Brasil reduz sub-registro à metade com emissão de certidões de nascimento na maternidade

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Liz, Maya e Maria Helena: três destinos que se cruzaram na maternidade. Nascidas no Hospital Materno-Infantil de Brasília (HMIB), as meninas já chegarão aos seus lares com certidões de nascimento. As mães delas – Sara, Patrícia e Jéssica – voltam para casa com sonhos renovados neste Mês da Mulher e levando consigo o documento. Ele é símbolo de uma política pública bem sucedida do Poder Judiciário: desde 2015, caiu pela metade a incidência de sub-registro no país.

O Provimento CNJ n. 149/2023, que institui o Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça, prevê a emissão da primeira certidão de nascimento do bebê ainda na maternidade por meio de unidades interligadas aos cartórios. O registro em hospitais e o direito a uma via do documento, de forma gratuita, no momento da alta da mãe, eram previstos anteriormente no Provimento CNJ n. 13/2010.

Cartório de Notas e Registro Civil no Hospital Materno Infantil de Brasília (DF)
Foto: Ana Araújo / Ag. CNJ de Notícias

“Ele foi feito basicamente com o intuito de combater o sub-registro dos nascidos e de ampliação do acesso à documentação civil básica. Então, esse foi o objetivo: combater essas duas frentes de atuação importantes para efeitos de cidadania”, destaca a juíza auxiliar da Corregedoria Nacional, Carolina Ranzolin Nerbass. “O registro de nascimento facilita a entrada dessa criança nos sistemas de saúde, educação e assistência social”, aponta ainda.

Segundo ela, a política exitosa fez com que a Organização das Nações Unidas (ONU) reconhecesse que o Brasil praticamente erradicou o sub-registro. “Em 2015, o índice ainda era de mais de 4% de nascidos sem registro civil e hoje conseguimos diminuir para índices de 2%”, diz.

“Como órgão regulador e fiscalizador do sistema registral de registro civil e implementando por meio de uma norma administrativa essa regra, o Judiciário está fazendo política pública”, acrescenta. A juíza aponta que, entre os motivos que fazem mães e pais não registrarem seus filhos recém-nascidos, é a dificuldade de acesso ao cartório, o que acontece, por exemplo, em áreas rurais.

Erradicação até 2030

A juíza auxiliar da Corregedoria Nacional (CN) acredita que, até 2030, o país terá erradicado completamente o sub-registro. Para isso, a CN está debruçada, juntamente com o Operador Nacional do Registro Civil de Pessoas Naturais (ON-RCPN), em estudos para ampliar a atuação das unidades interligadas. “Elas deveriam funcionar 24 horas porque as crianças nascem 24h por dia”, observa.

De acordo com ela, o ambiente registral que se consolida a partir do Sistema Eletrônico de Registros Públicos (Serp) permitirá também esse salto. “O que queremos é que esse número bata exatamente: todo aquele que nasceu vivo tenha uma certidão de nascimento. Queremos alcançá-lo em breve. A erradicação até 2030 é um Objetivo de Desenvolvimento Sustentável da ONU e estamos em um excelente caminho para alcançá-lo”, vislumbra.

O cumprimento da meta de erradicação do sub-registro, explica a juíza, irá possibilitar, inclusive, que se previna o tráfico de crianças e trabalho escravo. “Se uma criança nasce e não tem nenhum registro, nenhuma documentação, há a possibilidade de haver falsificação dessa criança, podem acontecer adoções ilegais e alguém querer sair do país com ela”, descreve. “Se a criança está registrada e é sabido quem são os pais, facilita o trabalho de quem está querendo coibir práticas como o trabalho escravo”, complementa.

Dados da Associação Nacional dos Registradores Naturais de Pessoas (Arpen) mostram que são emitidas mais de 100 mil certidões de nascimento ao ano em maternidades. Em 2013, foram emitidos 114.717 documentos pelas unidades interligadas. Dez anos depois, em 2023, esse número atingiu 126.618 certidões de recém-nascidos.

Em uma década, os únicos pontos fora da curva foram os anos de 2020 e 2021, quando as emissões atingiram 81.795 e 84.912, respectivamente. “Foi um reflexo da pandemia. Houve uma queda abrupta dos nascimentos por conta do receio gerado pela instabilidade da situação de saúde, com o decorrente medo de fazer um parto, e pessoas que tiveram dificuldades econômicas no mundo. Tudo isso fez com que muitos casais adiassem os planos de ter filho”, justifica a conselheira da Arpen-SP, Kátia Possar.

De acordo com ela, os avanços na regulamentação, por meio dos Provimentos n. 149/2023 e n.13/2010, do Conselho Nacional de Justiça, são fruto da união de esforços entre o Executivo, o Judiciário e as entidades de classe. “Trouxemos ainda mais perto dos genitores a viabilidade ou importância de ter esse registro de nascimento antes mesmo da alta hospitalar. É uma comodidade entregue ao cidadão firmada entre o registro civil e a unidade hospitalar”, comemora.

