Combate ao assédio e à discriminação no Judiciário é essencial para efetividade da Justiça

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Seminário de Combate ao Assédio e à Discriminação no Poder Judiciário. Foto: G.Dettmar/CNJ
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“Como instituição responsável pela pactuação social, é fundamental que haja compromisso do Judiciário de garantia de bem-estar e de dignidade de seus atores internos. É em razão do trabalho diários desses milhares de homens e mulheres que conseguimos entregar a tutela jurisdicional almejada. Um ambiente de trabalho saudável e seguro que valoriza seus profissionais constitui ferramenta essencial para sua efetividade”, afirmou a então conselheira Tânia Regina Silva Reckziegel na abertura do seminário “Combate ao assédio e à discriminação no Poder Judiciário”, evento realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) na quarta-feira (16/2).

A ex-conselheira fez um histórico da atuação do CNJ no combate ao assédio moral, ao assédio sexual e à discriminação na Justiça brasileira. O tema se tornou política nacional judiciária em outubro de 2020, com a edição da Resolução CNJ n. 351. Em dezembro do mesmo ano, a norma começou a ser efetivada com a instituição de um comitê nacional para estudar o tema no contexto dos tribunais, além de fiscalizar a adoção da política nacional, contribuir para o seu aperfeiçoamento e acionar a direção dos órgãos do Judiciário, sempre que necessário.

De acordo com Tânia Reckziegel, primeira coordenadora do Comitê Nacional, a cartilha lançada em setembro de 2021 se dedicou a oferecer apoio institucional para prevenir e reduzir o suicídio, um risco para quem sofre assédio e discriminação, além de propor mecanismos para construção de um bom ambiente de trabalho. Em janeiro de 2022, o CNJ instituiu a sua própria comissão de prevenção e enfrentamento aos problemas dentro do próprio Conselho. “É importante pontuar que não falar do problema não o faz desaparecer. A omissão é uma atuação negativa e pode ensejar consequências irreversíveis.”

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O presidente do Tribunal Regional Eleitoral de Goiás (TRE-GO), desembargador Leandro Crispim, explicou que o seu tribunal foi o primeiro a incorporar em sua estrutura administrativa uma Ouvidoria da Mulher – o CNJ criou em fevereiro deste ano a Ouvidora Nacional da Mulher, comandada por Tânia Reckziegel. A experiência da Justiça Eleitoral goiana resultou em melhorias do ambiente organizacional e no combate a práticas que ferem direitos essenciais à existência humana, como liberdade, intimidade e igualdade de tratamento. “Cabe a nós, no papel de gestores dos tribunais, garantir uma cultura institucional com diversidade e tolerância entre os colaboradores, o que propicia um lugar com pessoas motivadas e alinhadas com a visão institucional.”

Origens

O ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Reynaldo da Fonseca afirmou que a prática do assédio e da discriminação tem relação com as dificuldades da sociedade em reconhecer a alteridade, a figura do outro. De acordo com ele, a superação do problema, no contexto das relações de trabalho, é decisiva para o exercício da democracia e o engajamento do CNJ na causa mostra como o Judiciário se aproxima ao que acontece da sociedade.

Ele citou o aumento do número de processos de feminicídio e dos pedidos de medidas protetivas de urgência em função da violência doméstica, registrado pelas estatísticas do Conselho. “Nessa conjuntura, não podemos fazer uma análise o assédio e a discriminação no Poder Judiciário sem nos contextualizarmo-nos dentro da sociedade. Daí porque o tema de hoje está imbrincado com a atuação das ouvidorias do Poder Judiciário e do Sistema de Justiça.”

O juiz do Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) Rodrigo Foureaux situou as origens históricas do assédio na Grécia antiga, com a abordagem machista de Aristóteles em relação às mulheres. Hoje, o assédio abrange também grupos sociais mais vulneráveis, como das pessoas com deficiência, de acordo com o magistrado. A prática danosa pode gerar prejuízos para o indivíduo assim como para a administração, além de danos para a imagem do Judiciário e risco de judicialização das causas nos planos penal e cível. “É importante que as pessoas do Poder Judiciário sejam treinadas para saberem liderar e lidar com servidores de uma forma que se preserve o serviço sem que haja assédio.”

Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT4), Alexandre Cruz afirmou que a hierarquia funcional, intrínseca à estrutura administrativa da Justiça, não pode se confundir com hierarquia pessoal. “É comum essa confusão, que leva inevitavelmente ao assédio. Muitas vezes, são reproduzidas no Poder Judiciário situações estruturais da sociedade, que muitos chamam de assédio discriminatório ou situações de vulnerabilidade, patriarcalismo, racismo, homofobia, transfobia, LGBTQIA+fobia, aporofobia (contra pobres), etarismo (contra os mais velhos), capacitismo (contra pessoas com deficiência), gordofobia, enfim. Não podemos fechar os olhos diante desse fenômeno.”

A juíza do Superior Tribunal Militar (STM) Maria Aquino destacou o desconforto que a discussão do assédio e da discriminação causa no ambiente do Judiciário. “É difícil lidar com esses temas dentro da nossa própria causa, mas é importante discutir prevenção e combate, como estão sendo tratados na Resolução CNJ n. 351. Os reflexos do assédio geram na vida da pessoa, problemas psicológicos, de saúde, mas também gestão de pessoas, como a quebra da qualidade do serviço.”

Ouvidorias

“As ouvidorias constituem um central de interlocução com os cidadãos, servidores e sociedade em geral e não se caracterizam como instâncias apurativas ou órgãos correcionais mas, sim, como uma porta qualificada. E o registro das denúncias junto as ouvidorias poderá subsidiar o tratamento e prevenção de situações dessa natureza (assédio e discriminação) ou mesmo uma possível instalação de processo administrativo disciplinar”, explicou a ex-conselheira Tânia Reckziegel.

Casos de assédio, de discriminação e o aumento expressivo da violência contra mulheres foram expostos pela promotora de Justiça do Ministério Público de São Paulo Gabriela Manssur. Essa escalada levou o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) a criar, em 2020, a Ouvidoria das Mulheres em pedido apresentado por ela, que é também fundadora do Instituto Justiça de Saia e criadora do “Justiceiras”, canal de denúncias com o terceiro setor.

Segunda Gabriela Manssur, até o momento a Ouvidoria das Mulheres recebeu 1,9 mil queixas de todos os tipos de violência. “Nosso papel é muito importante no recebimento dessas denúncias e há muito tempo venho percebendo a falta de um espaço adequado para isso porque as denúncias acabavam se perdendo porque não tínhamos um acolhimento específico, uma equipe capacitada para fazer os encaminhamentos necessários e na pandemia percebi a necessidade de criação de um canal para o recebimento desses casos.”

Para promotora, a Ouvidoria das Mulheres do CNMP e a recente Ouvidoria Nacional da Mulher criada pelo CNJ mostram o comprometimento das instituições do Sistema de Justiça na prevenção e combate à violência contra as mulheres.

Revitalizar a cidadania

Em outra ponta de atuação no combate ao assédio e discriminação, o ministro Moura Ribeiro, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), parabenizou o presidente do CNJ, ministro Luiz Fux, pela criação da Ouvidoria Nacional das Mulheres. “É uma boa hora e pelas mãos seguras da conselheira Tânia Reckziegel”, destacou. Moura Ribeiro avaliou que as ouvidorias têm o importante papel de revitalizar a cidadania. “E a cidadania entendida por todos nós como conquista do direito de participar da vida pública com a ideia de se trazer o melhor para a sociedade.”

O posicionamento das ouvidorias da Justiça diante dos graves casos de assédio e discriminação e do aumento das agressões contra mulheres foi o ponto abordado pelo juiz do TRE-GO Márcio Morais. “O que a ouvidora tem a fazer é saber ouvir, saber escutar e saber se posicionar, explicar e tratar as situações com o carinho e a necessidade que são trazidas não aos pés do Judiciário, mas efetivamente às mãos do Judiciário porque o que as pessoas buscam ao acionar as ouvidorias é uma escuta ativa.”

Ao informar que, em muitas situações, esses casos são levados às ouvidorias e também às corregedorias de Justiça quando estão em níveis insustentáveis, o juiz defendeu que é necessário agir para evitar que isso se perpetue. Os eixos dessa política devem, conforme explicou, se basear na identificação do problema, formulação de agenda, tomada de decisão, implementação de medidas e avaliação e monitoramento dos casos.

Luciana Otoni e Manuel Carlos Montenegro
Agência CNJ de Notícias

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16/02/2022 Seminário de Combate ao Assédio e à Discriminação no Poder Judiciário

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