O conselheiro Paulo Lôbo apresentou um pedido ao plenário do CNJ, que realiza sua 25ª sessão plenária nesta terça-feira (12/09), para que se regulamente a questão da dispensa de advogados nos Juizados Especiais Federais.
Lôbo propõe que a dispensa se limite apenas às causas que envolvam predominantemente matéria de fato e em que haja a necessidade da realização de audiência, limitada às causas de até 20 salários mínimos.
O assunto vem causando controvérsias, com interpretações distintas de duas leis. O conselheiro lembrou que a lei 10.259/2001, em artigo que se aplica aos Juizados Especiais Federais, e a 9099/95, dos Juizados Especiais de Pequenas Causas, impõem limites à dispensa do advogado nessa esfera, mas estão tendo leituras diferentes.
Segundo Lôbo, para resolver a questão, "não há necessidade de nenhuma intervenção legislativa, bastando a correta exegese das leis já existentes que, aliás, já foram consideradas constitucionais pelo Supremo Tribunal Federal".
A presidente do Conselho, ministra Ellen Gracie, recebeu de maneira positiva a proposta e salientou que "a matéria merece reflexão muito atenta deste Conselho". O conselheiro Jirair Meguerian foi designado o relator da proposta.
Segue abaixo a íntegra do pedido do conselheiro Paulo Lôbo:
Senhora Presidente do
Na data de ontem, acompanhado de eminentes integrantes da Comissão Organizadora do programa Movimento pela Conciliação deste CNJ, estive em visita ao Conselho Federal da ordem dos Advogados do Brasil, a convite de seu eminente Presidente Roberto Busato, e pude notar a grande preocupação de seus membros com o crescimento vertiginoso das teses que dispensam a intervenção de advogado no âmbito jurisdicional, sobretudo nos juizados especiais federais, o que entendo merece uma meditação serena por parte deste
Com efeito, a Constituição Federal estabelece, em seu artigo 133, que o advogado é indispensável à administração da Justiça, de modo que a legislação infraconstitucional que estabelece em contrário deve ter interpretação restritiva e de acordo com a Lei Maior. Exatamente por isso, penso, que para resolver essa questão que não há necessidade de nenhuma intervenção legislativa, bastando a correta exegese das leis já existentes que, aliás, já foram consideradas constitucionais pelo Supremo Tribunal Federal.
Pois bem, a Lei nº 10.259/2001 estabeleceu, em seu artigo primeiro, que se aplica aos Juizados Especiais Federais, no que não conflitar, o disposto na Lei nº 9.099/95, que regra os Juizados Especiais, cujo artigo 9º assim dispõe: "Nas causas de valor até vinte salários mínimos, as partes comparecerão pessoalmente, podendo ser assistidas por advogado; nas de valor superior, a assistência é obrigatória".
Como se pode facilmente inferir, a Lei 9.099/95, com o objetivo de conferir o mais amplo acesso à Justiça, estabeleceu a possibilidade de a parte comparecer pessoalmente ao Juizado sem advogado, certamente tendo em conta que esses profissionais nem sempre estão disponíveis para a classe menos favorecida da população, que é exatamente o "público alvo" dos Juizados de Pequenas Causas.
Entretanto, não o fez indiscriminadamente. A própria Lei limitou essa possibilidade às causas de até vinte salários mínimos, ou seja, de valor correspondente à metade da competência dos juizados que, aliás, já tratam apenas de pequenas causas e de menor complexidade, vez que as demais, ainda que de valor abaixo do mínimo, devem ser remetidos para a Justiça Comum. Nessa linha compreensiva foi a decisão do Supremo Tribunal Federal quando deu interpretação conforme à Constituição, sem redução do texto, ao art. 1º do Estatuto da Advocacia e da OAB (Lei nº 8.906/1994).
A Lei 10.259/2001 não tem nenhum dispositivo tratando expressamente do "ajuizamento pessoal" de pequenas causas na Justiça Federal. Alguns magistrados têm interpretado o artigo 10 dessa Lei como sendo a autorização legislativa para tal.
Assim dispõe o referido artigo:
Art. 10. As partes poderão designar, por escrito, representantes para a causa, advogado ou não.
Parágrafo único. Os representantes judiciais da União, autarquias, fundações e empresas públicas federais, bem como os indicados na forma do caput, ficam autorizados a conciliar, transigir ou desistir, nos processos da competência dos Juizados Especiais Federais.
Esse artigo versa, evidentemente, sobre representação da parte e não postulação pessoal. Cuida, isto sim, do tradicional "preposto", isto é, quando há necessidade de comparecimento pessoal das partes à audiência de conciliação. E partes são o demandante e o demandado, e não só o autor, até porque, como se colhe do parágrafo único do art. 10 supra, a Lei confere poderes de transação aos representantes da Fazenda Pública.
Ora, se esse artigo tratasse de dispensa de advogado, estaria também dispensando procurador para a União, as autarquias, fundações e empresas públicas federais, o que contrasta com os mais elementares princípios da Administração Pública.
