Para auxiliar estados e o Distrito Federal na criação e na qualificação dos serviços de Atendimento à Pessoa Custodiada (APEC), o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) lançou, nesta quarta-feira (4/12), o Guia Implementação do Serviço APEC. A solenidade ocorreu na primeira Conferência Nacional de Alternativas Penais, organizado pela Secretaria Nacional de Políticas Penais do Ministério da Justiça e Segurança Pública (Senappen/MJSP).
Os serviços APEC são unidades de atendimento destinadas às pessoas presas em flagrante ou por cumprimento de mandado judicial, apresentadas na audiência de custódia. São constituídos por uma equipe multiprofissional que realiza encaminhamentos para a rede de proteção social e faz indicações para apoiar a decisão judicial em assuntos como vulnerabilidade social ou de saúde. Atualmente, as APECs estão em 26 unidades da federação, majoritariamente nas capitais. A ideia é que sejam expandidas com a interiorização das audiências de custódia e passem por constante processo de qualificação, justificando a produção do guia.
A publicação destaca o serviço como um componente essencial das políticas de alternativas penais e de proteção social no sistema penal brasileiro. Ela é destinada a gestores e gestoras da Política de Alternativas Penais, equipes multiprofissionais, magistrados, magistradas e demais profissionais envolvidos no funcionamento do serviço.
O guia detalha as metodologias e os fluxos para a implementação dos APECs, que devem garantir a articulação entre os diferentes atores do sistema penal, como o Poder Judiciário, o Executivo e as equipes de saúde. A proteção social e a inclusão são temas centrais, com ênfase no atendimento a grupos vulneráveis, como pessoas com transtornos mentais, gestantes, LGBTQIAPN+, migrantes e pessoas em situação de rua. Além disso, o serviço está vinculado à Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), permitindo encaminhamentos adequados para o tratamento de pessoas com deficiências psicossociais.
“Qualificar os serviços APEC e as audiências de custódia é essencial no contexto da implementação dos juízes de garantia, fortalecendo essa política judiciária com foco na porta de entrada do sistema penal”, afirma o conselheiro do CNJ e supervisor do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF), José Rotondano.
Com atuação prevista na Lei n. 13.964/2019 e regulamentada pela Resolução CNJ n. 562/2024, o juiz de garantias tem como uma de suas competências o recebimento da comunicação imediata da prisão de pessoas, incluindo o auto da prisão em flagrante para o controle da legalidade, com realização da audiência de custódia em até 24 horas.
O guia é um complemento ao Manual de Proteção Social na Audiência de Custódia, lançado pelo CNJ em 2020. Ambas as publicações, assim como o fomento e qualificação do funcionamento dos serviços APEC no Brasil, são entregas do programa Fazendo Justiça, coordenado pelo CNJ com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) para transformações no campo penal e no campo socioeducativo.
Enfrentamento ao estado de coisas inconstitucional
A qualificação e ampliação do número dos serviços APECs estão previstos no Plano Pena Justa, elaborado pelo CNJ e a União, como resposta ao julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 347 pelo STF. O plano está em fase de homologação no STF.
“A decisão do Supremo Tribunal Federal que reconhece o estado de coisas inconstitucional nas prisões brasileiras, e a consequente determinação de ações práticas para reverter esse quadro, faz com que todos tenhamos de agir para isso. É nesse contexto que publicamos esse guia”, afirma o coordenador do DMF do CNJ e juiz auxiliar da Presidência, Luís Lanfredi.
O secretário da Senappen, André Garcia, afirmou que, após a homologação do Pena Justa, começa o desafio da elaboração dos planos estaduais e de ferramentas de monitoramento do plano nacional. Para ele, as alternativas penais são uma das estratégias para evitar a superlotação dos presídios. “Não há sistema ou sociedade segura com superencarceramento. Não tem como enfrentar o crime organizado assim. Não há como organizar as unidades lotadas, não há como realizar os atendimentos, as assistências ou movimentações dentro das unidades prisionais superlotadas. Isso impede que trabalhemos de forma racionalizada e eficiente.”
“Quando eu fazia as audiências de custódia, muitas vezes eu precisava tirar da minha cabeça o que imaginava ser o melhor para aquela pessoa custodiada. Hoje, com os serviços APECs, o magistrado ou a magistrada recebe um indicativo realizado por uma equipe multiprofissional, com conhecimento que muitas vezes não temos, para ajudar a decisão. Isso é qualificar os nossos serviços e a Justiça”, disse o juiz auxiliar da Presidência do CNJ com atuação no DMF/CNJ Edinaldo César Santos Junior.
A coordenadora-geral de Combate à Tortura e Graves Violações de Direitos Humanos do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, Rose Mary Cândido, também citou a importância da realização do Pena Justa. “Esse estado de coisas inconstitucional do sistema prisional brasileiro afeta toda a sociedade, não apenas aqueles que estão submetidos às penas. Os trabalhadores e as trabalhadoras também. As condições desumanas de cumprimento de pena constituem também em condições desumanas e degradantes para os servidores penitenciários.”
O presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), Douglas Martins, destacou a conexão entre políticas penais para além da prisão e a segurança pública. “Não é o encarceramento em massa que resolve essa questão [da segurança pública]. O que funciona para melhorar a segurança pública são políticas de atenção ao egresso e as políticas de alternativas penais”. Para a diretora de Cidadania e Alternativas Penais da Senappen, Mayesse Parize, a aplicação das alternativas penais em detrimento do encarceramento ainda é discricionária e excepcional, apesar dos resultados concretos alcançados nos últimos anos.
Sobre as audiências de custódia
As audiências de custódia foram instituídas pelo CNJ em parceria com tribunais de todo o país, com início da primeira operação em São Paulo em fevereiro de 2015. O objetivo é garantir que toda pessoa presa em flagrante ou por mandado judicial seja apresentada à autoridade judicial dentro de 24 horas.
O objetivo central da audiência é verificar a legalidade da prisão e evitar abusos, como maus-tratos ou tortura, assegurando que a prisão preventiva seja aplicada apenas em casos necessários segundo a lei. A audiência também permite que o juiz avalie alternativas à prisão, como a liberdade provisória ou a aplicação de medidas cautelares, com base nas condições pessoais e sociais do custodiado.
Desde sua implementação, a taxa de prisões provisórias caiu de 40%, em 2014, para 24%, em dezembro de 2023, com mais de 1,7 milhão de audiências realizadas no país.
Conferência Nacional
Com o tema Alternativas Penais como Estratégia de Enfrentamento ao Estado de Coisas Inconstitucional, é uma organização da Senappen e a programação segue até sexta-feira (6/12), com transmissão pelo canal de YouTube da Senappen.
Texto: Pedro Malavolta e Natasha Cruz
Edição: Nataly Costa e Débora Zampier
Agência CNJ de Notícia