O Plenário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu nessa terça-feira (14/12), durante a 61ª Sessão Extraordinária, recomendar aos tribunais que sigam a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH). Quando as condenações da Corte IDH ao Estado brasileiro resultarem em ações judiciais para reparar as vítimas desses casos, o Judiciário deverá priorizar o julgamento desses processos.
Entre as previsões incluídas no texto da Recomendação do CNJ, também estão a necessidade de magistrados e magistradas observarem, em suas decisões, os tratados e convenções de direitos humanos em vigência e o alinhamento das leis brasileiras ao conjunto de tratados e convenções assinados pelo Brasil na área.
A Recomendação reforça determinações contidas nos ordenamentos jurídicos brasileiro e internacional, na área de direitos humanos. A Constituição Federal estabelece que direitos e garantias previstos em tratados internacionais assinados pelo Brasil podem se somar ao conjunto daqueles expressos na Carta Magna.
As liberdades expressas na Convenção Americana de Direitos Humanos, por exemplo, valem como lei no Brasil desde 1992, desde que o Decreto n. 678/1992 incorporou a Convenção à lei brasileira. O tratado protege a população dos países signatários de discriminação por raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social.
Para julgar conflitos entre cidadãos e países, a partir da interpretação da Convenção, a Corte IDH existe desde 1979. O tribunal edita sentenças, fiscaliza a efetivação das suas decisões e, quando necessário, dita medidas cautelares a seus Estados-parte. A sede da maior autoridade da região em direitos humanos fica em São José, capital da Costa Rica, e a jurisdição do tribunal se estende por 20 países que abrigam população de 560 milhões de habitantes.
Reparação às vítimas
O Brasil foi condenado em 10 processos por violações de uma série de direitos humanos. O primeiro ocorreu em 2006, quando a Corte condenou o país pelas violações constatadas no Caso Ximenes Lopes. Esse era o nome do morador de Sobral (CE) que, em 1999, foi assassinado três dias após dar entrada em unidade médica de saúde mental, com sinais de maus-tratos e tortura. A condenação mais recente ocorreu este ano pelo feminicídio de Márcia Barbosa de Souza.
O artigo 68 da Convenção Americana prevê que todos os países que a assinaram cumpram as decisões da Corte IDH “em todo caso em que forem partes”. Uma condenação dá origem a uma série de medidas administrativas e legais, entre elas processos judiciais abertos no Poder Judiciário brasileiro. Nesse sentido, a Recomendação aprovada pelo CNJ também orienta a magistratura a priorizar julgamentos que tratem de condenações ao Brasil pela Corte IDH que ainda não tenham sido cumpridas na sua integralidade.
Abaixo uma lista de todos os casos em que o Estado brasileiro foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos:
2006 | Caso Ximenes Lopes vs. Brasil |
2009 | Caso Escher e outros vs. Brasil |
Caso Garibaldi vs. Brasil | |
2010 | Caso Gomes Lund e outros (“Guerrilha do Araguaia”) vs. Brasil |
2016 | Caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde vs. Brasil |
2017 | Caso Cosme Rosa Genoveva, Evandro de Oliveira e outros (“Favela Nova Brasília”) vs. Brasil |
2018 | Caso do Povo Indígena Xucuru e seus membros vs. Brasil |
Caso Herzog e outros vs. Brasil | |
2020 | Caso Empregados da Fábrica de Fogos de Santo Antônio de Jesus e seus familiares vs. Brasil |
2021 | Caso Márcia Barbosa de Souza e seus familiares vs. Brasil |
Sistema internacional de direitos humanos
O texto do Ato Normativo n. 0008759-45.2021.2.00.0000 aprovado pelo Plenário do CNJ, com relatório da conselheira Flávia Pessoa, recomenda às autoridades judiciárias brasileiras seguir tratados, convenções e outros instrumentos do direito internacional sobre a proteção dos direitos humanos que valem no Brasil. O objetivo é concretizar direitos previstos em tratados, convenções e outros instrumentos internacionais direitos humanos, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1948.
