O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) ganhou a adesão do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5) para a mobilização que lidera para promover o cumprimento da decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) relativa à Terra Indígena Xukuru, em Pernambuco. O esforço é coordenado pela Unidade de Monitoramento e Fiscalização de decisões e deliberações da Corte Interamericana de Direitos Humanos (UMF). Agora, o tribunal criará uma unidade semelhante na sua estrutura administrativa. O anúncio foi feito na quarta-feira (17/8) pelo presidente da TRF5, desembargador federal Edilson Nobre, em reunião em Recife.
De acordo com o supervisor da UMF, conselheiro Mauro Martins, o ato da Justiça Federal da 5ª Região foi “vanguardista”, ao ser o primeiro tribunal do país a criar uma unidade com os mesmos objetivos gerais da UMF, que são fiscalizar o poder público e buscar criar as condições institucionais para que sejam cumpridas as decisões da autoridade suprema em direitos humanos na região. O TRF5 concentra as ações judiciais iniciadas para garantir o direito à propriedade aos indígenas que tiveram a sua terra demarcada e homologada em 2001.
“Nós viemos tratar concretamente de um caso em que o Brasil foi condenado a reparar, regularizar, demarcar e garantir a posse e o usufruto exclusivo da terra à comunidade indígena xukuru. Existem processos judiciais tramitando no TRF5 e nós viemos aqui para tratar de ações concretas para que essas ações cheguem a bom termo e para que tenhamos, finalmente, o cumprimento da decisão da corte. Enquanto esses processos não forem solucionados, o Brasil fica inadimplente perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos”, afirmou Mauro Martins.
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Condenação
A questão xukuru é um dos temas que motivaram a missão conjunta que a Corregedoria Nacional de Justiça, a UMF e o Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas do CNJ realiza no estado de Pernambuco nesta semana. O povo originário que habita o agreste pernambucano aguarda a decisão da Corte IDH ser cumprida desde 2018, quando o tribunal determinou ao Estado brasileiro restituir o território pertencente aos indígenas, além de indenizar os xukurus pelo dano imaterial sofrido e retirar os ocupantes não indígenas, compensando-os pelas benfeitorias de boa-fé construídas na terra indígena.
Além de instituir um setor específico destinado ao cumprimento das decisões da Corte IDH, o TRF5 já começou a mapear as ações judiciais que envolvem o direito sobre a Terra Indígena Xucuru. Dentre eles, está a Ação Rescisória nº 6706/ DF, ajuizada pela Funai contra decisão do TRF 5 que havia determinado a reintegração de posse a terceiros não indígenas de parte do território reivindicado pelo povo Xukurus. Por conta de um recurso especial, o caso chegou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), que, segundo decisão do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva na quarta-feira (17/8), determinou que esses autos sejam restituídos ao TRF-5 para dar seguimento ao processamento do caso. Esse andamento processual é um importante avanço, em específico quanto a determinação da corte internacional para à conclusão das disputas judiciais que impedem o pleno processo de desintrusão e a garantia do direito à propriedade coletiva do povo sobre seu território.
O juiz federal auxiliar da Presidência do tribunal Marco Bruno Clementino detalhou sobre os processos aos representantes do CNJ na reunião, que também teve a presença do conselheiro do CNJ Mário Maia. “O TRF5 também incentivará a capacitação de magistrados em relação a direitos indígenas e irá elaborar um plano de trabalho para controle da tramitação e conclusão desses processos com conexão com a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos. A 28ª Vara Federal (Arcoverde) se comprometeu a fazer uma movimentação semanal de todos os processos que digam respeito às determinações da Corte Interamericana.”
Também participaram do encontro, outros membros da comitiva do CNJ que foi a Pernambuco fazer uma correição extraordinária na estrutura criminal da Justiça do estado, além de verificar a situação dos casos em que o Brasil foi condenado na Corte IDH, por violações aos direitos humanos cometidas no Complexo Penitenciário do Curado e contra o povo xukuru. De acordo com o coordenador da UMF, juiz Luís Geraldo Lanfredi, as conversas que ocorrem desde o início da semana marcam um processo de diálogo, em busca da efetividade da decisão da Corte IDH.
“Desde 1989 se persegue a concretização do direito dos povos indígenas, especificamente do Povo Xukuru. Trata-se de reparar uma injustiça histórica do Estado brasileiro. Nós temos hoje um ambiente muito favorável para que eventualmente as ações em trâmite na Justiça Federal em Pernambuco, com desdobramento do reconhecimento de direito, possam ser resolvidas e decididas dentro da brevidade que se espera para a efetivação dessa situação jurídica”, afirmou Luís Lanfredi.
Participaram das conversas durante a semana, o cacique Marcos Xukuru e membros da comunidade indígena, representantes do Ministério Público Federal, Defensoria Pública da União, Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), Universidade Federal de Pernambuco, Assessoria Jurídica da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito santo (APOINME), Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (Gajop), entre outros.
Pacto Nacional
Um dia após anunciar a criação da UMF, o TRF5 aderiu ao Pacto Nacional do Poder Judiciário pelos Direitos Humanos. Nessa quinta-feira (18/8), o presidente do tribunal assinou o ato que formalizou o engajamento da corte na transformação cultural que o pacto propõe à magistratura, em favor da promoção dos direitos humanos do conjunto das decisões judiciais. Por meio de cinco eixos de atuação, o Pacto propõe o fomento da jurisprudência da Corte IDH e do controle da convencionalidade (respeito às convenções e aos tratados internacionais de direitos humanos) nos julgamentos.
A estratégia inclui um concurso de decisões exemplares na defesa dos direitos humanos, a inclusão do tema em editais de concursos para a magistratura e em programas de capacitação do corpo de magistrados, além do registro dos debates sobre a temática na forma de uma publicação da jurisprudência relacionada do Supremo Tribunal Federal (STF) e de um seminário de alto nível dedicados exclusivamente à implantação dos direitos humanos nos julgamentos.
A corregedora nacional de Justiça, ministra Maria Thereza de Assis Moura, classificou como histórica e pioneira a iniciativa do TRF5 de aderir ao Pacto. “O CNJ se propõe a unir esforços com o TRF5, visando ao cumprimento integral da sentença da Corte IDH do caso Xukurus vs Brasil. A atuação interinstitucional que busca a sinergia revela o comprometimento do CNJ e do TRF5 com os direitos humanos. Esperamos que a proposta sirva de exemplo e possa ser difundida como boa prática aos demais tribunais brasileiros.”
De acordo com o presidente, desembargador Edilson Nobre, a adesão ao Pacto demonstra “o compromisso do TRF5 com os tratados internacionais de direitos humanos incorporados à Constituição Federal”. Embora o Brasil tenha assinado em 1969 o Pacto de San José, tratado aplicado pela Corte IDH, foi apenas 1992 que um Decreto incorporou a Convenção Interamericana de Direitos Humanos à legislação nacional.
Texto: Manuel Carlos Montenegro
Edição: Thaís Cieglinski
Agência CNJ de Notícias