A Ação de Identificação Civil e Documentação de Pessoas Presas completou seu ciclo de nacionalização na última semana com a chegada a São Paulo, estado que reúne um terço da população prisional do país. A solenidade no Palácio dos Bandeirantes teve a participação da presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Rosa Weber, além de diversas autoridades, entre elas o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Alexandre de Moraes – a corte eleitoral é uma importante parceira na execução do projeto.
“Concluir a implementação dessa ação nas 27 unidades da federação é acreditar que podemos, sim, reverter o desconfortável estado de coisas inconstitucional”, pontuou a ministra durante o evento. A partir da mobilização de mais de 150 parceiros iniciada em 2019, a ação consiste na construção de fluxos permanentes para garantir que pessoas privadas de liberdade sejam identificadas e tenham seus documentos em dia.
O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, afirmou durante a solenidade que o acesso à documentação é fundamental para que janelas de oportunidade sejam abertas às pessoas que deixam o cárcere. “Para que possamos dar esperança e acesso a benefícios, para restabelecimento da cidadania, para que possam ter um recomeço”. Até o momento a ação já resultou em mais de 30 mil pessoas identificadas ou incluídas na base de dados de identificação civil do TSE e mais de 10,3 mil documentos localizados ou emitidos, a exemplo de RG, CPF, título de eleitor e registro nacional migratório.
A ação tornou-se possível a partir de acordo firmado entre o CNJ e o Ministério da Justiça e Segurança Pública ainda em 2018, com aporte de recursos para essa finalidade. Dessa forma, a identificação civil e a documentação de pessoas que tiveram contato com o cárcere passaram a integrar o portfólio de 29 ações do programa Fazendo Justiça, coordenado pelo CNJ em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento para acelerar transformações no contexto de privação de liberdade. Nesta ação específica, além do TSE, há apoio da Associação dos Registradores de Pessoas Naturais.
Histórico
Em 2017, dados do Executivo Federal coletados em 14 estados indicavam que oito entre dez pessoas privadas de liberdade não dispunham de documentos em seus prontuários. Além disso, diferentes ações de atenção a pessoas egressas apontavam que a ausência de documentos era considerada um dos principais entraves para a retomada da vida em liberdade, uma vez que resultava em uma série de limitações de acesso a serviços e a garantias previstas em lei.
De forma a nacionalizar fluxos de identificação e emissão de documentos a esse público, garantindo ainda a sustentabilidade da iniciativa, o CNJ passou a atuar por meio do programa Fazendo Justiça para criar fluxos permanentes na porta de entrada e também para pessoas que já estão em unidades prisionais. Para o coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas do CNJ, Luís Lanfredi, a falta de acesso a documentos impacta diretamente a restauração social, o que torna essa medida estruturante. “Quando uma pessoa deixa o cárcere, ela tem a expectativa de voltar a sociedade, mas não vai fazê-lo se não tiver condições. E o acesso à documentação é um pressuposto para que essa pessoa possa se constituir como um cidadão de verdade”.
A Ação vem sendo implementada em etapas, incluindo a integração de bancos de dados biométricos dos estados à Base de Dados da Identificação Civil Nacional (BDCIN), mantida pelo TSE. A articulação com atores-chave para organização do fluxo de emissão também faz parte do processo, assim como a distribuição de mais de 5 mil kits biométricos para todo o país. “O intuito é garantir a identificação de todos os brasileiros e facilitar o processo de emissão da documentação civil básica, garantindo que os dados da base nacional sejam únicos”, explica o assessor-chefe de Gestão de Identificação do TSE, Iuri Camargo Kisovec.
Leia o folder explicativo da Ação Nacional de Identificação e Documentação Civil
Antes do lançamento oficial da ação em cada unidade da federação, equipes técnicas do CNJ e do TSE apoiam a instalação e realização de testes dos equipamentos. Nesse momento, ocorrem os treinamentos das pessoas envolvidas com a coleta dos dados e a identificação civil. Para apoiar o dia a dia das equipes, três manuais com detalhes para instalação e configuração do kit biométrico, bem como o passo a passo para realização das ações de identificação civil na porta de entrada e no passivo foram publicados e estão disponíveis para acesso no portal do CNJ.
