O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apresentou à Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) uma série de ações para auxiliar o Estado brasileiro a atender as medidas provisórias que a Corte IDH determinou nos últimos anos ao país, em função das violações aos direitos humanos comprovadas em três unidades prisionais e uma unidade de internação de adolescentes. A agenda do CNJ tem alcance nacional e não vai melhorar apenas a situação do Complexo Penitenciário de Pedrinhas (MA), do Complexo Penitenciário do Curado (PE) e do Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho (RJ) e da Unidade Socioeducativa do Espírito Santo (UNIS), que foram objeto de audiência pública da Corte IDH na quarta-feira (2/6).
O objetivo da audiência foi para acompanhar o cumprimento das medidas provisórias que a Corte IDH impôs ao Estado brasileiro ao longo da década passada. O Brasil está sujeito aos julgamentos realizados pelo tribunal interamericano desde 1998, assim como outros 19 países da América do Sul, América Central, Caribe e o México. Para a audiência, além dos governos estaduais e dos denunciantes que deram origem às decisões da Corte IDH sobre o sistema carcerário brasileiro, também foi convidado o CNJ, na condição de órgão independente. A função do Conselho é buscar uma solução mediada entre as partes que melhore o quadro crítico de superlotação e insalubridade nas prisões, agravado pela emergência sanitária da Covid-19.
Durante a audiência, os juízes da Corte IDH ouviram retratos sobre a mesma realidade a partir das falas dos representantes da administração dos sistemas prisional e socioeducativo e dos denunciantes e seus representantes legais – as organizações de direitos humanos Justiça Global e Conectas. O CNJ se comprometeu a promover mudanças relativas ao atendimento de saúde da população carcerária, ao encaminhamento de casos de torturas e maus tratos denunciados nas prisões brasileiras e à superlotação do sistema.
Acesse o Informe Medidas Provisórias adotadas em relação ao Brasil apresentado pelo CNJ
Agenda proposta
As medidas estão dentro do escopo das atribuições do CNJ como fiscalizador do sistema carcerário brasileiro. O secretário-geral do Conselho, juiz Valter Shuenquener, citou a criação da Unidade de Monitoramento e Fiscalização das decisões da Corte Interamericana, que é responsável por acompanhar os casos em que o Brasil é parte. “É por intermédio da atuação da Unidade de Monitoramento e Fiscalização das decisões da Corte Interamericana que o CNJ pretende intervir, com sua capacidade de ação e interlocução, para compor junto aos quatro contextos de privação de liberdade [Unis, Curado, Pedrinhas e Plácido], objetos das medidas provisórias estabelecidas por esta Corte de Direitos Humanos, sobretudo com ênfase na análise dos impactos da pandemia do novo coronavírus nesses estabelecimentos.”
Para melhorar a situação sanitária das unidades prisionais, o CNJ se comprometeu a mobilizar a rede de magistrados que atuam nos grupos estaduais de monitoramento do sistema prisional (GMFs) para promover o reforço nas equipes de saúde dentro das prisões. Uma das ações que os grupos farão é dialogar com os responsáveis pela implantação local da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP), estabelecida pelo Ministério da Saúde em 2014.
Os GMFs já monitoram o combate à Covid-19 nas prisões de seus respectivos estados e publicam periodicamente os resultados do trabalho. O monitoramento faz parte de uma ação do Programa Fazendo Justiça relativa à Covid-19 no sistema carcerário, que inclui o Boletim Quinzenal sobre Contágios e Óbitos no Sistema Prisional e no Socioeducativo. O CNJ acompanha a crise sanitária nos presídios desde o início da pandemia, em março de 2020, com normativos e orientações aos magistrados responsáveis pela execução penal.
Ao final da audiência, o juiz da Corte IDH Ricardo Pérez Manrique questionou os representantes do Estado brasileiro sobre a política estatal de testagem de presos e policiais penais para Covid-19. Segundo ele, é preciso esclarecer se essa política contempla somente sintomáticos ou também os assintomáticos, que transmitem o vírus. Pérez Manrique quis saber também sobre a vacinação dos presos, uma vez que o Brasil informou que a população carcerária é público prioritário no Plano Nacional de Imunização (PNI), mas ainda não é vacinada no mesmo ritmo dos demais grupos. A Corte determinou que em dez dias, contados a partir da notificação das autoridades brasileiras representadas na ação, o Brasil envie resposta por escrito ao tribunal.
