Com PB e CE à frente, CNJ impulsiona identificação civil de 45% da população prisional

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Foto: Isabela Lanave / Fazendo Justiça
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Após chegar às 27 unidades da Federação, a Ação Nacional de Identificação Civil e Emissão de Documentos para as Pessoas Privadas de Liberdade, liderada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), já conseguiu identificar e cadastrar 297.259 pessoas presas na Base de Dados de Identificação Civil Nacional (BDICN), gerida pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O número corresponde a 45% de toda a população privada de liberdade no Brasil, que atualmente é de 650 mil pessoas, segundo dados do Executivo Federal.

Dois estados, Paraíba e Ceará, foram os primeiros a realizar o cadastro de identificação civil de 100% de sua população prisional. São seguidos por São Paulo, que já cadastrou 89% das pessoas privadas de liberdade; Bahia, com 84%; e Roraima, com 81%.

Nota: O número de cadastrados pode ser maior que a população carcerária presente no levantamento da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen) de dezembro de 2023 por: (1) crescimento nos 6 meses entre os dois levantamentos e (2) contabilização de pessoas já saíram do sistema prisional.

A iniciativa está no âmbito do programa Fazendo Justiça coordenado pelo CNJ em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), a Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen) e o apoio de mais de 150 organizações, incluindo TSE, Associação dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen – Brasil) e a Receita Federal do Brasil, entre outros. O objetivo da ação, além de garantir a individualização da pena e o aperfeiçoamento da gestão prisional, é disponibilizar informações validadas de identificação civil da pessoa custodiada para auxiliar o processo de emissão e regularização de documentos, caso exista essa pendência.

“Se queremos uma sociedade mais segura e inclusiva para todos e todas, precisamos oferecer às pessoas privadas de liberdade esse pressuposto da cidadania que é o direito a um documento. É o que vai franquear o acesso delas ao mercado de trabalho, aos estudos, às coisas mais básicas da vida em liberdade”, explica o juiz auxiliar da presidência do CNJ e coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF), Luís Lanfredi.

A universalização do acesso à documentação é passo fundamental na superação do estado de coisas inconstitucional das prisões brasileiras, conforme determinou o Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 347. Como resposta, o CNJ e a União estão construindo um plano de enfrentamento, chamado de Pena Justa, dividido em quatro grandes eixos de atuação e com propostas de ações mitigadoras e medidas específicas para cada problema. O acesso à documentação está inserido no Eixo 2 (Qualidade dos serviços prestados nas prisões e infraestrutura). Saiba mais sobre o plano clicando aqui.

Avanços e desafios

A Ação Nacional tem como objetivo a criação de procedimentos contínuos para garantir o acesso à documentação para todas as pessoas privadas de liberdade, com fluxos que vão desde a porta de entrada até a porta de saída do sistema prisional. “Construímos rotinas e capacitamos profissionais para garantir a identificação civil, via biometria, já na fase de audiência de custódia, e implementamos processos em todos os tribunais do país. Em paralelo, também temos o desafio de resolver a situação de coleta de identificação do passivo, ou seja, das pessoas que já estão presas sem a documentação regularizada”, explica o juiz auxiliar da presidência do CNJ com atuação no DMF, João Felipe Menezes Lopes, afirmando que o avanço da Ação Nacional já aponta para uma melhora nesse cenário.

Visando acelerar o processo de cadastro biométrico de toda população carcerária no país, a Senappen e o DMF/CNJ enviaram, no dia 25 de maio, um ofício para todas as secretarias estaduais responsáveis pela administração de penitenciárias, solicitando os cronogramas para o cadastro da toda a população carcerária. O prazo de resposta dos governos estaduais é 30 de julho.

Exemplo da Paraíba

No mês de abril, a Paraíba foi pioneira no cadastro da biometria de todas as pessoas privadas de liberdade no estado. O sistema prisional paraibano é composto por 60 unidades de regime fechado e oito de semiaberto, em que estão 11,2 mil pessoas privadas de liberdade.

