O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) se uniram para cobrar o Executivo Federal sobre a correta destinação de recursos do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen) para conter o avanço do novo coronavírus no sistema prisional. O tema foi tratado em nota técnica conjunta assinada na terça-feira (28/4). A emissão de notas técnicas pelo CNJ sobre aplicação do Funpen é prevista em acordo de cooperação firmado em 2016 com o Ministério da Justiça, institucionalizada depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu que as prisões brasileiras operam em um estado de coisas inconstitucional.
Assinada pelo presidente do CNJ, ministro Dias Toffoli, e pelo procurador-geral da República e presidente do CNMP, Augusto Aras, a nota destaca as dificuldades encontradas pelo Judiciário e pelo Ministério Público no monitoramento da doença e entende como indispensável o uso da verba federal para aquisição de material de limpeza, disponibilização de itens de higiene pessoal e equipamentos de proteção individual e reforço no fornecimento de alimentação e outros insumos básicos e itens de saúde. Ainda é ressaltada a importância da aplicação de recursos para Centrais Integradas de Alternativas Penais e serviços de atendimento de pessoas egressas, a exemplo dos Escritórios Sociais.
Até o momento, o governo federal não apresentou informações sistematizadas sobre o emprego de recursos do Funpen para obtenção e distribuição de itens essenciais de higiene e de sobrevivência à população privada de liberdade como proteção e prevenção ao vírus. Além disso, apesar da escalada de casos registrados em poucas semanas – de 1 a 107 em 20 dias, com sete mortes – apenas 0,1% da população carcerária foi testada para o vírus.
Por outro lado, nas últimas semanas, o Departamento Penitenciário Nacional (Depen) incentiva a discussão, no Conselho Nacional de Política Penitenciária e Carcerária (CNPCP), da flexibilização de norma de 2011 do colegiado para permitir o uso de contêineres para abrigar pessoas privadas de liberdade no contexto da pandemia. O uso da estrutura é expressamente vedado pelo CNJ e já levou o Brasil a ser responsabilizado por organismos internacionais, como a Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Testagem e triagem
Recentemente, o tema Covid-19 foi incluído no Observatório Nacional sobre Questões Ambientais, Econômicas e Sociais de Alta Complexidade e Grande Impacto e Repercussão, mantido pelo CNJ e CNMP. Além disso, o CNJ emitiu recentemente a Recomendação 62/2020, que orienta o Judiciário a adotar medidas para evitar o avanço da pandemia no sistema prisional e no socioeducativo. Na nota conjunta, CNJ e CNMP destacam a importância de o Depen adotar medidas a favor do cumprimento da Recomendação 62/2020, “diante da iminência da situação sair do controle da administração penitenciária e do consequente risco de uma tragédia humanitária sem proporções no sistema prisional”.
Entre as medidas, estão a interlocução do Depen junto aos dirigentes locais do sistema penitenciário para envio de informações urgentes às autoridades judiciárias sobre pessoas presas que estão no grupo de risco da Covid-19, de pessoas presas em unidades superlotadas, interditadas, sem equipe de saúde ou com instalações que favoreçam a propagação do novo coronavírus, além de pessoas presas preventivamente por crimes sem violência ou grave ameaça. Solicita também que o Depen viabilize a testagem em massa de pessoas presas e agentes em unidades onde houve confirmação de diagnóstico por Covid-19.
Para o coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF/CNJ), juiz Luis Geraldo Sant’Ana Lanfredi, a união de duas instituições independentes do sistema de Justiça na elaboração da nota demonstram a gravidade do quadro. “Se já na sociedade em geral faltam testes e há relatos de subnotificação de casos e mortes, a situação dentro das unidades prisionais, operando 70% acima da capacidade, reconhecidamente insalubres e fechadas para visitas há mais de um mês, é alarmante. Precisamos discutir medidas sanitárias e de saúde efetivas ao invés de envidar esforços para retomar estruturas já rechaçadas pela comunidade internacional como degradantes e violadoras de direitos humanos.”
De acordo com o conselheiro do CNMP Luciano Maia, a disponibilização do rápido diagnóstico da doença para evitar a contaminação em massa dos apenados é urgente. “A nota técnica conjunta firmada pelo CNJ/CNMP, no afã de orientar a destinação de parte dos recursos do Funpen em prol do combate ao coronavírus, é medida salutar que demonstra o comprometimento do sistema de justiça na busca do controle sanitário dessa pandemia no que tange à proteção da população carcerária, que é um grupo vulnerável.”
Regina Bandeira e Débora Zampier
Agência CNJ de Notícias