O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) entregou ao presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, anteprojeto de lei complementar para disciplinar as custas judiciais na justiça brasileira. O texto foi elaborado por um grupo de trabalho nomeado em maio de 2019 para regulamentar o tema, conforme previsto na Constituição Federal. As custas judiciais são taxas pagas por quem aciona a Justiça, em geral quando se ajuíza ação, e em outros momentos específicos, como quando se recorre de uma decisão, por exemplo.
A necessidade de regulamentar a matéria se justifica pela disparidade dos valores cobrados para acessar a Justiça nas diferentes unidades da Federação, pela falta de barreiras à litigância abusiva e pela sustentabilidade da prestação dos serviços judiciários. A discrepância entre os valores de custas cobradas pelo Poder Judiciário de diferentes estados foi verificada em estudo de 2019 do Departamento de Pesquisas Judiciárias (DPJ/CNJ). As taxas cobradas no Piauí – o terceiro estado com menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do país – eram mais altas que os valores praticados na Justiça do Distrito Federal, unidade federativa com o maior IDH do país.
“Com o projeto, tenta-se uniformizar os conceitos e criar balizas mínimas e máximas que permitam aos estados, no exercício de sua autonomia, fixar as custas judiciais de modo a que o sistema de justiça não seja usado de maneira oportunista, para fins privados, mas que seja usado para garantir o mais amplo acesso à Justiça”, afirmou o ministro Cueva, coordenador do grupo de trabalho que redigiu a proposta de regulamentação. No processo de elaboração, especialistas foram ouvidos em uma audiência pública.
No evento realizado em novembro de 2019, no STJ, o professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) Wilson Pimentel demonstrou como os baixos valores das custas podem contribuir para a chamada litigância abusiva. Pesquisa conduzida pelo especialista da FGV indicou que 87% das ações cíveis que tramitaram no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) em 2018 foram movidas ou respondidas por apenas 30 litigantes. De acordo com a Teoria dos Jogos, utilizada para analisar os resultados do estudo, uma concessionária de serviços públicos envolvida em muitos litígios na Justiça, por exemplo, não será incentivada a recorrer à negociação como forma de prevenir a judicialização dos conflitos se o valor para acessar o Judiciário for muito baixo.
Gratuidade
Autorizar o estabelecimento de um sistema com valores diferenciados, como previsto no Artigo 14 do texto do anteprojeto, pode dar mais efetividade à gratuidade da Justiça. Até hoje, o estabelecimento de limites máximos das custas e a prática generalizada no Judiciário de reduzir as custas acaba por favorecer, por mais paradoxal que pareça, as camadas de faixas de renda mais alta. Com faixas distintas de valores, o grupo de trabalho espera equilibrar sustentabilidade do Poder Judiciário e o direito constitucional de acesso à Justiça.
Enquanto uns pagarão uma taxa regular, os cidadãos de baixa renda poderão ser isentos de pagamentos para acionar os serviços dos tribunais. De acordo com a pesquisa “Diagnóstico das Custas Processuais Praticadas nos Tribunais”, realizada pelo DPJ/CNJ, em 2018, um em cada três (34%) dos processos arquivados pelo Poder Judiciário, passíveis de cobrança de custas, tiveram concessão de assistência judiciária gratuita. Na Justiça do Trabalho, esse índice chegou a 52%.
Construção participativa
A diversidade de representações presentes à audiência pública refletiu a abrangência de visões das diferentes instituições que integram o sistema de justiça. Participaram representantes de tribunais de diferentes portes de todo país, associações de magistrados e de advogados, defensoria pública, ministério público e da academia. “Foi uma excelente oportunidade para compreender os anseios e percepções dos diversos segmentos do Judiciário e dos operadores do direito, em geral, quanto aos melhores caminhos para a prestação jurisdicional no país, bem como para colher críticas e sugestões, que muito contribuíram para o aperfeiçoamento do anteprojeto”, afirmou o ministro Cueva.
A diversidade foi uma demanda também atendida na composição do grupo de trabalho que elaborou o texto do anteprojeto de lei nomeado pelo então presidente do CNJ, ministro Dias Toffoli. O grupo foi composto pelo conselheiros do CNJ Henrique Ávila e Maria Cristiana Simões Amorim Ziouva, pelo ministro Cláudio Mascarenhas Brandão, do Tribunal Superior do Trabalho; pelo desembargador Marcelo Buhatem, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro; pelo então Secretário Especial de Programas, Pesquisas e Gestão Estratégica do CNJ, juiz Richard Pae Kim; pelo Juiz auxiliar da Presidência do CNJ Márcio Evangelista Ferreira da Silva; pela juíza Clara da Mota Santos Pimenta Alves, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região; pelo juiz auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça Jorsenildo Dourado do Nascimento; pelo juiz auxiliar do Conselho da Justiça Federal Daniel Marchionatti Barbosa; pelo juiz federal Erik Navarro Wolkart, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região; pela professora Luciana Yeung, do Instituto Insper, pelo Ppofessor Paulo Furquim de Azevedo, do Instituto Insper, pelo consultor legislativo Victor Carvalho Pinto, do Senado Federal; pelo juiz Felipe Albertini Nani Viaro, do Tribunal de Justiça de São Paulo; pelo defensor público-geral Rafael Vinheiro Monteiro Barbosa, do Estado do Amazonas e representante do Colégio Nacional dos Defensores Públicos-Gerais (CONDEGE) e pelos representantes do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil Luiz Claudio Silva Allemand e Rodrigo Badaró de Castro.
De acordo com a conselheira Ziouva, a regulamentação das custas judiciais contribuirá para o aperfeiçoamento e principalmente para a efetividade do Poder Judiciário na medida em que cria parâmetros objetivos para sua cobrança. “Não se nega a importância da gratuidade da Justiça, que é aliás um instrumento importante para a implantação do direito ao acesso à justiça. Todavia, esse benefício deve ser restrito aos que são de fato hipossuficientes economicamente, sob pena de se tornar ineficaz o sistema de custas judiciais como instrumento para adequada utilização do sistema de justiça”, afirmou a conselheira.
Manuel Carlos Montenegro
Agência CNJ de Notícias