O secretário estadual de Administração Penitenciária da Paraíba, João Alves, lista algumas ações foram essenciais para este marco. “Fomos o primeiro estado a implementar um plano específico para lidar com a questão, o Plano Estadual de Documentação Civil de Pessoas Privadas de Liberdade e Egressas do Sistema Prisional. O esforço coletivo dos parceiros, o investimento na qualificação dos servidores e a formação específica para a biometria, sempre contando com os gestores e gestoras das unidades, foram essenciais para chegarmos a esse resultado”, afirmou.

Uma dessas parcerias foi firmada com o Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba (TJPB), que forneceu dados relativos ao Registro Judiciário Individual (RJI) de pessoas com condenação criminal, facilitando o processo de cadastro de pessoas presas no sistema de identificação civil. O número do RJI é fundamental por ser o único que diferencia as pessoas privadas de liberdade das demais no sistema da BDICN.

“Esse arquivo inicial do TJPB foi muito importante, assim como a construção do fluxo de informação com os cartórios das varas de execução penal que emitem essa identificação. Também realizamos forças-tarefa com servidores para auxiliar o cadastro em unidades prisionais maiores”, detalhou a assistente social da unidade de Atendimento à Pessoa Custodiada (APEC) da Paraíba à frente da implementação da Ação Nacional no estado, Cizia Romeu.

Ação coordenada no Ceará

O segundo estado a completar o cadastro biométrico de toda a sua população carcerária foi o Ceará. Foram 23 meses entre o lançamento da Ação Nacional no estado e o marco do 100% do registro de pessoas privadas de liberdade.

O coordenador de Tecnologia da Informação e Comunicação da Secretaria de Administração Penitenciária e Ressocialização do Governo do Estado do Ceará (SAP-CE), Francisco Helder Moreira Xavier, conta que foram treinados 90 servidores para cadastrar as mais de 20 mil pessoas presas distribuídas em 30 unidades. “O nosso Sistema de Gerenciamento Penitenciário do Estado de Ceará tem um processo de identificação de internos que é semelhante ao do sistema da Identificação Civil Nacional, isso facilitou a capacitação e inclusão na rotina. Também deixa mais fácil a manutenção do registro biométrico de toda a população custodiada”, explicou.

Para o coordenador de TI da SAP-CE, “a identificação civil possibilita a correta individualização da pessoa, além facilitar a emissão de documentos, uma conquista para essas pessoas. É o que permite que elas consigam se profissionalizar e arranjar emprego ao sair da prisão”, defendeu.

Xavier também destaca que todo o processo de registro foi feito na nuvem, o que permite gerenciar e monitorar de forma remota a situação de cada unidade. “A troca com o programa Fazendo Justiça nos ajudou a melhorar a organização e a segurança da nossa base de dados de pessoas privadas de liberdade”, lembrou.

Interiorização na Bahia

Para coordenar processo de identificação civil em um estado de grandes dimensões como a Bahia, o diretor de Documentação da Secretaria de Administração Penitenciária e Ressocialização do Estado, Anderson Sampaio, fez uma imersão no sistema para entender seu funcionamento na prática. Além de participar dos treinamentos realizados pelo CNJ, integra as missões para cadastro biomédico em cidades do interior.

O sistema penitenciário baiano é formado por 25 unidades, além do Centro do Observação Penal em Salvador, responsável por exames e onde ficam alguns presos com mais de 60 anos de idade. Todas elas têm um setor de documentação responsável pela triagem, identificação e guarda dos documentos dos ingressantes. Mas, como acontece em muitos outros estados, cadastrar aqueles que já estavam na unidade antes do início da coleta de biometria é um desafio, e por isso Sampaio e sua equipe vão até as unidades realizar essa coleta.

“Já estamos agendando uma visita de uma semana para coletar o passivo da unidade em Ilhéus”, comentou. Em outros casos, a própria unidade consegue realizar o cadastro. “Em Feira de Santana temos uma unidade grande, com 1.800 presos, e a própria equipe de servidores está fazendo a coleta desse passivo”, conta, destacando ainda as formações dadas para policiais penais, que em algumas localidades passam a ser os responsáveis pelos departamentos de documentação.

