Comitês estaduais reforçam combate à Covid-19 em unidades de privação de liberdade

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Reunião do comitê de prevenção à Covid-19 do Paraná. FOTO: Divulgação
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A necessidade de conectar atores-chave para monitorar, prevenir e mitigar os impactos da Covid-19 em estabelecimentos prisionais e do sistema socioeducativo vem mobilizando tribunais do país desde que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou a Recomendação 62 em março de 2020. Entre outras medidas, a norma induziu a criação de comitês interinstitucionais de acompanhamento, com diretrizes atualizadas e complementadas pela Recomendação CNJ nº 91, de março de 2021.

O foco está na fiscalização das medidas adotadas pelo Poder Público para a proteção de direitos fundamentais de pessoas privadas de liberdade e no monitoramento da situação, a fim de subsidiar uma atuação articulada com base em evidências. Desde 2020, tribunais de 22 estados têm informado ao CNJ as atividades realizadas por seus comitês de acompanhamento, que subsidiam a publicação de boletins quinzenais com informações sobre casos e óbitos (inclusive de servidores), medidas de prevenção adotadas, dados sobre destinação de recursos e quanto à testagem e aplicação de vacinas.

Leia mais: CNJ emite nova recomendação de enfrentamento à Covid-19 em prisões e no socioeducativo

De acordo com a Recomendação 91/2021, os Grupos de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário (GMFs) e as Coordenadorias da Infância e Juventude dos tribunais devem continuar e reforçar os trabalhos dos comitês. Os colegiados devem ter a participação de representantes do Ministério Público, da Defensoria Pública, da Ordem dos Advogados do Brasil e de Mecanismos Estaduais de Prevenção à Tortura, além de representantes da Secretaria de Saúde, dos Conselhos e dos serviços públicos pertinentes, bem como dos Conselhos da Comunidade e das associações de familiares de pessoas presas ou adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas.

“Assim como ocorreu em todo o país, com o agravamento da pandemia que demandou ações coordenadas e reforçadas de diferentes atores institucionais, o mesmo deve ocorrer nos sistemas de privação de liberdade, porque é dever do Estado garantir a segurança das pessoas que estão sob sua custódia, assim como dos servidores. O CNJ segue apoiando os tribunais de Justiça nessa missão”, destaca o conselheiro supervisor do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF/CNJ), Mário Guerreiro.

O fomento e o acompanhamento técnico das atividades dos comitês têm o suporte do programa Fazendo Justiça, parceria do CNJ com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e apoio do Ministério da Justiça e Segurança Pública para a superação de desafios estruturais nos sistemas de privação de liberdade.

Acesse aqui as normativas e orientações técnicas sobre o tema publicadas pelo CNJ

Ações articuladas e transparência

A Recomendação CNJ nº 91/2021 aponta atribuições dos comitês na fiscalização das medidas adotadas pelo Poder Público no enfrentamento à Covid-19 em espaços de privação de liberdade e a realização de reuniões regulares e canais de comunicação institucionais para o diálogo com a população. A medida tem contribuído para dar maior transparência quanto à situação dentro dos presídios, especialmente diante da interrupção de visitas. Além da coleta de dados, são articuladas atividades intramuros e a realização de visitas virtuais.

“O comitê consegue monitorar o que acontece dentro do sistema penitenciário, dando respaldo ao Poder Executivo em áreas como segurança e saúde para agir de maneira condensada e com maior legitimidade, fornecendo, inclusive, canais de comunicação com a sociedade civil”, explica o supervisor do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e das Medidas Socioeducativas do Tribunal de Justiça do Paraná (GMF/PR), desembargador Ruy Mugiatti. Segundo ele, a ação resultou inclusive na criação de subgrupos sobre temas específicos, como pessoas inimputáveis.

O magistrado destaca o diálogo interinstitucional como um dos principais avanços do colegiado que se reúne quinzenalmente. “Vieram para o comitê órgãos com interface com a comunidade, proporcionando maior discussão sobre as medidas adotadas. Hoje, as soluções são mais realistas e com maior capacidade de aceitação, tanto por parte da população carcerária quanto de familiares”.

A percepção é compartilhada pela presidente da Federação dos Conselhos da Comunidade do Estado do Paraná, Maria Helena Orreda, especialmente no contexto das inspeções. “O objetivo é encontrar soluções para os problemas elencados, repassar informações atualizadas e verificar procedimentos, denúncias, pedidos de ampliação de testagem, verificação das notificações do número de presos e agentes penitenciários infectados, número de recuperados, inclusive discutindo os óbitos ocorridos no sistema”.

