Com regras para custas, CNJ pretende inibir uso abusivo da Justiça

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Seminário organizado pela EMERJ debateu o anteprojeto das custas judiciais. Foto: Luiz Silveira/CNJ
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O impacto econômico da proposta do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para regulamentar as custas judiciais no país foi a tônica das participações de magistrados e especialistas reunidos nesta terça-feira (30/9) em seminário digital organizado pela Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ). O anteprojeto de lei foi submetido no início do mês ao Congresso Nacional após ser redigido por um grupo de trabalho criado pelo CNJ para estabelecer regras nacionais para os valores cobrados para se recorrer à Justiça. As regras estaduais para as custas judiciais deixam brechas para abusos do direito de acesso à Justiça, que têm por objetivo lucrar sobre a espera até a decisão final.

O economista e professor do Instituto Insper Paulo Furquim de Azevedo apresentou uma pesquisa realizada sobre decisões de agências reguladoras que acabam sendo judicializadas. De todas as conclusões possíveis de um processo administrativo conduzido por agência regulatória, as multas são o tipo de decisão que as empresas mais levam aos tribunais. Uma vez transformadas em disputa judicial, as sanções se mostram o tipo de causa com maior probabilidade de desfecho adverso para as empresas. Mesmo assim, muitos departamentos jurídicos apostam em prolongar o litígio não apenas para evitar o pagamento da multa imposta, mas para obter ganho econômico com a demora da decisão judicial, de acordo com o professor.

“O que move as empresas é o tempo. Quanto mais postergada for a decisão final (originalmente imposta pela agência), maior o valor para essas pessoas. Tem uma lógica econômica. A multa é corrigida por uma taxa de juros, que é menor que o custo de capital para essas empresas, via de regra. Para elas, quanto maior o tempo, mais o valor da multa em termos reais se reduz. É economicamente interessante perder no Judiciário, desde que a causa se prolongue por um longo tempo”, afirmou.

Representante do CNJ no grupo de trabalho que estudou o tema, o conselheiro Henrique Ávila fez um retrospecto histórico das origens do desequilíbrio atual entre acesso à justiça e poder econômico. Desde os anos 1990, de acordo com Ávila, a legislação brasileira criou mais direitos para a sociedade – o Código de Defesa do Consumidor, por exemplo. Ao mesmo tempo, com o advento dos juizados especiais, da gratuidade da Justiça e da estruturação da Defensoria Pública, os brasileiros foram estimulados a fazer valer seus direitos no Poder Judiciário. Paralelamente, pessoas jurídicas de alto poder econômico começaram a sobrecarregar os tribunais com demandas “muitas vezes sem critério”, segundo o conselheiro, e principalmente com o prolongamento das ações.

Assim, grandes litigantes acabaram por desvirtuar o propósito original do direito de acesso à justiça. Com objetivo de corrigir as distorções, o anteprojeto de lei proposto pelo CNJ fixa limites econômicos mínimos para a judicialização com o objetivo de desincentivar o litígio excessivo. “(Acionar o Judiciário) não pode ser nada tão caro que prejudique o acesso, nem tão barato que financie todo e qualquer litígio. Afinal de contas, o orçamento é finito. Não vivemos em um país banhado em riquezas infindáveis, então precisamos tentar encontrar essa difícil equação política, esse meio-termo”, afirmou o conselheiro Ávila.

Super litigância

Ao comparar o volume de processos na justiça brasileira com a “litigiosidade média per capita” em países desenvolvidos, aferida em estudo da Universidade de Harvard (EUA), a professora do Instituto Insper Luciana Yeung traduziu em números a excessiva litigância no Brasil. Enquanto nos Estados Unidos, para cada 100 mil pessoas há 5.806 ações judiciais em tramitação, no Brasil o número é quase 10 vezes maior. Usando a edição 2017 do anuário estatístico do CNJ “Justiça em Números”, chega-se ao número de 52.530 processos para cada 100 mil brasileiros. Em nenhum dos outros países investigados pela pesquisa de Harvard, o índice de litigiosidade chega perto do brasileiro – Grã-Bretanha (3.681), França (2.416), Japão (1.768). A Alemanha, tida como país de alta litigiosidade, tem 12.320 ações a cada 100 mil habitantes.

“Tem algo estranho em relação à quantidade de litígios que há no Brasil. Que incentivos o sistema está colocando para se trazer a super litigância? Em outro estudo, o professor (da Pontifícia Unidade Católica de São Paulo – PUC-SP) Marcelo Guedes mapeou o endereço de autor ou réu das ações iniciadas em 2016 na cidade de São Paulo. As ações estão concentradas na região mais rica da cidade. Muito provavelmente o mesmo fenômeno se reproduz em outras cidades”, disse a economista.

De acordo com o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Villas Boas Cueva, que coordenou a elaboração da proposta de regulamentação das custas judiciais, a Constituição Federal já previa uma padronização que reduzisse paradoxos estabelecidos em determinadas unidades da Federação relativos à renda. “As preocupações centrais do anteprojeto de lei partem de um paradoxo interessante no Brasil: quanto menor o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do ente federativo, normalmente maiores são as custas judiciais. Além de tudo, elas têm um impacto muito regressivo. As camadas menos favorecidas da população acabam sendo prejudicadas por um sistema irracional e que não conta com os incentivos corretos a uma judicialização que não seja predatória ou oportunista”, afirmou o ministro.

Estudo encomendado pelo grupo de trabalho do CNJ identificou que, enquanto o valor máximo de custas na Justiça do Distrito Federal – unidade federativa com maior Índice de Desenvolvimento Humano do Município (IDH-M) (0,85) e um PIB per capita de R$ 2.460,00 – não passa de R$ 502,34, no Piauí, terceira unidade com menores IDH e renda per capita, as custas são mais caras. No estado nordestino, apesar do IDH (0,697) e renda per capita inferiores (R$ 817) – os terceiros menores registrados entre as unidades da Federação –, os valores de custas são superiores aos praticados na Justiça do DF. Uma causa de R$ 100 mil terá custas judiciais estimadas em R$ 7,5 mil no Tribunal de Justiça do Piauí (TJPI).

O anteprojeto de lei segue em análise na Câmara dos Deputados. De acordo com o ministro Cueva, o texto pode ser alterado para facilitar a sua aprovação. Para isso, os dispositivos relacionados às regras constitucionais de limites de gastos podem ser retirados da versão final. “Em conversa com integrantes do nosso grupo de trabalho e parlamentares, avaliamos que é possível manter apenas a parte do texto que disciplina as custas, o eixo predominante do projeto, e deixar regras ligadas a despesas e limites para uma discussão em uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC)”, disse o ministro.

 

Manuel Carlos Montenegro
Agência CNJ de Notícias