Portanto, o que resta é aplicar aos Juizados Especiais Federais o disposto no artigo 9º da Lei nº 9.099/95, no que não conflitar com a Lei nº 10.259/2001.
Conforme já referido, a dispensa de advogado não pode ser indiscriminada, sob pena de ofensa ao art. 133 da Constituição Federal. A Lei nº 9.099/95, para não incidir nesse vício, limitou o ajuizamento pessoal às causas cujo valor não ultrapasse a metade do montante da competência (vinte salários mínimos), o que, de certo modo, seria razoável também para os Juizados Especiais Federais.
De outra banda, o que a Lei 9.099/95 determina é o comparecimento pessoal da parte, e não que ela advogue sua própria causa, de modo que o legislador tinha em mira a realização de audiência de conciliação e julgamento, o que afasta, de pronto, a possibilidade de dispensa de advogado quando a causa versar exclusivamente matéria de direito, isto é, sem audiência. Ademais, é sabido que a Fazenda Pública não pode conciliar em matéria de aplicação de lei, sob pena de dar interpretação jurídica individual para cada administrado, colidindo com o princípio de que a lei é geral e para todos.
Isto reforça a conclusão de que o artigo 10 da Lei nº 10.259/2001 trata de representante "das partes" para a audiência de conciliação, isto é, somente nas situações em que ela é realizada. Não havendo audiência, não há que falar em "representante" da parte. Por outro lado, esse artigo também abre a possibilidade de, nos Juizados Especiais Federais, a parte se fazer representar, o que não é possível nos Juizados Especiais Cíveis, onde sempre deve haver o comparecimento da parte.
Em reforço a esse entendimento, socorre o parágrafo primeiro do artigo 8º da Lei 10.259/2001, que exige que todas as intimações, à exceção das de sentença, sejam feitas nas pessoas dos advogados ou procuradores.
Não se olvide que os Juizados Especiais Cíveis, de onde quer se emprestar a norma que dispensa o advogado, tratam predominantemente de matéria de fato e de menor complexidade. Certamente o legislador tinha em mente dispensar advogado naquelas ações que tratam de pequenos acidentes de trânsito, inclusão indevida no SPC, etc. Na Justiça Federal seria o equivalente ao segurado da Previdência Social que feriu um dedo e quer auxílio doença ou a um correntista da Caixa Econômica Federal que foi indevidamente inscrito no CADIN.
Soa equivocado imaginar um segurado da Previdência Social, por exemplo, desenvolvendo tese sobre inconstitucionalidade de lei para ingressar pessoalmente com sua ação na Justiça. Nessas situações, se for dispensado o advogado, o próprio juiz terá que advogar por ele, que é o que vem o correndo na prática dos Juizados Especiais Federais hoje.
E mais, considerando que na Justiça Federal a dispensa de advogado é teoricamente possível apenas para a parte autora, sendo que o réu, que é sempre a Fazenda Pública, está representado por Procuradorias aparelhadas, deixar-se-á o administrado tecnicamente fragilizado, a não ser que o juiz advogue por ele, repito, e aí ofendendo o princípio da imparcialidade judicial.
E exatamente prevendo essas situações é que, nos JECs, o parágrafo 1º do artigo 9º da Lei 9.099/95 prevê a concessão de assistência judiciária a uma das partes, mesmo que dispensada de advogado, se a outra for assistida por causídico.
Não se olvide, ademais, que, nos Juizados Especiais Cíveis, não se admitem ações contra a Fazenda Pública, exatamente o contrário do que ocorre com os Juizados Especiais Federais, nos quais sempre há interesse do Poder Público. Também nos JECs a dispensa de advogado é para ambas as partes, o que é inconcebível para os JEFs, conforme já demonstrado.
Salta aos olhos, assim, que a dispensa de advogado, nos moldes do que estabelece a Lei 9.099/95, conflita em praticamente todos os aspectos com os Juizados Especiais Federais.
É claro que a Lei 10.259/2001 não tinha o objetivo de dispensar o concurso de advogado nos Juizados Especiais Federais, já que, em que pese todas as incompatibilidades apontadas, nada dispôs sobre o tema, preferindo prestigiar a Defensoria Pública, o que é mais seguro até para o Estado, porquanto ter-se-á um juiz efetivamente exercendo seu papel com eqüidistância das partes.
Entretanto, sabe-se que a Defensoria Pública da União ainda não está satisfatoriamente equipada, especialmente nos mais longínquos recantos do País, de modo que, em nome do primado do acesso à Justiça, deve-se admitir postulação pessoal da parte, sem olvidar, entretanto, dos demais princípios constitucionais envolvidos. Para se atender à toda população brasileira carente, a União dispõe apenas de pouco mais de cem defensores públicos, o que já foi motivo de moção deste Conselho ao Poder Executivo.
Por tudo é que sugiro ao
Brasília, 12 de setembro de 2006.
PAULO LOBO
Conselheiro