No Ceará, o trabalho interinstitucional também tem sido estratégia adotada pelo Tribunal de Justiça para lidar com os desafios da Covid-19. O supervisor do GMF do TJCE, desembargador Henrique Jorge Holanda Silveira, aponta que a atuação diligente do comitê minimizou os efeitos da doença no sistema prisional. “O comitê é um espaço plural de diálogo com representantes do poder público e da sociedade civil organizada, objetivando construir soluções emergenciais para o enfrentamento da pandemia”, ressalta.

Entre os órgãos que compõem o colegiado, está a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa. “Participamos fazendo sugestões de políticas públicas aos gestores e encaminhando reclamações e denúncias recebidas da sociedade civil e de instituições que atuam com o sistema prisional e socioeducativo”, explica o presidente da comissão, o deputado estadual Renato Roseno.

Aprimoramento de fluxos e cidadania

Com a alteração de fluxos de audiências de custódia em razão da pandemia, os comitês também tiveram papel essencial no estabelecimento de novas rotinas e na análise de Autos de Prisão em Flagrante (APF) – plataforma desenvolvida pelo CNJ no período em que as audiências ficaram suspensas. No Ceará e no Mato Grosso do Sul, foram criados protocolos de atuação para retomada das audiências de custódia presenciais e na análise dos laudos do Instituto Médico Legal para os APFs.

Há também ações empreendidas pelos comitês para a retomada de assistências nos locais de privação de liberdade. No Amazonas, por exemplo, pessoas privadas de liberdade receberam bolsas integrais para ensino superior com aulas em ambiente controlado para evitar a propagação do coronavírus, numa iniciativa que integra a parceria entre CNJ, Fundação Pitágoras e Cogna Educação. O projeto também já está em funcionamento no Paraná e no Maranhão.

A retomada de atividades educativas também tem sido estimulada pelos comitês no sistema socioeducativo. No Pará, houve oferta de cursos virtuais de profissionalização depois que as atividades foram suspensas em razão do agravamento da pandemia. A iniciativa foi resultado de mobilização conduzida pelo comitê local, que conta com a participação de Tribunal de Justiça do Pará (TJPA), Fundação de Atendimento Socioeducativo, secretarias estaduais de Saúde, Educação e segurança pública, Conselho Estadual da Infância e Juventude, Ministério Público e Defensoria Pública, entre outros órgãos.

“O trabalho fragmentado não tem como enfrentar o desafio gigantesco que o Brasil possui relacionado aos adolescentes em conflito com a lei. O aspecto da pandemia, com instrumental jurídico, técnico e procedimental, nos mostrou claramente o quanto precisamos avançar para a articulação e o fortalecimento das instituições, mas alinhadas em rede”, avalia o juiz da Coordenadoria Estadual da Infância e Juventude do TJPA Vanderley de Oliveira Silva.

Já a Bahia traz o exemplo do esforço concentrado realizado por muitos estados para a revisão de processos de adolescentes que se encontram no sistema socioeducativo. O comitê interinstitucional local acompanhou todo o processo, com redução pela metade no número de adolescentes internados. O comitê também acompanhou a construção de protocolos para a retomada de visitas, para inspeções nas unidades e nas articulações com municípios para construção de rede de assistência para adolescentes diagnosticados com Covid-19, por meio dos Conselhos Tutelares.

“O estabelecimento do comitê foi uma ideia luminosa, pois é de importância ímpar para os adolescentes que estão cumprindo medidas socioeducativas – uma situação de passagem”, destaca o coordenador da infância e juventude do Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA), desembargador Emílio Salomão Pinto Resedá. “O meio socioeducativo obtém de todos os membros do comitê informações importantes que fortalecem ações. Não são individualizadas, são coletivas, cada um trazendo experiências que venham a fortalecer”.

A coordenadora da infância e juventude da Defensoria Pública da Bahia, Gisele Aguiar Ribeiro Pereira Argolo, aponta que a revisão de processos dos adolescentes internados foi feita por meio de mutirão, que reuniu mais de 20 profissionais. “O diálogo com Tribunal de Justiça e Ministério Público foram de extrema importância neste processo, inclusive nos protocolos de liberação dos adolescentes”. Segundo a representante da Defensoria, o comitê fortaleceu a atuação de cada ator do sistema, com construção de protocolos e costura e união para atuação conjunta. “Suas ações deveriam ser perenes, mesmo fora da pandemia”.

Confira aqui os boletins de monitoramento publicados pelo CNJ

Iuri Tôrres
Agência CNJ de Notícias