Dez unidades já concluíram o cadastro de todos custodiados. Até junho deste ano, 84% das 12.600 pessoas privadas de liberdade no estado já estavam cadastradas na BDICN. O objetivo é chegar a 100% até o final de 2024.

Maior população carcerária

Com um terço da população carcerária nacional, São Paulo recebeu, em agosto de 2023, a cerimônia de encerramento das missões da Ação Nacional. O estado teve 333 servidores treinados presencialmente, sendo 188 multiplicadores e 145 da área de Tecnologia da Informação. Foram realizadas capacitações na capital e em nove cidades do interior, além de treinamentos on-line posteriores.

 

“O CNJ, por meio do Programa Fazendo Justiça, chegou para somar com as ações da Secretaria de Administração Penitenciária (SAP)”, disse a gestora de implementação da Ação Nacional São Paulo, Eliana Barros Sbragia de Souza. A SAP já realizava ações de emissão de documentos de pessoas privadas de liberdade, tendo firmado acordos com a Receita Federal para emissão e regularização de CPFs em 2013, com a Arpen-SP em 2016 para emissão de certidão de nascimento. “Desde 2010 empreendemos esforços nesse sentido, com a parceria com o Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo para execução do projeto do voto dos presos provisórios, repetidos a cada ano eleitoral”, explica Eliana.

Atualmente, 98,68% da população carcerária em São Paulo têm número de CPF, 71,92% têm documentos de RG e 60,18% possuem certidão de nascimento. Os esforços agora são para fazer a identificação civil com biometria na BDICN. As doações do CNJ permitiram que 183 unidades da SAP paulista estivessem equipadas para coleta biométrica, inclusive as de regime semiaberto, contando inclusive com kits reservados para unidades ainda em construção.

Segundo dados de junho deste ano, 89% das 200 mil pessoas presas já tiveram sua biometria coletada. A meta é concluir a coleta até o final de julho deste ano.

Prisões federais

O cadastro biométrico proposto pela Ação Nacional de Identificação Civil também tem avançado no sistema de presídios federais em que duas das cinco unidades já concluíram a coleta de todos os custodiados: Brasília e Mossoró.

Histórico da Ação Nacional de Identificação Civil

Publicada em novembro de 2019, a Resolução CNJ n. 306/2019 é um marco da Ação Nacional de Identificação Civil e Documentação de Pessoas Privadas de Liberdade. A iniciativa partiu do diagnóstico de 2017 realizado pelo Executivo federal em 14 estados, apontando que oito entre dez presos não dispunham de documentos em seus prontuários.

Uma das primeiras etapas da Ação Nacional foi a aquisição e distribuição de 5.400 kits para coleta biométrica, necessário para inclusão na Base de Dados da Identificação Civil Nacional (BDICN), mantida pelo TSE. O recurso foi obtido em um acordo firmado entre o CNJ e o Ministério da Justiça e Segurança Pública ainda em 2018.

Outra fase importante foi o desenvolvimento de softwares e integrações entre sistemas de informação para facilitar o cadastro e a busca por documentos.

Entre novembro de 2021 e agosto de 2023, o CNJ realizou missões em todas as unidades da federação. Durante uma semana, técnicos instalavam equipamentos, participavam de reuniões com instituições parceiras e realizavam treinamentos para que a identificação civil e a emissão de documentos pudessem iniciadas. Ao todo, 20.957 pessoas, entre servidores das justiças estaduais, federais e militar, das unidades penitenciárias federais e das administrações penitenciárias estaduais, passaram pelo treinamento de temas ligados à Ação Nacional, seja durante as missões nos territórios, treinamentos ou nos ciclos de capacitação posteriores.

Texto: Pedro Malavolta
Edição: Nataly Costa
Agência CNJ de Notícias