Combate ao crime nas ruas passa por melhorias no sistema carcerário, concluem CNJ e outras instituições

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O combate à criminalidade nas cidades brasileiras deve passar, obrigatoriamente, pela melhoria das condições do sistema carcerário, hoje superlotado, violento e incapaz de prevenir que os detentos, ao alcançarem a liberdade, voltem a cometer crimes. Essa foi a principal discussão no workshop do Programa Segurança sem Violência, que terminou nesta quinta-feira (13/2), em Brasília/DF.

O programa, lançado no último dia 5, busca desenvolver projetos integrados e articular políticas nacionais para a promoção de melhorias no sistema prisional brasileiro. Dele participam representantes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), do Ministério da Justiça (MJ), da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e do Conselho Nacional de Defensores Públicos Gerais (Condege). O grupo tem prazo de 30 dias para apresentar um plano de ação.
 
Um dos participantes do workshop foi o juiz auxiliar da Presidência do CNJ Douglas de Melo Martins, coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF). Segundo ele, as autoridades e a sociedade precisam se conscientizar de que o sistema prisional, com sucessivas violações aos direitos humanos, é uma “fábrica de criminosos” e se configura em grave ameaça à segurança pública.
 
“A maneira como nós tratamos o sistema prisional no Brasil contribui para a elevação da criminalidade. Nós produzimos no sistema prisional uma violência que se reproduz dentro do próprio sistema e, cada vez mais, chega à sociedade. Então, contribuir para que o sistema prisional seja mais humano é essencial para que tenhamos uma sociedade mais segura e sem violência”, afirmou o juiz do CNJ.

O magistrado participou do evento ao lado do conselheiro do CNJ Guilherme Calmon, supervisor do DMF, e do juiz auxiliar da Presidência do Conselho Luiz Carlos Rezende e Santos, do mesmo departamento. Para Douglas Martins, responsável pela coordenação nacional dos mutirões carcerários, a sociedade precisa participar do esforço por melhorias no tratamento dispensado aos detentos.

“Talvez o esforço para que a sociedade compreenda que não vamos alcançar segurança pública produzindo violência e violação aos direitos humanos no sistema prisional seja um dos maiores desafios que temos. Ou seja, o desafio de levar e ampliar o debate que ocorre aqui (no workshop) para a sociedade, para que, inclusive, se compreenda melhor a importância da participação dela no processo de reinserção social dos presos”, afirmou o magistrado, referindo-se, entre outros fatores, à necessidade de oportunidades de estudo, capacitação profissional e trabalho para os detentos, dentro e fora dos presídios.

O coordenador do DMF também alertou as administrações do sistema carcerário nos estados e no Distrito Federal para que previnam e combatam atos de violência praticados contra os presos por agentes públicos. Segundo o juiz do CNJ, a violência nas prisões fortalece as facções criminosas e reverbera nas ruas de todo o País.

“Você não imagina o efeito que tem, no sistema prisional, uma pessoa chegar e disparar tiros em direção a presos nus, de costas e desarmados. O efeito que isso causa para fortalecer as facções do crime organizado na unidade prisional. Isso une as facções, fortalece as facções. Se não dermos um tratamento adequado a essas situações, de garantir que não ocorra impunidade para esses casos, esse tiro não destrói apenas aquela pessoa que foi atingida covardemente, mas ele destrói todo o esforço que se faz”, disse Douglas Martins.“De nada adiantará qualquer investimento no sistema se nós não conseguirmos garantir que essas violações aos direitos humanos sejam enfrentadas, contidas e punidas. Não adianta prender tanta gente porque a violência vai aumentar se o estado fomentar essa violência”.

Outros temas – A estruturação da defensoria pública no país e a criação de mais penitenciárias nos moldes das APAC (Associação de Proteção e Assistência aos Condenados) foram outros temas debatidos no 1º workshop elaborado pelo Programa Segurança sem Violência.
 
O vice-presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Gilson Dipp, ponderou que  transformar os mutirões carcerários em política pública não resolve a situação.  “Na hora em que reconhecermos que mutirão é a solução, estaremos reconhecendo a falência do sistema”, afirmou Dipp.

Para o supervisor do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário (DMF), órgão do CNJ responsável pela coordenação dos mutirões carcerários no país, Guilherme Calmon, os mutirões não serão necessários quando o país já estiver vivenciando uma situação de normalidade e estabilidade em relação ao sistema prisional. “Por enquanto, no atual momento, com esses problemas graves que hoje o sistema apresenta, não há como desprezá-los. Pelo contrário, eles são mais do que bem-vindos”, afirmou.  
 
As questões colocadas pelos especialistas e a viabilidade de mudança levantadas nesses dois dias ainda serão avaliadas pelos órgãos que fazem parte do Programa.  Dentro de 30 dias, os temas considerados prioritários e que obtiverem consenso serão compilados e incluídos em uma lista de sugestões para serem apreciadas pelo  Executivo, Legislativo e Judiciário. Até lá, outras reuniões deverão ocorrer para avaliar as medidas sugeridas de combate aos velhos problemas, como a corrupção nas unidades prisionais, a entrada de drogas e armas nas cadeias, a situação de vulnerabilidade do preso estrangeiro e o aperfeiçoamento do Fundo Penitenciário.

“ Atualmente, o fundo está orçado em R$ 500 milhões por ano; dinheiro que deveria servir para o melhoramento do Sistema Carcerário, mas que sistematicamente não tem saído dos cofres públicos por incapacidade de adequação de projetos (de responsabilidade do Executivo dos estados) aos parâmetros obrigatórios fixados pelo Departamento Penitenciário para sua utilização”, explicou Calmon.   
 
Outro ponto que deve merecer atenção especial diz respeito à prisão de mulheres que tentam entrar com drogas nos presídios masculinos  por exigência de traficantes que ameaçam de morte os companheiros delas.  Na avaliação do representante do CNJ  é preciso pensar em conjunto com o Ministério da Justiça como lidar com essa questão. “Está muito claro que o Judiciário precisa agir de maneira diferente. É preciso sensibilidade. No caso das mulheres, é preciso dar tratamento diferenciado para que não sejam cometidas mais injustiças”.

Jorge Vasconcellos e Regina Bandeira
Agência CNJ de Notícias