Com mais de 700 atendimentos, itinerância leva dignidade a moradores de São Félix do Xingu

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Atendimento ao público em São Félix do Xingú, no Pará, em ação da Justiça Itinerante. Foto: Luiz Silveira/Ag. CNJ.
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Em três dias de atendimentos, a Justiça Itinerante Cooperativa da Amazônia Legal transforma a realidade de centenas de pessoas de São Félix do Xingu e de municípios próximos do sudeste do Pará. Sem acesso a serviços básicos do Estado, as pessoas que participaram da ação conseguiram em algumas horas resolver questões que pareciam, antes, sem solução.

Desde segunda-feira (17/7), quando teve início a Justiça Itinerante Cooperativa na Amazônia Legal, aproximadamente 700 pessoas, até às 17h desta quarta-feira, conseguiram atendimento para a resolução de demandas previdenciárias, trabalhistas, e ambientais, além de obtenção de documentos como carteira de identidade, carteira de trabalho, certidões de nascimento e óbito, CPF, e serviços médicos e odontológicos.

Residente há mais de 20 anos na Vila Taboca, região localizada a cerca de 100km de São Félix do Xingu, o produtor rural Valter Alchieri, 64 anos de idade, finalizou uma batalha administrativa com o Incra que durava quase duas décadas. Vindo do Rio Grande do Sul, ele comprou, sem saber, um pedaço de terra que pertencia ao Incra. A situação gerou uma série de desconfortos para a sua família.

Durante o atendimento realizado na representação do Incra, que está inserida na Justiça Itinerante, Valter conseguiu obter a titularidade das terras onde mora com a família. “Minha terra havia sido negada pelo fato de minha esposa ser professora da administração municipal. Chegaram a me sugerir o divórcio, somente para que eu conseguisse a titularidade da terra. O sonho de todo assentado é ter suas terras. Todos acham que somos desinformados, mas a verdade é que padecemos com o isolamento. Se não fosse essa ação, a situação se prolongaria por vários anos mais”, afirmou o produtor.

A Justiça Itinerante Cooperativa na Amazônia Legal tem origem na formalização de parceria entre o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Conselho da Justiça Federal (CJF), o Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) e o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Para concretização do plano de trabalho, estão envolvidos mais de 30 órgãos e instituições entre tribunais superiores e com jurisdição no estado do Pará, a Defensoria e o Ministério Público, a Advocacia Geral da União (AGU), a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg-BR), juntamente com órgãos do Executivo Federal, incluindo o Exército Brasileiro, o INSS, o Ibama, o ICMBio, o Ministério dos Povos Indígenas, a Funai e o Incra. Também estão presentes representantes da administração estadual e municipal.

Atendimento ao público em São Félix do Xingú, no Pará, em ação da Justiça Itinerante. Foto: Luiz Silveira/Ag. CNJ.

Benefícios previdenciários

Ao lado da emissão de documentos, os atendimentos previdenciários foram os que mais concentraram demandas que vão desde pedido de benefícios e perícia até a análise judicial dos pedidos anteriormente negados pelos órgãos de previdência.

Com problemas na coluna, a encarregada de construção civil Benvinda Oliveira, de 51 anos de idade, estava há três anos aguardando uma oportunidade para solicitar o auxílio-doença. Sem uma agência do INSS há dois anos, São Félix do Xingu tinha uma série de demandas represadas na área previdenciária. Atendida pela Justiça Itinerante, Benvinda teve seu pedido analisado e agora aguarda a perícia médica para confirmação ou não de seu benefício. O resultado será informado nesta quinta-feira (20/7), na própria itinerância.

Os atendimentos e a agilidade das decisões levaram o indígena da etnia Kayapó Bepnhoti Atydjare, de 52 anos de idade, a reunir família e outras pessoas de sua aldeia para buscar a itinerância. “Minha esposa é diabética. Quando ouvimos sobre a itinerância, aumentou a esperança de ver o caso dela, pedido de auxílio-doença, resolvido. Vou trazer outras pessoas da aldeia para garantir que eles possam ter o mesmo atendimento que nós”, afirmou.

A idosa Iolanda Alves de Jesus compareceu à itinerância para requerer a pensão do marido falecido em 1998. Depois de muitas buscas, ela foi informada que pelo tempo de contribuição do seu marido, ela não teria direito ao benefício. No entanto, em função da idade dela, Iolanda descobriu que ela mesma poderia se aposentar. “Eu esperei tanto por uma solução. Dá até um alívio ter a possibilidade de ver minha situação resolvida”, comemorou.

Já no caso de Ivânia Brasil Barbosa, os transtornos psiquiátricos que a atormentam desde os 17 anos impediram o exercício pleno de atividades laborais. Internada diversas vezes em clínicas psiquiátricas de Belém (PA) e de Araguaína (TO), Ivânia viu com entusiasmo a possibilidade de conseguir respaldo do INSS por meio da concessão de auxílio-doença. “Tenho lidado com problemas mentais há muito tempo. Pela primeira vez estão olhando para o meu caso, quando surtei, saí andando dentro do mato. Fui resgatada por indígenas de uma aldeia que ficava próxima ao meu trabalho. De lá para cá, foram muitas incertezas”, destacou. Após passar pela análise do INSS, que incluiu a perícia, Ivânia conseguiu ter seu benefício concedido.

A análise judicial dos benefícios negados também têm uma procura significativa durante a itinerância. Mãe de dois filhos especiais, Zilanda Ferreira aguardava há mais de dois anos o desbloqueio dos benefícios que eram concedidos aos seus filhos, ambos portadores de mucopolissacaridose tipo III, conhecida também como síndrome de Sanfilippo.

A doença neurodegenerativa produz um quadro clínico de retardo mental progressivo, associado a alterações de marcha e fala, perda visual e enrijecimento de articulações. Kelner Rafael, com 15 anos de idade, e Lara Fernanda, de 13 anos de idade, tiveram o benefício suspenso quando Zilanda não conseguiu levá-los para a prova de vida exigida. “A expectativa de vida deles varia de 15 a 20 anos. Na época em que o INSS pediu para vê-los, nenhum dos dois estava andando. O pai deles não suportou o trabalho que eles davam e nos deixou. Conto apenas com ajuda de vizinhos e amigos. Ter de volta o auxílio é uma benção. No mês que vem, já voltaremos a receber essa ajuda”, disse Zilanda.

Trabalho análogo à escravidão

Nesta quarta-feira (19/7), a Justiça Itinerante Cooperativa na Amazônia Legal promoveu a exibição do filme Pureza, do cineasta Renato Barbieri, durante a Oficina de Trabalho Decente. Estrelado pela atriz paraense Dira Paes, a produção conta a história real de Pureza Lopes Loyola, uma mãe que lutou para livrar o filho de situação de trabalho análogo à escravidão.

Em uma sala lotada, o filme foi exibido sob os olhares atentos das pessoas que aguardavam atendimento para diversas áreas da itinerância. A história impressionou pessoas como Alvida Gomes dos Santos, de 64 anos de idade, mãe de dez filhos. “Só de ver a história, eu fico com medo. A gente até ouve falar, mas ver assusta muito. Tem muita gente ruim nesse mundo. Precisa ter muita coragem para denunciar uma situação dessas para o Ministério do Trabalho. É tudo muito triste”, declarou. Ao final do filme, algumas pessoas compartilharam histórias semelhantes à da personagem principal.

Os atendimentos seguem até sexta-feira (21/7), das 8h às 18h, na na Escola Estadual de Ensino Médio Carmina Gomes.

Texto: Ana Moura
Edição: Sarah Barros
Agência CNJ de Notícias

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