O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Instituto Humanitas360 lançaram nesta quarta-feira (25/9) a primeira expansão do modelo de inserção produtiva para pessoas privadas de liberdade e egressos fomentado pela organização não governamental em São Paulo desde 2018. Juntamente com o Tribunal de Justiça do Maranhão (TJMA) e com o Governo do Maranhão, as entidades assinaram memorando de entendimento para o início de atividades no Complexo Penitenciário de São Luís. Após estudo que definirá a atividade produtiva a ser desenvolvida, os participantes do projeto devem passar por formação ainda em 2019, com início da comercialização dos produtos a partir de março de 2020.
A assinatura teve a presença do governador do Maranhão, Flávio Dino, de representantes do CNJ, do Tribunal de Justiça do Maranhão, do Ministério Público e da Defensoria Pública. Segundo Dino, tratar de políticas de cidadania com foco na ressocialização no sistema prisional é tratar, também, da segurança da sociedade. “É fundamental que haja o cumprimento de uma das funções precípuas do direito penal, a função preventiva geral, ou seja, garantir, mediante a emanação de bons exemplos, que a autoridade da lei consiga prevenir que outras pessoas se engajem em atividades criminosas”, afirmou.
Representando o presidente da CNJ, ministro Dias Toffoli, o secretário-geral do CNJ, Carlos Vieira von Adamek, disse que o CNJ vem trabalhando para repensar o sistema penitenciário em termos de efetividade. “Não podemos mais ter a cadeia apenas como um depósito de pessoas. Um dia, elas sairão de lá e têm de estar em condições de convívio social. Portanto, essa parceria com o governo do estado do Maranhão, reavendo a dignidade das pessoas que estão encarceradas, se destina a dar uma possibilidade para essas pessoas se enquadrarem novamente na vida social, tenham a condição de exercer uma profissão e se organizem na vida”, disse.
A presidente do Instituto Humanitas360, Patrícia Villela Marino, disse que a assinatura do memorando é importante para o desenvolvimento das atividades programadas. “É fundamental a institucionalização de um projeto para que ele possa ter estabilidade e longevidade para que se consume como uma alternativa à política”, disse. Murilo Andrade, secretário de Administração Penitenciária do Maranhão, reafirmou a importância do projeto, que pode servir de espelho para outros estados do Brasil.
Próximos passos
Ainda nesta tarde, os quatro parceiros envolvidos se reuniram para discutir as condições de implantação de unidades de inclusão produtiva em estabelecimentos prisionais do Complexo Penitenciário de São Luís, assim como parcerias com a Cooperativa Social do Maranhão (COOSEMA), voltada a pessoas privadas de liberdade e egressas. Essa análise inicial permitirá avaliar o alcance e o formato da mobilização de pessoas privadas de liberdade e egressas do sistema prisional, que irão passar por processos formativos para gestão de negócios, empreendedorismo, desenvolvimento e qualidade de produtos, permitindo a autonomia financeira e gerencial dos participantes.
As ações com pessoas egressas do sistema prisional serão realizadas em cooperação com iniciativas já realizadas pela Coordenação Integrada de Alternativas Penais e Inclusão Social do Maranhão. Ficará a cargo da Humanitas360 a capacitação e o monitoramento das equipes locais de implantação, assim como estruturar as unidades com equipamentos. O instituto também promoverá a formação dos envolvidos e ações de mobilização para promover a participação. Está em desenvolvimento os instrumentos jurídicos para formalização das unidades e para a remuneração dos participantes.
A Secretaria de Administração Penitenciária viabilizará os espaços para as atividades e supervisionará as atividades realizadas dentro de unidades prisionais. O CNJ promoveu as articulações com o Tribunal de Justiça e a Secretaria de Administração Penitenciária para viabilizar as iniciativas do projeto e o alinhamento com as ações do Justiça Presente. Também caberá ao Conselho auxiliar na formulação de um plano de medição de resultados, assim como acompanhar os progressos e monitorar os avanços e desafios do projeto.
Histórico
O modelo fomentado pela Humanitas360 busca promover oportunidades de aprendizagem para o empreendedorismo social e de preparação para o retorno ao convívio em liberdade. A experiência é baseada na COOSTAFE (Cooperativa Social de Trabalho Arte Feminina Empreendedora), formada por mulheres privadas de liberdade em Belém (PA). A partir de 2018, a Humanitas360 importou o modelo para o complexo prisional de Tremembé (SP). Hoje, a Cooperativa Lili, localizada em Taubaté (SP) produz artigos têxteis que são vendidos por meio de loja virtual criada pelo Humanitas360. O trabalho é realizado por egressas do sistema prisional.
Em dezembro de 2018, a expansão do modelo fomentado pela Humanitas360 a outras partes do país foi acertada em acordo assinado com o CNJ, e desde então, as ações recebem apoio técnico do programa Justiça Presente, parceria entre o CNJ e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento com recursos repassados pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública para resolver problemas estruturais do sistema prisional brasileiro.
As contribuições do Justiça Presente ao projeto Humanitas360 são desenvolvidas pelo Eixo 3, que trabalha ações de cidadania dentro e fora dos presídios. Para a expansão no Maranhão, o programa atuou nas articulações com o Tribunal de Justiça e a Secretaria de Administração Penitenciária para viabilizar as iniciativas. “Com o programa em andamento, auxiliaremos os atores responsáveis na formulação de um plano de medição de resultados, e também acompanharemos os progressos e monitorar os avanços e desafios”, explica Felipe Athayde, coordenador do Eixo 3 do Justiça Presente.
Importância do trabalho
Para o juiz coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema Socioeducativo (DMF/CNJ), Luís Geraldo Lanfredi, fomentar a renda das pessoas privadas de liberdade e egressas é a melhor forma de garantir que o retorno da pessoa à sociedade aconteça com estabilização e sentido de pertencimento. “É preciso entender que as pessoas privadas de liberdade voltam para o convívio em liberdade. E quando o fazem devem realizá-lo com perspectivas de inclusão, autonomia e autoestima. É importante garantir qualificação profissional para que possam ressignificar suas trajetórias longe e sem dependência do crime. Os grupos organizados surgem e a reincidência acontece no exato momento que o Estado negligencia e desperdiça investimento no potencial e na capacidade de cada egresso em ser pessoa com um sentido de vida definido”, diz.
Vice-presidente do Humanitas360, Ricardo Anderáos afirma que a parceria com o CNJ materializa o objetivo de nacionalizar o projeto de empreendedorismo fomentado pela organização. “Se cidadãos sem ficha criminal não conseguem trabalho formal, o que dizer de quem passa pela prisão? É por isso que vemos o empreendedorismo como a única possibilidade real de geração de renda para egressos do sistema prisional –e portanto de evitar sua reincidência criminal”, diz.
Ele ainda destaca a importância do apoio do Tribunal de Justiça e do governo do Maranhão e a conexão com a proposta do programa Justiça Presente. “Além do empreendedorismo, uma das principais inovações do nosso projeto é exatamente acompanhar o detento na evolução de sua pena, começando no regime fechado, passando pelo semiaberto, liberdade condicional e chegando à liberdade plena. Isso o Justiça Presente já faz, e por isso nos sentimos perfeitamente encaixados nesse belíssimo projeto do CNJ”, disse.
Iuri Tôrres
Agência CNJ de Notícias