipe da Gerência de Tratamento de Consumidores Endividados, responsável pelo Proendividados, conta com uma juíza coordenadora, dois conciliadores, quatro servidores e uma prestadora de serviços gerais. O trabalho conta ainda com o apoio de voluntários, que colaboram para o atendimento inicial e a triagem dos cidadãos que buscam ajuda. Depois do contato inicial, presencial, a pessoa passa pelo atendimento de um planejador financeiro, que monta planilhas para análise da situação financeira do indivíduo. Daí vêm os contatos com os credores e o agendamento de uma audiência de conciliação.
Desde o começo do atendimento, a regra é o acolhimento. “Essa é a nossa bandeira porque não é fácil, trata-se de um trabalho que nos faz lidar com pessoas que estão psicologicamente abaladas, com a dignidade mexida”, conta a responsável pela gerência, Vivian de Melo. “Para algumas instituições financeiras, a pessoa se torna um número, mas, para a equipe, é alguém que precisa de um olhar diferenciado, que traga empoderamento e esperança por meio da orientação técnica e objetiva, em nome da solução do problema”, explica a servidora do TJPE, que atua com o programa desde a sua posse no tribunal, em 2011.
Compensação
Vivian conta de rotina de trabalho que rende estresse e impõe custo físico ao pessoal da gerência. Mas também fala em compensação, em realização pessoal. “A gente volta para casa, depois de um expediente desgastante, atendendo quem passa por dificuldades, conhecendo uma situação pior que a outra, cansada, mas com uma enorme sensação de dever cumprido”, diz a advogada especialista em direito do consumidor e mediação judicial. “Quase sempre, nem se resolve tudo naquele momento, na hora do atendimento, mas fica evidente um agradecimento genuíno, esperançoso, vindo de alguém que se percebeu ouvido, acolhido.”
No TJPE, há a intenção de ampliação do Proendividados. O desembargador Simões conta de entendimentos preliminares para a criação de unidades do programa em Vitória de Santo Antão, na região metropolitana do Recife, e em Petrolina, no oeste de Pernambuco. “Quando se resolve o problema de um superendividado, é diferente: é a solução para um grande problema, situação de desconforto que afeta toda família e que pode ter origem em eventos excepcionais, como desemprego, doença ou mesmo o vício em compras.”
Dialogar
A iniciativa de responsabilidade social de uma instituição financeira, em nome do diálogo e do fortalecimento da relação com os clientes, rendeu, ao Banco Inter, o reconhecimento por meio da décima quarta edição do Prêmio Conciliar É Legal. O Projeto Dialogar, criado pela empresa de serviços digitais em outubro de 2021 para oferecer suporte aos clientes que enfrentam o superendividamento, alcançou menção honrosa porque cria um canal direto com o cliente, desburocratiza processos e evita o início ou permite o encerramento de ações judiciais de execução de dívidas.
Em dois anos e meio, desde o início do esforço para banco e cliente negociarem, diretamente, soluções viáveis para dificuldades financeiras, 2.530 acordos, dos quais 169 firmados com clientes superendividados, deixaram de se tornar petições, processos, sentenças e arquivos nos acervos dos tribunais brasileiros. Um avanço que demandou o uso de uma caixa postal eletrônica, de um telefone, a escuta ativa de uma profissional capacitada e dedicada exclusivamente ao projeto e a capacidade de dialogar na busca de solução que dispense advogado, chat e ouvidoria.
Para o banco, que informa ter 28 milhões de correntistas, a ideia de adoção dos acordos, por meio de práticas autocompositivas, vai além da busca pela eficiência, de evidenciar alcance social, de render efetividade, de ser exemplo de inovação e da satisfação do usuário. “A criação do Projeto Dialogar representou uma mudança significativa na abordagem do Departamento Jurídico do Inter, visando a promoção de soluções amigáveis e o fortalecimento do diálogo com os nossos clientes”, consta no documento de registro da iniciativa no sistema de cadastro e recebimento das práticas do Prêmio.
O Inter destaca, no formulário, que a criação de canais acessíveis de negociação evidencia o reconhecimento da importância de se ouvir o cliente. “Com a implementação do projeto, tornou-se possível oferecer aos clientes uma alternativa para resolver suas demandas de forma mais ágil e eficiente, evitando a necessidade de recorrer exclusivamente ao caminho judicial”, está justificado no cadastro.
Texto: Luis Cláudio Cicci
Edição: Beatriz Borges
Agência CNJ de Notícias