Violência intramuros
Outra medida com a qual o CNJ se comprometeu foi estabelecer um protocolo sanitário para permitir a volta das visitas realizadas por entidades públicas e da sociedade civil ao sistema prisional. A ideia é reestabelecer esse canal de oportunidade para os presos poderem denunciar as violências cometidas dentro das prisões. “A pandemia trouxe a necessidade de distanciamento social e essa particularidade tem dificultado as visitas e a participação social no acompanhamento da execução das penas, ao que se soma a dificuldade de acesso à informação de todas as ordens”, afirmou o juiz auxiliar da Presidência do CNJ Luís Geraldo Lanfredi.
O magistrado, que também é coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema Socioeducativo (DMF/CNJ), anunciou que o Conselho publicará uma versão traduzida das “Regras de Havana”, como são conhecidas as Regras das Nações Unidas para a Proteção dos Jovens em Privação de Liberdade, estabelecidas em 1990. A medida dá resposta às denúncias relacionadas ao uso de armamentos menos letais nas unidades de internação. Além disso, o CNJ promoverá “capacitação específica sobre os parâmetros internacionais que regulamentam essa matéria” e criará um fluxo capaz de dar encaminhamento a casos de torturas e maus tratos ocorridas em unidades prisionais ou socioeducativas.
O juiz Pérez Manrique fez um último questionamento específico sobre a unidade de internação do Espírito Santo, que estaria sob “paulatina militarização” em relação ao tratamento dos adolescentes internados. “Não há que se esquecer que as pessoas adolescentes que cometem infrações à lei penal estão sujeitas, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e pelo Direito internacional, a processo socioeducativo e não penal. Há um claro conflito entre sistemas nesse caso.”
Vagas
Para reduzir a superlotação dos presídios brasileiros, o CNJ estuda medida para que juízes e juízas que inspecionam mensalmente os estabelecimentos penais tenham um instrumento objetivo para aferir a capacidade de cada unidade prisional inspecionada e, consequentemente, qual a medida da superlotação do estabelecimento. Com a proposta, segundo Lanfredi, pretende-se “que as inspeções judiciais obrigatórias e mensais passem a certificar se as vagas anunciadas para cada estabelecimento estão de acordo com a Resolução 09/2011 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) – critério já indicado pela Corte IDH em suas últimas resoluções –, o que permitirá aos órgãos de controle e à sociedade civil exigir providências efetivas quando ultrapassada a capacidade máxima indicada”.
Além disso, o Conselho pretende estender determinações direcionadas pela Corte IDH a dois presídios brasileiros – Curado e Plácido de Sá – sejam adotadas por todas as quatro unidades que foram tema da audiência pública. A mais recente das decisões determinou, em 2018, que cada dia de pena cumprido no Complexo Penitenciário do Curado e no Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho fosse contabilizado em dobro para todos os presos, exceto aqueles que cometeram crime sexual, contra a vida ou a integridade física de outra pessoa.
A medida visa retirar parte dos apenados de ambientes insalubres e superlotados. No Complexo do Curado, em maio, havia 6.708 pessoas e apenas 1.819 vagas, entre condenados e presos provisórios, de acordo com o estudo preparado pela UMF/CNJ para informar a Corte da situação atual. Embora a lotação do Instituto Plácido de Sá não seja tão grave quanto a do Curado, a situação é temporária. Com a Recomendação CNJ n. 62, juízes e juízas da Vara de Execuções Penais da Justiça fluminense concederam o direito à prisão domiciliar a centenas de presos. Com a perspectiva de vacinação da população carcerária e do fim da pandemia, eles deverão retornar ao local. Baseados na norma do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) adotada pela própria Corte IDH em decisões recentes, a Defensoria sustenta que a capacidade da unidade, destinada a presos do regime semiaberto, não passa de 1 mil vagas.
Todos os denunciantes e seus representantes legais pediram a manutenção das medidas provisórias e do monitoramento contínuo das decisões à Corte IDH, que deverá se pronunciar a respeito nos próximos meses.
Manuel Carlos Montenegro
Agência CNJ de Notícias
Assista a integra da audiência