Acesse os materiais produzidos para a ação:
Manual de Identificação Civil e Coleta Biométrica
Manual de Identificação Civil e Coleta Biométrica nas Unidades Prisionais
Manual de instalação e configuração do software para coleta de biometrias
Em São Paulo, a fase de apresentação e de treinamentos começou ainda em junho, e incluiu atividades na capital e no interior mobilizando mais de 300 servidores e servidoras das nove Regiões Administrativas Judiciárias do TJSP e das cinco Coordenadorias de Unidades Prisionais da Secretaria da Administração Penitenciária do estado. “Aqui fechamos um ciclo virtuoso, por meio do qual nós mudamos o status das pessoas em privação de liberdade, oferecendo cidadania e viabilizando a efetiva individualização das penas”, resumiu o juiz auxiliar da presidência do CNJ, João Felipe Lopes.
Lançamentos anteriores
Antes de São Paulo, os últimos estados a receberem a iniciativa foram Espírito Santo, Paraná, Santa Catarina e Goiás. “O ser humano que, por qualquer razão, se encontra privado de sua liberdade, deve receber do Estado e das pessoas em geral o reconhecimento de que continua a ser um titular de dignidade humana”, disse o vice-presidente do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, desembargador Dair José Bregunce de Oliveira, durante solenidade de lançamento no Espírito Santo, em maio. O secretário de Justiça André Garcia pontuou o compromisso do estado com a temática. “Nós temos avançado na identificação civil e também na entrega de documentos fundamentais para o exercício da cidadania por parte dos nossos apenados”.
Durante o lançamento no Paraná, também em maio, o supervisor do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário do Tribunal de Justiça, desembargador Ruy Muggiati, disse que a ação tem o total apoio do Judiciário local. “É com esse viés que devemos olhar para o sistema carcerário, que visa a humanização do tratamento penal”. O secretário de Segurança Pública, Hudson Leôncio Teixeira, disse que a medida reforça a integração entre os poderes. “Trabalhamos ao lado do Poder Judiciário para construir um processo de execução penal cada vez mais justo. Essa medida é bem importante para nos apoiar nessa dinâmica da documentação”.
No lançamento em Goiás, em junho, o presidente do Tribunal de Justiça goiano, desembargador Carlos França, reafirmou o compromisso com a iniciativa. “É com satisfação que o TJGO participa desse ato tão importante, o Poder Judiciário goiano vai se empenhar ao máximo para que possamos concluir a identificação de todos aqueles que estão no sistema penitenciário”. O governador em exercício, Daniel Vilela, elogiou o trabalho conjunto do Poder Judiciário e colocou Executivo estadual à disposição para contribuir com a ação e viabilizar, por meio dos seus órgãos, a execução da política pública de identificação de pessoas.. “O Poder Executivo se empenhará ao máximo, pelos seus diversos órgãos, no atendimento dessa política pública”.
Durante o lançamento em Santa Catarina, o presidente do TJSC, desembargador João Henrique Blasi, ressaltou que “o programa é fundamental para o exercício da cidadania porque garante acesso a políticas públicas de trabalho, saúde e educação. Tenho certeza de que o Estado conseguirá atingir a totalidade na captura das biometrias”. O procurador-geral do Estado, Márcio Fogaça Vicari, anunciou que o governo catarinense está colocando à disposição da iniciativa tanto a estrutura da SAP como a da Polícia Científica, que realiza a identificação civil. “Essa mobilização representa um avanço não apenas na segurança jurídica como também na reinclusão de pessoas que estão penalizadas, mas que naturalmente têm o direito de se reinserir na sociedade”.
Próximos passos
Finalizada a implementação da Ação em todo o território nacional, entra em curso a segunda etapa do projeto para a sustentabilidade das atividades. O CNJ está disponibilizando equipe dedicada ao atendimento aos usuários para suporte técnico e também realiza monitoramento e avaliação junto aos parceiros para garantir informações consolidadas e a padronização dos procedimentos de forma permanente.
Além disso, seis ciclos de capacitação, previstos até agosto de 2024, oferecerão treinamentos teóricos e práticos a servidores do Poder Executivo e do Poder Judiciário para ativar a operacionalização efetiva em todos os estados. “Essas frentes de trabalho mobilizarão instituições de vários âmbitos, em nível nacional e estadual, a fortalecer as iniciativas já existentes, buscando fomentar, impulsionar e institucionalizar atividades de regularização documental, mas fazendo isso de modo inovador, por meio da autenticação cadastral conferida a partir da coleta biométrica”, explica a coordenadora do Núcleo de Identificação e Documentação do Fazendo Justiça, Virgínia Popiel.
Texto: Renata Assumpção e Leonam Bernardo, com informações do TJES, TJGO, TJPR, AENPR, e TJSC
Edição: Nataly Costa e Débora Zampier
Agência CNJ de Notícias