Um dos maiores complexos penais do país, com 4,9 mil internos, o Presídio Central de Porto Alegre recebeu, na manhã desta sexta-feira (18/11), a visita da presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia. Durante cerca de uma hora, a ministra pôde confirmar, in loco, como a superlotação tornou-se problema crônico do Presídio Central, que piora ao longo das décadas ao desafiar decisões judiciais de interdição e deteriorar a segurança pública no Rio Grande do Sul.
Parte da comitiva foi impedida de acompanhar a ministra em uma das galerias, pois os presos se espalharam pelos corredores devido à falta de espaço dentro das celas, permanentemente abertas. Foi por esse mesmo motivo que, em dezembro de 2013, a Comissão de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) emitiu medidas cautelares que determinaram ao Estado brasileiro que reassumisse o controle das galerias e pavilhões que se encontram sob comando dos próprios presos e reduzisse a superlotação da unidade prisional, entre outras providências.
“O problema principal é o número excessivo de presos, sem condições, portanto, de dar cumprimento integral ao que foi determinado pelo STF, ou seja, fazer com que as pessoas estejam lá em condições de dignidade. O que alguns disseram é que não há sequer espaço físico para que todos possam deitar e dormir”, afirmou a ministra Cármen Lúcia em entrevista coletiva à imprensa em Porto Alegre, após a visita.
Mesmo com capacidade para apenas 16 presos, as celas são divididas por grupos de 25 a 30 homens, segundo o diretor do presídio, tenente-coronel Marcelo Gayer. A demolição de um dos pavilhões pelo governo estadual, em dezembro de 2014, agravou ainda mais a situação, de acordo com o gestor. Para garantir a convivência e a sobrevivência da população carcerária, a direção do presídio se diz obrigada a fazer uma espécie de manejo constante nas dependências do estabelecimento das facções criminosas, que atuariam dentro e fora do “Central”.
Segurança – Quatro pavilhões são ocupados estrategicamente para separar facções rivais, algumas em andares diferentes do mesmo pavilhão. “Às vezes, a facção que ocupa o térreo é inimiga do grupo do segundo andar, mas não daquela que ocupa o primeiro andar”, afirmou Gayer. Parte da população carcerária já foi condenada, mas a maioria (57%) ainda não foi julgada. A porcentagem de presos provisórios no Presídio Central supera a média do estado (34%), de acordo com os mais recentes dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen). Segundo a direção do presídio, o quadro é ainda mais dramático – os provisórios são 3,3 mil (ou dois terços) dos cerca de 5 mil presos que atualmente ocupam a casa prisional.
O excesso de detentos não julgados força o convívio desse tipo de preso, muitos deles réus primários, com criminosos condenados e, em alguns casos, reincidentes. De acordo com os relatórios dos mutirões carcerários realizados pelo CNJ no estado, ao não separar provisórios de condenados, o estabelecimento penal diminui as chances de ressocialização da massa carcerária. Ao final dos mutirões carcerários que o CNJ fez no Rio Grande do Sul, tanto em 2011 como em 2014, recomendou-se a separação dos presos “de acordo com a situação processual, sexo, primariedade, idade e demais peculiaridades relevantes para a correta execução da pena”.
Durante a manhã, a ministra conversou com presos que participam de um projeto com foco no Presídio Central, o “Direito no Cárcere”, coordenado pelo juiz da Vara de Execuções Penais, Sidinei Bruzska. A maioria deles cobrou ajuda do poder público, em face das dificuldades em ingressar no mercado de trabalho após cumprir pena. Esse é o motivo, de acordo com as falas de muitos internos, que explica tamanha reincidência no crime. “Quando se entra no mercado de trabalho, a gente concorre com pessoas que não foram marginalizadas e excluídas da sociedade como nós. É por isso que o preso é mais vulnerável e volta a ser mão de obra do crime. O crime não é uma facção, não é uma pessoa que coordena. O crime é uma situação social, que é viva, é orgânica e trabalha por conta própria“, afirmou um dos detentos.
Depósito de presos – A lotação do presídio já beirava a capacidade máxima do presídio nos anos 1980, quando o médico da unidade, Clodoaldo Pinilla, começou a trabalhar na unidade. “A população variava entre 1,6 mil e 1,8 mil presos. Chegou a 5,3 mil homens nos anos 2000. Com a violência aumentando, como é que fica a população? Só se prende e manda para cá”, afirmou o médico, que se orgulha de atender a todos os presos como pacientes. “Eu tenho de atender pacientes, o Estado é responsável por eles. Não sou juiz nem promotor. E eles sempre me tratam com o maior respeito”, disse Pinilla.
Segundo o diretor da casa prisional, os serviços de saúde prestados dentro da unidade, como odontologia, são um dos motivos da disciplina dos presos, evidenciada pelo silêncio e respeito dos que cruzaram com a comitiva do CNJ na visita. A última rebelião e a última fuga ocorreram em 1995, mesmo ano em que a Brigada (Polícia) Militar do estado assumiu a segurança e administração do Presídio Central, de acordo com o tenente-coronel Mayer. “A Brigada cuida de 30% da população carcerária presa em regime fechado aqui no estado. Somos nós que seguramos a cadeia”, afirmou.
Recomendações ignoradas – Segundo um dos policiais que escoltou a comitiva, cães também são usados na prevenção às fugas e por isso são estrategicamente posicionados nos vãos entre os pavilhões. Em 2014, o relatório do Mutirão Carcerário do CNJ recomendou ao governo do estado do Rio Grande do Sul que retirasse a Polícia Militar da função de custódia. Sugeriu também que fosse fixado um prazo máximo para a desocupação definitiva do presídio, reiterando decisão da Justiça do Rio Grande do Sul de 1995. Tanto as recomendações do CNJ como a decisão judicial vêm sendo ignoradas até o momento.
A direção do presídio admite que, devido principalmente à superlotação, consegue oferecer atividades de ressocialização apenas para 2 mil dos quase 5 mil presos do “Central”. Os demais são atendidos por psicoterapeutas, mas passam o dia ociosos e sem a oportunidade de remir a pena, que é reduzida em um dia a cada três trabalhados, de acordo com a lei. Segundo o relatório da última inspeção do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), feita em 2012, “a maioria das atividades de trabalho desempenhadas pelos presos no interior das unidades dificilmente poderá ser aproveitada quando deixarem o cárcere, já que não objetiva o aprimoramento laboral do detento, motivo pelo qual, em regra, não são absorvidos pelo mercado de trabalho”.
A infraestrutura do local, construído em 1959, mostrou-se bastante deteriorada. Dos espaços acessados pela ministra Cármen Lúcia na visita desta sexta-feira, a exceção foi o setor de saúde, equipado com gabinetes odontológicos e farmácia abastecida. Em um dos pátios visitados foi possível observar calhas transbordando água suja que se acumulava nas caixas de esgoto, todas abertas, com espuma fétida salpicada do verde das fezes.
Sugestões – Após a visita, uma audiência pública foi realizada no Foro Central de Porto Alegre com representantes do sistema de justiça e da sociedade civil para colher propostas de melhoria para a situação prisional do Rio Grande do Sul. Entre as sugestões registradas pela presidente do CNJ e do STF, destacou-se um pedido por mais investimento no tratamento de dependentes químicos no sistema prisional.
Acesse aqui o álbum de fotos da visita da ministra Cármen Lúcia ao Presídio Central de Porto Alegre. Para ouvir reportagem da Rádio Justiça sobre o tema clique aqui.
Manuel Carlos Montenegro
Agência CNJ de Notícias