Um dos presídios de Rio Branco/AC que representantes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) inspecionarão nesta terça-feira (30/5) tem celas em que 19 homens disputam, em pé, um espaço feito para apenas duas pessoas. A superlotação não é a única ameaça à integridade física de quem aguarda julgamento ou trabalha na Unidade de Recolhimento Provisório de Rio Branco (URP). Presos e agentes penitenciários vivem em meio ao fogo cruzado entre facções criminosas que se estabeleceram nos últimos anos no sistema prisional do Acre. Este foi o cenário apresentado à comitiva do CNJ liderada pelo conselheiro Rogério Nascimento que está em Rio Branco desde segunda-feira (29/5), quando se reuniu com autoridades ligadas ao sistema carcerário local para traçar um diagnóstico da situação atual e buscar saídas para um quadro de caos.
A utilização de uma unidade recém-desocupada do Complexo Penitenciário Francisco D’Oliveira Conde, opôs duas visões de Executivo e Judiciário sobre como resolver a crise. Ambos pretendem tirar determinado segmento da população prisional do convívio com facções criminosas, pois, assim que chegam ao complexo penitenciário, os presos são forçados a aderir a uma das facções criminosas que controlam os pavilhões da Unidade de Recolhimento Provisório de Rio Branco. Lá permanecerão até o dia do julgamento, pelo menos.
De um lado, a juíza da Vara de Execuções Penais (VEP) da capital, Luana Campos, demanda que a instalação seja ocupada por quem chegue à prisão sem antecedentes criminais e não pertença a nenhuma facção criminosa. Do outro, a administração prisional do governo do Estado prefere destiná-la aos presos que já estudam e trabalham.
“Muitas vezes, pensamos que, ao separar a população prisional em uma ala da penitenciária de acordo com as facções criminais, vamos enfraquecê-las. No entanto, assim fornecemos mão de obra e receita para uma facção. Ao invés de enfraquecer, fortalecemos a facção”, afirmou o coordenador do Grupo Especial de Monitoramento e Fiscalização (GEMF), conselheiro Rogério Nascimento.
Poder paralelo
Segundo a juíza da VEP Luana Campos, as facções recrutam novos membros entre os presos que chegam à cadeia e são encaminhados aos pavilhões que as quadrilhas dominam. “Depois que um preso novato adere a uma facção, até a família dele é pressionada a obedecer a ordens da facção. A mãe do preso pode ser obrigada a cozinhar para os integrantes da quadrilha quando vai visitar o filho ou a contrair empréstimo bancário e repassar o dinheiro aos colegas de cela do filho”, disse.
A criação do grupo pela presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, representou uma reação do Judiciário aos massacres ocorridos no início do ano em prisões do Amazonas e de Roraima – com mais de 100 mortes. No Acre, uma rebelião promovida por parte da população prisional em outubro do ano passado terminou com quatro pessoas assassinadas e 19, feridas. Nos três casos, conflitos entre facções criminosas e a superlotação das prisões foram apontados em apurações preliminares como fatores que contribuíram para provocar as tragédias.
Nas reuniões realizadas com os representantes do CNJ na segunda-feira (29/5), a presidente do Tribunal de Justiça do Acre (TJAC), desembargadora Denise Bonfim, e o secretário de Estado de Justiça e Direitos Humanos, Nilson Moura Leite Mourão, informaram as providências tomadas em conjunto pelo Judiciário acreano e pelo governo do estado para reverter o quadro de barbárie nos presídios. Após a rebelião de outubro de 2016, líderes de facções foram identificados e enviados às penitenciárias federais. Há uma semana, um conjunto de bloqueadores de sinal de celular está em operação no Complexo Prisional Francisco d’Oliveira Conde (FOC) e na unidade de segurança máxima Antônio Amaro, em Rio Branco.
Estado de coisas inconstitucional
Os bloqueadores foram instalados com recursos do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen) descontingenciados por decisão do STF que determinou a liberação dos recursos como uma das soluções para interromper “um estado de coisas inconstitucional” no sistema penitenciário nacional, com violações reiteradas de direitos fundamentais dos presos.
A juíza coordenadora do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF/CNJ), Maria de Fátima Alves, apontou a necessidade de construção de novas unidades prisionais diante da lentidão nas reformas realizadas pelo órgão da administração prisional acreano e da idade da maioria dos prédios do sistema carcerário acreano superar, em muitos casos, 30 anos. “A preocupação da ministra (presidente do CNJ e do STF, Cármen Lúcia) é saber se há um plano de re-estruturação do sistema carcerário”, disse.
O diretor presidente do Instituto de Administração Penitenciária do Acre (Iapen/AC), Martin Hessel, disse haver o investimento de R$ 44 milhões repassados pelo Funpen na ampliação de vagas de unidades já existentes. “Dentro da nossa realidade, construir uma unidade nova com 600 vagas, de acordo com os parâmetros arquitetônicos de construções (dessa natureza), custaria R$ 25 milhões. Ampliar em mais de 1.000 vagas as unidades existentes é otimizar recursos e espaços que nós temos. A unidade nova exigiria a contratação de pelo menos 100 agentes prisionais, o que representaria um gasto de R$ 25 milhões”, afirmou Martin Hessel.
Varredura
A visita da comitiva segue nesta terça-feira (30/5), com inspeções à Unidade Penitenciária Doutor Francisco de Oliveira Conde (Regime Fechado), à Unidade de Recolhimento Provisório de Rio Branco e à Unidade de Regime Fechado Feminino de Rio Branco. Na véspera da visita do CNJ, o Exército Brasileiro começou uma operação no complexo prisional para localizar celulares, drogas e armas nas prisões. Segundo o governo estadual, o próprio Instituto de Administração Penitenciária do Acre (Iapen/AC) solicitara a varredura após a rebelião promovida por parte da população prisional em outubro do ano passado.
Manuel Carlos Montenegro
Agência CNJ de Notícias