No primeiro dia de visita ao Ceará para acompanhar as ações locais de saneamento dos problemas encontrados no sistema prisional daquele estado, a comitiva da Corregedoria Nacional de Justiça e do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF) do Conselho Nacional e Justiça (CNJ) levou o Plano de Ação de melhoramento do sistema carcerário cearense ao Poder Executivo, ao Judiciário e ao Legislativo locais. A missão, que começou na terça (16/11) e termina na sexta-feira (19/11), inclui a revisão de procedimentos e visitas a varas de execução penal e a estabelecimentos prisionais do Ceará.
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Essa é a primeira vez que um projeto une a Presidência do CNJ, por meio do DMF, e a Corregedoria Nacional de Justiça para análise conjunta do funcionamento do sistema penal de um estado, em uma espécie de mutirão para atuar junto às varas criminais e penais do estado do Ceará. Entre os pontos que deverão ser modificados está o fluxo de cumprimento de determinação da Justiça e alvarás de soltura, considerado um problema urgente pelo Sistema de Justiça. Em abril, o Tribunal de Justiça do Estado do Ceará (TJCE) mandou soltar um homem que havia ficado preso por sete anos sem haver processo contra ele.
“Como alvarás de soltura podem demorar meses ou anos para serem cumpridos? É preciso capacitação dos servidores que cuidam dessa área já que pode ser um problema de comunicação, de falha e de alimentação incorreta dos sistemas eletrônicos”, afirmou a corregedora nacional de Justiça, Maria Thereza de Assis Moura, ao se referir ao Banco Nacional de Monitoramento de Prisões (BNMP) e ao Sistema Eletrônico de Execução Unificado (SEEU). Ela ressaltou que muitas ações previstas no aperfeiçoamento do sistema prisional envolvem ações em conjunto com o Poder Executivo e, para que possam ter êxito, é preciso ação conjunta dos poderes. Na terça, a comitiva também esteve em reuniões com integrantes da Defensoria, da Advocacia e da Promotoria do Ceará.
No encontro com o governador do Ceará, Camilo Santana, a comitiva listou pontos relativos à administração prisional que precisam de uma atenção especial, tanto dos funcionários da Justiça quanto da administração estadual: transferência de presos, inspeções dos presídios e o combate à tortura. Além disso, é preciso apuração do número de mortes de presos sem causa conhecida e de denúncias de tortura. “Precisamos que o Executivo colabore, uma vez que há obrigações do Estado brasileiro que precisam ser cumpridas em relação ao cumprimento da pena de forma digna pelo condenado, pessoas que estão sob a custódia do Estado”, afirmou Maria Thereza. “Se tivermos êxito nesse projeto, os presos cumprirão suas penas de forma digna, sem tortura, sem violação dos direitos humanos, e o Brasil cumprirá os acordos assinados internacionalmente.”
O governador do Ceará se comprometeu em colaborar com as ações propostas e a apurar qualquer denúncia de tortura no sistema prisional. “O que tiver de ser feito para melhorar, vamos fazer. Em relação aos presos provisórios, não é justo a pessoa ser presa e muitas vezes nem saber o porquê. Nós queremos garantir um sistema seguro, controlado e humano, que dê condições necessárias de direitos que o preso tem pela constituição”, afirmou.
Denúncia de torturas
O grupo do CNJ também escutou denúncias de mães e parentes dos presos, que detalharam condições insatisfatórias nos presídios cearenses, assim como expuseram casos de tortura, maus-tratos e tratamento cruel e degradante. O presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Ceará, deputado estadual Renato Roseno (PSOL), e representantes de instituições que lidam com a temática – como Pastoral Carcerária, Conselho Penitenciário Estadual, Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos, Comissão de Privados de Liberdade entre outros – participaram do encontro.
O coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF/CNJ), Luis Geraldo Sant’Ana Lanfredi, alertou para a necessidade de haver modificação das rotinas do sistema prisional e para a atenção ao cumprimento de tratados internacionais assinados pelo Brasil.
“Essa é uma ação a um só tempo profilática, pedagógica e corretiva porque atua sobre problemas que acontecem em todo o sistema carcerário brasileiro e que aqui no Ceará têm uma forma especial de se realizar. Esse quadro foi reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) como um “estado de coisas inconstitucionais”, de modo que transcende a territorialidade e a própria jurisdição. Diante de compromissos e tratados de direitos humanos assumidos pelo Estado brasileiro, o estado do Ceará, hoje, é Brasil e nessa perspectiva não só pode como deve dar o exemplo”, afirmou. Para ele, essa ação é uma oportunidade em alcançarmos eficiência no justiça e a qualificação do sistema prisional.
“Temos essa oportunidade de ouro para corrigir trajetórias, refazer trilhas históricas de omissões e desmandos em prol dos serviços de qualidade e de protocolos que garantam a presos e agentes penais condições mais dignas intramuros. Nosso objetivo com essa atuação conjunta visa aperfeiçoar o sistema prisional para que haja uma uniformidade de procedimentos que reproduzam modelos legais compatíveis com o respeito e a elevação do padrão de dignidade do preso no cárcere”, reforçou o juiz auxiliar da presidência do CNJ.
Compromissos internacionais
No TJCE, a tônica foi o reconhecimento de que, por trás dos números e dos processos, há alguém encarcerado. “Um preso que precisa ser cuidado do ponto de vista estatal, que precisa cumprir sua pena com dignidade, daí a importância das denúncias de ações que rompem com tratados assinados pelo Brasil. As regras internacionais e nacionais exigem que, mesmo encarceradas, as pessoas cumpram suas penas de maneira digna e que seja preservada a sua vida e sua integridade física e moral. Estamos à disposição e o CNJ tem todo o interesse que esse projeto tenha um grande êxito”, afirmou a ministra Maria Thereza de Assis Moura.
A ministra ponderou que cada estado tem suas particularidades, mas há uma problemática que envolve todo o sistema penitenciário. “Saber que esse grande projeto já está caminhando com mais de 30% das ações já em execução, além de outras em andamento, é muito importante” observou. Entre as ações previstas, estão um censo prisional para verificação de documentação básica e a inclusão das pessoas que não possuam documentos de identificação no fluxo de identificação civil previsto no Programa Fazendo Justiça, iniciativa desenvolvida pelo CNJ em parceria com o Departamento Penitenciário Nacional, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento e o Tribunal Superior Eleitoral.
A presidente do TJCE, desembargadora Maria Nailde Pinheiro Nogueira, que acompanhou toda a agenda da comitiva nesse primeiro dia de trabalho, afirmou que a Justiça do estado está comprometida com esse trabalho. “Temos convicção da importância desse grande desafio que é aprimorar o sistema prisional e que tem como objetivo oferecer uma melhor prestação jurisdicional e de serviços para os cidadãos”, disse a desembargadora. Ela adiantou na reunião que o Legislativo aprovou a colocação de recursos em investimento tecnológico para modernização do Poder Judiciário daquele estado.
Regina Bandeira
Agência CNJ de Notícias