A relatora explicou que o Ato recomenda a observância dos tratados e convenções internacionais de direitos humanos, uma vez que o Brasil tem algumas condenações pela Corte IDH. “É importante que os magistrados deem preferência ao julgamento dos processos decorrentes dessas condenações.”
O presidente do CNJ, ministro Luiz Fux, lembrou que, em recente encontro ocorrido por convite da Organização dos Estados Americanos (OEA), o monitoramento do cumprimento das decisões da Corte Interamericana e das práticas do Judiciário brasileiro foram muito debatidos. “Esse é um ato pertinente ao Conselho e de grande valia para os desígnios da nossa instituição.”
Uma diretriz estratégica com o mesmo objetivo foi aprovada em 2016, no 9º Encontro Nacional do Poder Judiciário, para orientar a atuação do Judiciário. No mesmo ano, o CNJ e a Corte IDH assinaram um acordo para memorando de entendimento que tornou o Conselho “o guardião da jurisprudência da Corte em língua portuguesa”. Desde então, o Portal do CNJ mantém uma página com as principais decisões da Corte IDH, traduzidas do espanhol, língua oficial da Corte, para o português.
Controle de convencionalidade
Realizar o controle de convencionalidade nos julgamentos que tratem de direitos humanos nos tribunais brasileiros é outra das recomendações contidas na recomendação. O controle de convencionalidade é compatibilizar, no julgamento de casos concretos, as determinações das convenções internacionais ao ordenamento jurídico brasileiro. A Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, proclamada em 1969 e válida no Brasil desde 2009, afirma que não é possível descumprir o disposto em um tratado internacional com base no direito interno.
“O mecanismo de controle de convencionalidade representa uma importante mudança no paradigma legal brasileiro, tendo em vista a premente necessidade de aproximação com o sistema regional de direitos humanos. O seu uso pode ser retratado como uma possibilidade de compatibilizar os instrumentos internacionais em direitos humanos com o ordenamento jurídico interno. Na perspectiva latino-americana, a Corte Interamericana de Direitos Humanos desponta como expoente interpretativo da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, de forma a firmar precedentes e standards interpretativos mínimos a serem seguidos por seus Estados parte”, afirmou em seu voto a relatora.
Painel interativo
Esta semana, as informações sobre o cumprimento das medidas de reparação exigidas pela Corte IDH ao Brasil passaram a estar disponíveis em um Painel de Monitoramento lançado pelo CNJ. A ferramenta vincula as decisões, mostrando o resumo dos casos, palavras-chaves, um mapa com georreferenciamento de cada caso, a medidas de reparação que foram ou não cumpridas, representantes das partes e a atuação do CNJ em relação ao cumprimento de sentença. Também é possível acessar a ficha técnica das informações, que são coletadas e compiladas da página “Casos en etapa de Supervisión de Cumplimiento de Sentencia”, cujos dados se baseiam nas Resoluções emitidas pela Corte IDH.
Até o momento, há informações de 11 episódios contenciosos com sentença, como o da Favela Nova Brasília, que condenou o Brasil pelas incursões da polícia na comunidade do Rio de Janeiro, nos anos de 1994 e 1995; o caso Povo Indígena Xucuru, em virtude do atraso no processo de demarcação do território ancestral e a ineficácia judicial para garantir esse direito; o caso Herzog, pela falta de investigação, julgamento e punição dos responsáveis pela tortura e assassinato do jornalista Vladimir Herzog e a falta de proteção judicial à sua família; e o caso de Márcia Barbosa de Souza, assassinada em 1998, apontando a necessidade de o país garantir direitos sem discriminação e prevenir a violência contra a mulher, entre outros.
Manuel Carlos Montenegro
Agência CNJ de Notícias
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