CNJ 20 anos: Conselho democratiza e aperfeiçoa acesso a carreiras em cartórios e no Judiciário

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Foto: G. Dettmar/Ag. CNJ
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Imerso no universo dos cartórios, entre averbações e lavraturas, o bacharel em Direito François Thomas Penha, 30 anos, definiu como quer aplicar esse conhecimento no seu futuro profissional: tornando-se tabelião. Para alcançar o objetivo, o primeiro passo é a aprovação no Exame Nacional para Cartórios (Enac). O certame, criado por meio da Resolução CNJ n. 575, de agosto do ano passado, tem provas marcadas em todas as capitais brasileiras em abril deste ano.

A prova trouxe certa apreensão ao concurseiro fluminense. “É eliminatória e não classificatória. Se não passar, fico sem prestar os exames abertos pelos tribunais do país para cartórios”, lastima o estudante, que há quatro anos dá expediente no Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais do 1.º Distrito de Angra dos Reis, no Rio de Janeiro.  

A Corregedoria Nacional de Justiça e as estaduais exercem papel de controle e regulamentação das atividades dos cartórios extrajudiciais, como notas e registros. Assim, são os tribunais que organizam concursos para titularidade de cartórios. A atividade assegura a idoneidade e a qualidade dos serviços notariais e registrais, como previsto na Constituição Federal.

François Thomas Penha estuda pela aprovação no Enac. FOTO: Arquivo pessoal

A decisão de utilizar o conhecimento adquirido no dia a dia do trabalho na preparação teórica para prestar o concurso amadureceu à medida que aprendia tudo na prática. “Fiz o caminho contrário: passei a ter conhecimento concreto do que muitos colegas estudantes só veem nos livros”, disse. 

Antes da decisão de continuar a carreira em cartório, François já tentou prestar concurso para o Tribunal de Justiça de Rio de Janeiro e para a Defensoria Pública. Ele conta que havia estagiado nesses dois locais quando cursava a faculdade, mas a primeira oportunidade de emprego surgiu no cartório onde está até hoje. Além de ter gostado da área, percebeu que precisava manter o foco. 

“Estudar para concurso é uma jornada árdua e de muita persistência. Se os objetivos não estiverem ajustados, fica ainda mais difícil”, avalia. Assim, desistiu de ingressar no Poder Judiciário para dedicar-se exclusivamente aos concursos para cartórios. “De preferência no Rio de Janeiro, onde pretendo continuar morando”, salienta. François pondera que o concurseiro precisa se dedicar a uma área específica. “Não dá para tentar se preparar para todas as carreiras ou não alcança nenhuma”, ensina. 

Longa jornada

Para efetivar a Constituição Federal de 1988, que, no parágrafo 3.º do artigo 236, previu o ingresso na atividade notarial e de registro mediante concurso público de provas e títulos, o CNJ editou duas resoluções em 2009: a Resolução CNJ n. 80, que declarou a vacância de todos os serviços notariais e de registro ocupados em desacordo com as normas constitucionais; e a Resolução CNJ n. 81, que estabeleceu os procedimentos e os critérios para a realização das provas.  

A tarefa de garantir a realização de concursos na forma constitucional foi concluída com a realização do primeiro certame em Alagoas, em 2024. “Foi uma longa jornada com muitas interrupções. Um concurso com judicialização imensa, com questionamentos administrativos. Foi preciso muita perseverança e a intervenção do CNJ para que pudéssemos concluir o certame”, destacou o presidente do CNJ e do Supremo Tribunal de Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, em novembro do ano passado, durante a proclamação do resultado do concurso. 

Bruno Felipe, aprovado no concurso para cartório em Alagoas. FOTO: Arquivo pessoal

Entre os 212 aprovados, está Bruno Felipe Arruda de Albuquerque. Ele endossa as palavras do ministro com sua experiência. Depois da frustração de ter se inscrito nas seleções anteriores abertas em Alagoas e que não tiveram prosseguimento, foi aprovado em quarto lugar pelo regime de cotas para deficientes e tomou posse no mês de janeiro.   

Hoje à frente do 3.º Ofício de Notas de Maceió, Bruno não esconde a alegria pela conquista, depois de seis anos em que conciliou a jornada de trabalho com as horas dedicadas a estudar para concurso. Nesse caminhar, passou em cinco dos seis concursos para cartório que prestou, em variados estados brasileiros. “A condução do CNJ, ao assumir a realização do certame e designar a comissão examinadora, foi irretocável, com as etapas sucedidas rapidamente até o resultado final, divulgado um ano após o início do processo”.   

Bruno Felipe é portador de visão subnormal e valeu-se de uma das iniciativas de promoção da equidade realizadas pelo Judiciário brasileiro para ingressar na carreira. O caminho trilhado por ele assemelha-se ao que percorre o escriturário François, de Angra dos Reis.  

Assim como pretende o concurseiro fluminense, Bruno utilizou o conhecimento prático que acumulou atuando em serventias para enfrentar os exames. Em 2008, aos 16 anos, ingressou no primeiro emprego como jovem aprendiz em cartório de registro de imóveis de Recife. “Passava o dia escaneando fichas de matrícula e ia para a escola à noite”.  

