O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) reafirmou seu compromisso com a efetivação da Lei da Reforma Psiquiátrica de 2001 ao lançar, em evento online nesta terça-feira (19/9), novos produtos dedicados à Política Antimanicomial do Poder Judiciário. A iniciativa, que visa proteger os direitos das pessoas que enfrentam transtornos psiquiátricos e promover um modelo mais humanizado de assistência em saúde mental, representa mais um passo na promoção da justiça social e no fortalecimento dos direitos das pessoas em sofrimento psíquico no Brasil.
“Essa política tem como objetivo principal romper com a prática de encarceramento e internação degradante dessas pessoas, reposicionando-as no centro de uma abordagem estatal que prioriza a garantia efetiva de sua saúde, em conformidade com os princípios da reforma psiquiátrica e dos direitos humanos”, explicou o juiz auxiliar da Presidência do CNJ e coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF/CNJ), Luís Lanfredi.
“Após 22 anos de vigência da lei da reforma psiquiátrica, ela ainda segue sendo esta promessa não implementada, não resolvida e sequer compreendida. Portanto, investir em formas de disseminá-la e, sobretudo, realizá-la, é urgente, na medida em que vai nos permitir vencer um contexto de omissões”, destacou.
Manual prático e página especial
Para facilitar a implementação dessas diretrizes da política, o evento marcou o lançamento de manual destinado a magistrados, tribunais e todo o Sistema de Justiça. O documento oferece princípios, diretrizes e propostas metodológicas para garantir os direitos humanos em saúde mental no contexto judicial, incluindo modelos de minutas de Termo de Cooperação.
Secretário Nacional de Políticas Penais do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Rafael Velasco ressaltou a relevância do documento e o compromisso do governo federal para sua concretização. “O manual que se inaugura hoje é muito necessário e faremos o que for preciso para uma melhor implementação dessa política”.
Acesse o Manual da Política Antimanicomial do Poder Judiciário: Resolução CNJ n. 487 de 2023
Além da publicação do manual, o CNJ disponibilizou também uma página especial em seu site, reunindo informações essenciais sobre a Política Antimanicomial do Poder Judiciário. Neste espaço, os visitantes podem acessar documentos normativos relevantes, informações sobre o histórico da construção da política, as contribuições da sociedade civil, além da exibição de um painel de divulgação das ações estaduais.
Cooperação com o Ministério da Saúde
Em 2021, o CNJ reuniu representantes do Poder Judiciário, Poder Executivo e Sociedade Civil no Grupo de Trabalho Ximenes Lopes (Portaria CNJ n. 142/2021). O grupo resultou de esforço conjunto entre a Unidade de Monitoramento e Fiscalização das Decisões e Deliberações da Corte Interamericana de Direitos Humanos (UMF/CNJ) – no contexto de monitoramento das medidas de cumprimento da sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) no caso Ximenes Lopes vs. Brasil -, e com o apoio técnico do programa Fazendo Justiça, parceria do CNJ com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) para acelerar transformações no campo da privação de liberdade. O ponto culminante desses esforços foi a aprovação, em 2023, da Resolução 487 pelo plenário do CNJ.
A resolução estabelece diretrizes e orientações para garantir o cumprimento das leis e regulamentos vigentes no Brasil, inclusive compromissos internacionais relacionados à saúde mental. “Iluminada por princípios como dignidade humana, direito fundamental à saúde, direito do processo legal, a resolução reconhece vulnerabilidades, interseccionalidades das questões de sofrimento mental em conflito com a lei e ambiciona, sobretudo, assegurar direitos fundamentais a essas pessoas”, explicou a coordenadora científica da UMF/CNJ, Flávia Piovesan. Ela ressaltou que “a resolução é de extrema relevância, não só para cumprir uma sentença da Corte Interamericana, mas também para implementar os parâmetros da ONU”.
Ainda entre os resultados do grupo de trabalho, um seminário internacional realizado pelo CNJ resultou na assinatura de protocolos de entendimento e em um plano nacional de cooperação com o Ministério da Saúde.
Diretora do Departamento de Saúde Mental do Ministério da Saúde, Sônia Barros ressaltou que a resolução vai além dos princípios e das metodologias da desinstitucionalização já consolidados no campo da saúde mental e se estende àqueles em conflito com a lei que apresentam transtornos mentais. “A partir desse novo marco regulatório, o cuidado das pessoas que apresentam quadros de sofrimento mental precisa ser investido prioritariamente nos serviços comunitários. Esse posto inicial da saúde tem que ser o tratamento prioritário para as pessoas com transtorno mental, e o hospital deve ser o último recurso”.
Barros ressaltou os esforços em curso para expandir a rede de atenção psicossocial em todo o território nacional, garantindo o acesso universal ao cuidado em saúde mental. Ela explicou que esse processo inclui o aumento do número de serviços comunitários, a criação de novas equipes de saúde mental e a articulação com diferentes ministérios e instituições.
Coordenador Técnico do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), Fernando Cupertino ressaltou a complexidade do sistema de saúde brasileiro, destacando a divisão de responsabilidades e esforços entre os entes federativos na execução das ações de saúde mental. “É preciso que cada vez mais nós possamos nos articular em conjunto, porque lá na ponta são municípios e estados que executam as ações. É preciso pensar nisso ao construir propostas e considerar uma coisa extremamente importante, que são as desigualdades regionais que temos no nosso país. As soluções não podem ser uniformes, pois as circunstâncias variam de acordo com os problemas, potencialidades e dificuldades de cada local”.
Para contribuir com a qualificação dos dados e informações colaborativas para melhorar a compreensão e a gestão das questões relacionadas à saúde mental, o coordenador técnico do Conass anunciou ainda o desenvolvimento de um painel analítico pelo Centro de Inteligência Estratégica para Gestão Estadual, que integra dados do Ministério da Justiça, Ministério da Saúde, CNJ e secretarias estaduais.
Presidente do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde, Hisham Mohamad Hamida, destacou como os princípios fundamentais do SUS – como universalidade, integralidade e equidade –, acrescentam desafios à gestão da saúde mental. “Não vejo outra solução que não construirmos em conjunto, e o manual veio para jogar luz nos vários desafios que já enfrentamos no dia a dia”.
Texto: Natasha Cruz
Edição: Débora Zampier e Nataly Costa
Agência CNJ de Notícias