Amor à primeira vista

Jéssica Fernanda Diniz Costa e David da Conceição Almeida, com a filha Maria Helena. Foto: Ana Araújo / Ag. CNJ de Notícias

Maria Helena é a primeira filha de Jéssica Fernanda Diniz Costa e David da Conceição Almeida. “Está sendo incrível, único. É um amor que só depois que nasce mesmo para a gente saber, para ter noção do tamanho”, diz a nova mamãe.

Para a filha, ela deseja também um mundo mais justo, com menos violência contra as mulheres. “Hoje em dia, a maior insegurança da gente é sair de casa e não saber se vai voltar bem. Desejo que futuramente esse tipo de violência tenha cessado, para a minha segurança e agora a dela também”, afirma. “É uma experiência nova, legal demais, inexplicável. Ela é muito linda. Estamos aí para isso: para cuidar, trabalhar e dar uma vida boa para ela”, derrete-se o pai, chefe de pista em um posto de gasolina. David conta que se impressionou com a agilidade no atendimento ao registrar a filha: “Foi muito rápido. Cheguei e fui atendido na mesma hora”.

Pai da pequena Liz, Israel Oliveira Gomes também destaca a facilidade com que pôde registrar a criança. “Foi simples. Esse cartório dentro do hospital, com bom atendimento, ajuda muito”, constata. A esposa, Sara Evelin Siqueira da Costa, 27 anos, conta que o casal já tem outros dois filhos – Alice, de quatro anos, e Lael, de um ano e quatro meses – e que, pelas experiências anteriores, pôde verificar o quanto o primeiro documento é fundamental na vida dos filhos, desde as consultas pelo Sistema Único de Saúde até a matrícula na escola. “Facilita bastante o cartório no hospital. E o documento já vem com o CPF. A praticidade que traz é muito grande. Eu fiz a certidão em tamanho normal e o documento em um formato para colocar na carteira porque ando com ela o tempo todo. Já faz parte da mochilinha deles”, conta.

Israel Oliveira Gomes e Sara Evelin Siqueira da Costa, com a filha Liz. Foto: Ana Araújo / Ag. CNJ de Notícias

Sobre as filhas, ele diz que o sentimento é de proteção e que o desejo é que tenham a mesma força da mãe: “Desafios virão, que elas prevaleçam aos desafios, aos dias difíceis e que sejam as pessoas boas que as pessoas podem encontrar no meio da vida, que sejam um farol, uma luz, um braço amigo”.

Nascimentos fazem parte, há 14 anos, da rotina de Marizilda Cação Hernandes, 53 anos. Ela é servidora do 5.º Ofício de Notas, Registro Civil, Protesto, Registro de Títulos e Documentos de Pessoas, que alterna o atendimento no Hospital Materno Infantil de Brasília com o 1.º Ofício de Notas da capital federal. “Eu amo o hospital e não troco esse lugar por nada. Estou dando a chance do primeiro documento do bebê, com o CPF da criança. Ele está existindo naquele momento”, entusiasma-se Marizilda, para a qual participar do momento do registro das crianças é gratificante.

O dia mais marcante nesse período foi quando fez o registro da própria neta, nascida no HMIB há dez anos. “Confio muito no hospital. E minha filha naquela época também trabalhava no cartório. A certidão da minha neta, Alice, foi feita aqui no posto”, relembra.

Em meio à alegria dos nascimentos, há também situações que requerem maior atenção, como em casos de registro de crianças geradas após violência sexual, que recebem acompanhamento específico; de bebês retirados de dependentes químicas ainda no hospital pelo Conselho Tutelar; e de entrega voluntária para adoção.

Mães também podem registrar

Quando a mãe comparece sem o pai do bebê ao posto, se for casada, basta apresentar a certidão de casamento para registrar o nome do genitor. Caso solteira, ela recebe orientações específicas. Se a mulher quiser apontar o nome do pai, precisará ter pelo menos o endereço da casa ou do trabalho dele, para que seja notificado.

Os dados são encaminhados pelo cartório, pela plataforma do Processo Judicial Eletrônico (PJe), ao Ministério Público, uma vez que é um direito da criança. Quando a mãe prefere não apontar o nome do pai, também acontece o procedimento pelo PJe e o MP irá procurar a genitora. “Recebemos muitas mães que vêm aqui e preferem tentar conciliar com o pai para que ele registre a criança por conta própria”, relata Marizilda.

A Justiça por Todas Elas

Ao longo do mês de março, a Agência CNJ de Notícias publica uma série de reportagens sobre ações do Judiciário pela garantia do direitos das mulheres. Esses conteúdos compõem a campanha “A Justiça por Todas Elas”, idealizada pelo CNJ em alusão ao Dia Internacional da Mulher, em 8/3. Uma página dedicada à campanha e uma cartilha são algumas das iniciativas da ação que tem como foco idosas, crianças, trabalhadoras, mulheres privadas de liberdade, com deficiência, adolescentes, vítimas de tráfico, grávidas, mães e lactantes, indígenas e LGBTQIAPN+.

Texto: Mariana Mainenti
Edição: Beatriz Borges
Agência CNJ de Notícias

Macrodesafio - Garantia dos direitos fundamentais