O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apresentou, na terça-feira (10/12), na Casa da Organização das Nações Unidas (ONU) em Brasília, os resultados do primeiro acordo de cooperação internacional assinado entre o CNJ e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) para transformações no campo penal e no campo socioeducativo. Acompanhadas pela Agência Brasileira de Cooperação (ABC), as entregas se referem às atividades do programa Fazendo Justiça entre janeiro de 2019 e outubro de 2024, quando se encerrou o Prodoc BRA/18/019. Desde 2023, está em vigência novo acordo para consolidação e qualificação dos resultados obtidos na primeira fase do Fazendo Justiça.
O coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF/CNJ), Luís Lanfredi, ressaltou o pioneirismo do acordo, cujo modelo de governança se tornou um marco. “Esta é uma prestação de contas do que representou e representa o Fazendo Justiça nesses últimos seis anos. Trazemos nossa perspectiva e, sobretudo, nossa confiança de que algo tão mal compreendido como o sistema prisional tem suas soluções, desde que pensadas de forma adequada e estruturada”.
Segundo o coordenador do DMF, o programa assimilou o lema da Agenda 2030 das Nações Unidas, que é não deixar ninguém para trás. “O mundo só muda diante desse entendimento de que ninguém é inferior ou menos importante. O Fazendo Justiça prova que há, sim bons caminhos para os nossos sistemas penal e socioeducativo, com chances muito grandes de reconstrução com base em evidências e boas práticas”.
A representante-residente do Pnud, Maristela Baioni, reforçou o alinhamento do programa com as prioridades da Agenda 2030. “Antes do Fazendo Justiça existir, falávamos que não abandonaríamos as pessoas que estão no sistema prisional. Os resultados aqui presentes demonstram o quanto avançamos com o programa. A parceria do Pnud com o CNJ é concretização de um sonho porque lança um olhar solidário e compreensivo para os direitos humanos, e nos faz encontrar berço fértil para produção de políticas inclusivas, com foco nas populações mais vulneráveis”.
Representante da Agência Brasileira de Cooperação (ABC), Alessandra Ambrósio, ressaltou o sucesso na execução da parceria e das ações desenvolvidas, que tiveram seu alcance potencializado com as estratégias de comunicação utilizadas enquanto boas práticas. “Quando se trata de Poder Judiciário, é importante contarmos com projetos inovadores e plurais. O fato de o Fazendo Justiça ter perpassado quatro gestões significa que é uma iniciativa universal, pois começou com uma cabeça, foi aceito por outra, e aprimorado. Isso é um ganho”.
Juiz auxiliar do CNJ com atuação no DMF, Jônatas Andrade afirmou que as ações do Fazendo Justiça se alinham ao projeto constitucional. “O que estamos testemunhando é a substituição de uma visão mecanicista, fragmentada e insuficiente para responder às demandas do nosso tempo, por uma abordagem sistêmica, que vai além dos casos individuais e se conecta ao projeto nacional”.
Diretor-geral do CNJ, Johaness Eck destacou que o programa traz uma pauta que deve ser impulsionado pelo Estado. “A parceria com a ONU desempenha um papel crucial nesse processo, ajudando a promover avanços civilizatórios. É fundamental que a colaboração continue para garantir o avanço e a execução dos próximos passos desse projeto tão relevante”.
O programa começou com o nome de Justiça Presente na gestão Dias Toffoli (2019-2020). Depois, já como Fazendo Justiça, passou por mais três gestões: Luiz Fux (2020-2022), Rosa Weber (2022-2023) e, atualmente, Luís Roberto Barroso (2023-2025). O programa tem um portfólio de 29 ações simultâneas voltadas para os sistemas penal e socioeducativo, além de ações transversais a ambos os sistemas.
Relatório 2019 – 2024
O relatório Fazendo Justiça 2019-2024 faz uma retrospectiva dos últimos seis anos de programa, com informações detalhadas sobre as políticas desenvolvidas na área, serviços implantados e qualificados, mapas das ações do programa pelo Brasil e, principalmente, histórias de pessoas envolvidas no projeto e por ele impactadas.