Essa vivência o alçou para o segundo emprego também em cartório. Dali, foi um passo para a aprovação no curso de Direito. “Ao longo da faculdade, o que antes nem se passava pela minha cabeça, por achar que seria intransponível pela falta de condição financeira, percebi que seria possível alcançar, aliando conhecimento prático com estudo”, conta. 

Entusiasmado com a conquista alcançada, ele ficou ainda mais feliz ao descobrir que a serventia é a segunda mais antiga do estado, com 190 anos de história. “Há registros feitos à pena, transações de escravos e livros do I Império, do tempo de Dom Pedro I”, enumera.  

Ao mesmo tempo que vibra com o acervo histórico, o cartorário planeja a digitalização dos arquivos, como prioridades, e a modernização do equipamento do cartório para oferecer atendimento eletrônico. 

A personalidade irrequieta do tabelião de Maceió não sossegou seu espírito estudioso, tanto que continua prestando outros concursos. “Gosto muito de estudar e me desafiar sempre, apesar de estar muito satisfeito com essa colocação. Sinto que me preparei a vida toda para esse momento”, fala com firmeza. 

Foco na magistratura

O gosto pelos estudos que Bruno Felipe não esconde também é compartilhado pelas concurseiras Cassia Ferraz e Mayara Santos do Nascimento. As duas são cariocas e estão empenhadas em abraçar a carreira jurídica no mesmo posto, como juízas.  

A aprovação na segunda edição do Enam, aplicada em 20 de outubro de 2024, deu novo ânimo à Mayara, na jornada que ela trilha rumo à magistratura há 10 anos. Apesar da sua primeira reação ter sido negativa pela criação do exame prévio, atualmente ela avalia a iniciativa positivamente, com a perspectiva de que a prova objetiva substitua a primeira fase das seleções abertas por todos os tribunais, como já ocorre na corte estadual do Amazonas. 

Acostumada a batalhar desde os 17 anos, hoje a analista da Defensoria Pública do Rio de Janeiro quer ingressar na magistratura primeiro por vocação. “Sou questionadora desde sempre, gosto de conversar, de ouvir os dois lados, do diálogo, sem falar que o nosso Judiciário precisa de maior representatividade”, defende como mulher negra que pretende contribuir com a sociedade. Ao lado do idealismo, não esconde o sonho em dar estabilidade financeira à família. 

Em jornada semelhante, Cássia ainda não foi aprovada no Enam, mas, ao ser admitida como residente na 2.ª Vara Cível do Fórum de Leopoldina em 2024, reacendeu a chama que andava apagada em perseguir a carreira da magistratura. “É meu sonho desde a faculdade, mas acabei deslumbrada pelo dinheiro ao receber os primeiros salários ainda como estagiária e desvirtuei a rota”, fala. Recém-formada, foi contratada no escritório em que já trabalhava. 

A satisfação pelo emprego conquistado durou pouco. “Era exaustivo, trabalhava até domingo, sem falar que o ambiente corporativo é inseguro”, relembra sem saudades. Cássia decidiu ingressar na Escola da Magistratura do Rio de Janeiro (Emerg), mesmo trabalhando, para “pagar as contas”. Ao enfrentar o primeiro Enam, se deu conta de que o caminho seria longo até alcançar sua meta. “Vi que preciso estudar muito mais e passei a encarar como prova da Ordem dos Advogados do Brasil”, disse. Ela fez referência ao exame que os bacharéis em Direito precisam prestar para atuar como advogados. 

Mayara Santos do Nascimento, aprovada no Enam, estuda para a vaga de juíza. FOTO: Arquivo pessoal

Apesar de inicialmente ter criticado a criação do exame, atualmente avalia que o que sentiu foi um choque de realidade quanto ao modo como estava se preparando para o cargo. O trabalho no Fórum também tem contribuído para sua preparação. Depois do expediente, ela ainda consegue dedicar mais algumas horas ao estudo, na rotina que inclui os cuidados com a filha de seis anos, que está no espectro autista. 

Aos aspirantes a concursos públicos, Cássia ressalta que é indispensável traçar uma estratégia, que não deixe de fora “dedicação, disciplina e organização”, enumera. 

Disciplina

Mesmo sem conhecer a candidata a juíza, há seis anos David Duarte persegue o que dita a concurseira carioca. Ele mira ingressar na área de Comunicação Social em órgãos do Judiciário.  

Formado em Publicidade, ele não esconde que quer atuar no sistema de justiça devido à melhor remuneração e à carga horária. Como sua área profissional não é atividade-fim da Justiça, as vagas são mais escassas, “mas há oportunidades”, fala com a convicção de quem tem em casa um exemplo para seguir. A esposa foi aprovada e assumiu como arquiteta no Ministério Público da União (MPU). 

Para alcançar a meta, ele concilia o trabalho de carteira assinada com duas horas diárias de estudo. “Aos fins de semana, pego mais forte”, garante. O preparo é apoiado por aulas on-line oferecidas por cursos preparatórios. Confiante na sua dedicação, acredita que, em breve, será colega da esposa, como servidor público.

Este texto faz parte da série “CNJ 20 anos”, que será publicada ao longo dos próximos meses para mostrar os diversos públicos alcançados pelas ações do Conselho  

Texto: Margareth Lourenço
Edição: Sarah Barros
Revisão: Caroline Zanetti
Arte: Robson Lenin Carvalho
Agência CNJ de Notícias

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