O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e a Associação para a Prevenção da Tortura (APT) assinaram Termo de Cooperação Técnica para promover e implantar ações voltadas à prevenção e combate à tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanas ou degradantes em situações de privação de liberdade. Entre outros itens, o termo prevê a elaboração de manual de orientação a tribunais e magistrados e identificação e difusão de boas práticas nacionais e internacionais no tema, com foco especial nas audiências de custódia.
O acordo, formalizado no dia 24 de outubro, se dá no âmbito do programa Justiça Presente, parceria entre o CNJ e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), com recursos repassados pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, para enfrentamento de problemas estruturais no sistema penitenciário e socioeducativo do Brasil. As ações sobre audiência de custódia, que terão foco de incidência no acordo CNJ/APT, têm o aporte técnico do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) na execução.
O manual a ser elaborado está em consonância com a Resolução CNJ n. 213/2015, que regulamenta as audiências de custódia em todo o país, e terá como objetivo orientar Tribunais, magistrados e servidores a respeito da prevenção e combate à tortura, considerando as vulnerabilidades de grupos específicos e as abordagens de gênero e de raça. Também serão desenvolvidas ações de capacitação a juízes e outros atores do sistema de justiça, assim como subsídios para a atualização de normativos do CNJ, em especial a Recomendação n. 49/2014, que trata da observância do Protocolo de Istambul, da ONU, sobre crime de tortura.
Para a representante da APT no Brasil, Sylvia Dias, as audiências de custódia são um dos instrumentos mais valiosos para garantir a aderência do Brasil a normas internacionais que tratam da dignidade humana, assim como na prevenção e no combate à tortura. “Elas visam prevenir tortura exatamente em momento de maior risco. É comprovado, por estudos e relatos de órgãos internacionais, que nas primeiras horas após a prisão estão os maiores riscos de ocorrer tortura e maus-tratos”, analisa.
Outra ação prevista no acordo é a definição de estratégias para incrementar o diálogo com as forças de segurança e servidores penais do estado. O objetivo é identificar fatores de risco e proteção e melhorar a abordagem e detenção policial. Coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário (DMF/CNJ), Luís Geraldo Lanfredi, acredita que o acordo com a APT irá ajudar a qualificar ainda mais as audiências de custódia. “Com a elaboração de diretrizes mais claras para estas situações, o Judiciário contribui para o combate a uma das violações mais graves contra o ser humano, que é a tortura. O Judiciário atua em duas frentes, não só para garantir para que essa espécie de violação não seja tolerada, admitida ou praticada, como também se responsabiliza pelo desencadeamento da responsabilidade daqueles que insistem em fazer dessa prática algo inerente ao sistema de justiça”, afirma.
Consolidação
Instituída pelo CNJ em 2015, as audiências de custódia preveem a apresentação de todas as pessoas presas em flagrante em juízo em até 24 horas. Após a audiência, o magistrado decide se o custodiado deve responder ao processo preso ou em liberdade, podendo ainda decidir pela anulação da prisão em caso de ilegalidade. De acordo com a representante da APT, a prevenção à tortura é potencializada quando a audiência ocorre em condições adequadas. “A oitiva precisa ser qualificada, com perguntas sobre as circunstâncias da prisão. A pessoa precisa ter espaço para relatar torturas e maus-tratos e que isso seja feito em segurança. Sabemos que uma das razões para não relatar violência de agentes do estado é o medo de represálias”, explica.
As ações para fortalecimento e qualificação das audiências custódia fazem parte do Eixo 1 do Justiça Presente, que promove a legalidade e a proporcionalidade na responsabilização penal, promovendo a redução da superpopulação e superlotação carcerária. O programa também está desenvolvendo parâmetros para prevenção e combate à tortura a partir de casos observados na ponta, além de outros produtos como subsídios para ações educacionais sobre o tema a serem utilizados por escolas de magistratura.
De acordo com pesquisa recente sobre audiências de custódia divulgada pelo Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) –que analisou 2.774 casos em 13 cidades de nove estados–, em 23,8% dos casos as pessoas alegaram terem sofrido violência policial. Destes casos, 21,6% foram encaminhados aos Institutos Médico-Legais para exames e, em 0,9%, o juiz determinou instauração de inquérito policial.
Sobre a APT
A Associação para a Prevenção da Tortura (APT) é uma organização internacional de direitos humanos, com sede em Genebra, Suíça, e com um Escritório para a América Latina na Cidade do Panamá, Panamá. A APT trabalha mundialmente para prevenir a tortura e outros maus-tratos, promovendo visitas de monitoramento preventivas a todos os lugares de privação de liberdade.
Iuri Torres
Agência CNJ de Notícias