Foram ouvidos desde juízes e juízas que atuam nos sistemas – e que se baseiam nas metodologias e produtos técnicos do programa para embasar sua atuação –, servidores e operadores do Direito participantes dos cursos e formações oferecidos, profissionais que desenvolvem sistemas e ferramentas eletrônicas até o público final do programa, formado por pessoas privadas de liberdade, egressas e seus familiares.
Entre iniciativas do campo penal, foram citadas as audiências de custódia – apresentação de pessoas que foram presas ao Poder Judiciário – que chegaram ao patamar de 1,7 milhão de audiências realizadas. No campo da leitura, o número de pessoas presas com acesso à remição passou de 3,5%, em 2019, para 42%, em 2023, incentivados por ações e políticas trabalhadas no programa. Voltado para pessoas egressas e seus familiares, os Escritórios Sociais chegaram a 63 unidades em 21 estados brasileiros com mais de 44 mil atendimentos realizados. O Sistema Eletrônico de Execução Unificado foi qualificado e implantado em 37 tribunais brasileiros, facilitando a gestão online de 1,5 milhão de processos de execução penal.
No sistema socioeducativo, o documento mostra que houve redução de 46% da quantidade de jovens em privação de liberdade nos últimos 10 anos, passando de 23 mil para pouco mais de 12 mil. A queda mais acentuada ocorreu entre 2019 e 2022, relacionando-se, dentre outros motivos, com políticas fomentadas pelo programa. O controle da ocupação por meio da Central de Vagas em 24 UFs, a expansão em curso da Plataforma Socioeducativa para 15 tribunais e a criação de ações pioneiras como o Caminhos Literários no Socioeducativo e a Diretriz Nacional de Fomento à Cultura no Socioeducativo – sempre com o protagonismo de adolescentes em cumprimento de medida – são alguns dos feitos nos últimos seis anos.
No campo das ações transversais, foi mencionada a Ação Nacional de Identificação Civil e Emissão de Documentos para Pessoas Privadas de Liberdade, que até o momento resultou em mais de 360 mil pessoas privadas de liberdade identificadas civilmente e mais de 380 mil documentos emitidos ou localizados, com expansão em curso para o sistema socioeducativo. No campo das inspeções, destacou-se o desenvolvimento de novas plataformas e metodologias, enquanto a ação de Justiça Restaurativa resultou na criação de núcleos em 10 tribunais, para citar alguns exemplos.
Em seis anos, o programa Fazendo Justiça apoiou tecnicamente 43 normativas, orientações e recomendações publicadas pelo CNJ. Foram lançados mais de 270 produtos de conhecimento, técnicos e informativos e registrados mais de 155 mil participantes em eventos, missões e capacitações.
Modelo de atuação
O programa atua em ciclo completo, com iniciativas para aprimorar desde a porta de entrada até a porta de saída dos sistemas penal e socioeducativo. “É um modelo de execução direta, com base em processos e resultados, que influencia todo o Sistema de Justiça. Fechamos parcerias com 37 organizações do setor público e investimos em equipes nacionais e estaduais para garantir a capilaridade, sempre adaptando nosso portfólio às necessidades locais”, explicou a coordenadora-geral do Fazendo Justiça, Valdirene Daufemback.
Desde seu início, o programa está alinhado às discussões em andamento desde 2015 no Supremo Tribunal Federal (STF) em torno da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 347 para superar o estado de coisa inconstitucional (ECI) nas prisões brasileiras. No último ano, uma equipe do programa dedicada à ADPF deu suporte ao CNJ na construção do Plano Pena Justa, formulado em parceria com a União para superar o ECI, e que está em fase de homologação pelo Supremo. Para além da execução do novo Prodoc, previsto até 2027, o Pena Justa representa um importante campo de atuação do Fazendo Justiça nos próximos anos.
Texto: Isis Capistrano
Edição: Nataly Costa e Débora Zampier
Agência CNJ de Notícias