A audiência pública sobre permuta de magistrados estaduais, promovida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) nesta terça-feira (24/5), demonstrou opiniões diversas de representantes de órgãos públicos, autoridades, entidades da sociedade civil e especialistas que participaram da discussão. De um lado, os que defenderam a permuta destacaram como benefício a produtividade. De outro, os que argumentaram que a questão é de cunho constitucional e, por isso, exige maior discussão.
O evento, assistido por cerca de 500 pessoas ao longo do dia pelo canal do CNJ no YouTube, ocorreu como resultado do Pedido de Providências formulado pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), favorável à permuta e à regulamentação do tema pelo CNJ. “Muito se aprendeu aqui. Foi um debate democrático. Agora vamos analisar todos os memoriais e avaliar cada questão antes de fazer uma proposta”, concluiu o conselheiro Luiz Allemand, relator do pedido.
Allemand lembrou que a primeira composição do Conselho foi contrária à permuta, mas ressaltou que decisões posteriores do Supremo Tribunal Federal (STF), resoluções do próprio CNJ e provimentos da Corregedoria Nacional de Justiça passaram a entender a carreira da Magistratura como nacional, tornando necessária a revisão da análise inicial.
“Já se passaram dez anos. Era outro contexto, o Conselho estava em uma fase de afirmação institucional. Como o cenário que condicionava a interpretação mudou, é possível que o próprio relator tenha outra leitura”, defendeu André Quintela Alves Rodrigues, juiz de Direito do Tribunal de Justiça de São Paulo. “Não é uma crítica, apenas outras possibilidades de leitura após tantos anos”, analisou.
A opinião do magistrado, no entanto, não foi partilhada pela juíza de Direito do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ) Márcia Correia Hollanda. Para a magistrada, antes de ser tratada pelo CNJ, a permuta de juízes estaduais deveria ser disciplinada por emenda à Constituição e inserida no Estatuto da Magistratura. “O federalismo divide o país em estados. Essa autonomia é concedida ao tribunal estadual. Não existe norma constitucional que permita a troca, a interpretação extensiva do artigo 43 não tem fundamento”, afirmou. Ela lembrou o investimento feito pelas Cortes, na forma de cursos para os juízes. “Cada tribunal investe para manter o magistrado. Deveria ser reservado à corte decidir se a permuta é pertinente ou não. O interesse público deve prevalecer sobre o privado.”
Permanência mínima – Um dos tópicos em discussão na audiência foi a necessidade de estabelecer um prazo para permanência mínima na nova jurisdição. Na opinião do juiz Antônio Henrique Silva, do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (TJBA), o estabelecimento de um tempo mínimo representa uma garantia não apenas para os Tribunais de Justiça (TJs), como para os próprios jurisdicionados, já que garantiria uma prestação de serviços sem sobressaltos. “Acredito ser razoável um tempo de cinco anos na nova jurisdição por parte dos juízes que permutaram”, diz o magistrado. Já para o juiz Eder Jorge, diretor da Associação Nacional dos Magistrados Estaduais (Anamages), não há necessidade de um tempo mínimo, o que deve ser definido em cada caso pelos tribunais.
Concursos públicos – Para o juiz Eder Jorge, diretor da Anamages, os juízes estaduais submetem-se aos mesmos requisitos de concursos públicos em todo o país, e não se pode exigir que tenham que prestar novos concursos a cada mudança de Região. “Supor que um magistrado de uma Região seja menos preparado é uma questão mais afeita ao preconceito do que um argumento lógico”, diz o juiz. Outro argumento levantado pelo representante da Anamages foi que a remoção pode ser utilizada como uma maneira mais profissional de lidar com a questão da segurança, em casos de remoção de magistrados ameaçados.
Entrâncias diferentes – A existência de organizações de entrâncias de maneira distinta nos tribunais foi outro fator considerado na discussão sobre a possibilidade de permuta interestadual dos juízes. Em geral, as comarcas de primeira entrância são aquelas de menor porte, que têm apenas uma vara instalada. A comarca de segunda entrância seria de tamanho intermediário, enquanto a comarca de entrância especial seria aquela que possui cinco ou mais varas, incluindo os juizados especiais, atendendo a uma população igual ou superior a 130 mil habitantes.
O juiz Luiz Leal Vieira, do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJRS) posicionou-se, em nome do Tribunal, de forma contrária à possibilidade de permuta entre magistrados de diferentes estados, o que considera inconstitucional. Para Vieira, os tribunais possuem estruturas e número de entrâncias diversos, além dos concursos serem diferentes, embora existam regras que tentem padronizá-los. “Os critérios para promoção na carreira são diferentes e uma permuta de um juiz gaúcho com outros estados causaria dificuldades”, diz Vieira.
No entanto, para o juiz Gervásio Santos, que representou a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), mesmo quando não há semelhanças entre as entrâncias, é possível harmonizá-las para realizar a permuta. “É claro que a permuta não poderá ser utilizada para dar um salto na carreira”, diz Santos. A posição da AMB foi reiterada pelo juiz Leonardo Lima, do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG), que afirmou que a Constituição Federal permite a permuta entre juízes da mesma entrância.
Irredutibilidade de subsídio – Todos os oradores defenderam que se há uma decisão consciente do magistrado em abrir mão de um subsídio maior pela permuta, não há porque o Estado lhe negar essa opção. “É um excessivo paternalismo. Um magistrado deve ter o direito de escolher receber um subsídio menor para poder morar perto da família”, enfatizou Daniel Antônio de Moraes Sarmento, professor titular de direito constitucional da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).
Posição na lista de antiguidade – Ao optar pela permuta, ambos magistrados deveriam voltar para o final da lista de antiguidade, para não prejudicar os demais juízes que decidam permanecer nos tribunais de origem. Essa foi a proposta mais defendida durante a audiência. “Quem quer permutar não pode querer permutar e prosseguir na carreira rapidamente. Tem que escolher”, enfatizou o presidente da Associação Nacional dos Magistrados Estaduais (Anamages), Magid Nauef Láuar, mencionando ainda que, de qualquer forma, como cada tribunal tem suas próprias regras de entrância, o CNJ deveria deixar essa decisão a cargo das Cortes regionais.
Discricionariedade dos tribunais – Todos concordam que é de interesse público que os juízes fiquem perto de suas famílias e assim tenham uma melhor qualidade de vida e maior ganho de produtividade. “Nada melhor do que um juiz mineiro para julgar os cidadãos de Minas Gerais. Ou um juiz amazonense para julgar os casos do Amazonas. Ao conhecer os costumes e hábitos do seu povo, um juiz pode julgar melhor”, destacou Eudo Rodrigues Leite, membro do Conselho Deliberativo Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp).
No entanto, não houve consenso sobre quem definiria as regras: o CNJ, como órgão nacional, ou os tribunais regionais. “Estamos tratando de uma carreira única”, defendeu Rodrigues Leite. “Não podemos subtrair dos tribunais regionais a possibilidade de decidir sobre a permuta. Verificar se o candidato preenche todos os requisitos, por exemplo”, enfatizou Gervásio Santos, representante da AMB.
Ao final do evento, o juiz do Tribunal de Justiça de Alagoas Nelson Fernando de Medeiros Martins encerrou a audiência pública ponderando um meio termo para o embate. “Acredito em uma discricionariedade regrada dos tribunais regionais como a melhor solução”, disse.
Acesse aqui o álbum de fotos do evento.
Agência CNJ de Notícias