O presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, defendeu, nesta quarta-feira (9/10), um sistema penal justo, moderado e não discriminatório. Ele participou da abertura do Seminário Internacional Prova e Justiça Criminal: novos horizontes para o reconhecimento de pessoas, no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
“Não adianta exacerbar penas, nem criar tipificações excessivas, nem criminalizar a pobreza. É necessário um sistema igualitário, para que todos sejam tratados sem desequiparações fundadas em riqueza”, ressaltou Barroso. Ele destacou a necessidade de que o Direito Penal não seja aplicado para punir apenas pessoas pobres e, muitas vezes, mal defendidas.
O ministro Barroso reforçou que é preciso abandonar práticas consolidadas que contribuem para que o Brasil seja um país que “prende muito e prende mal”. “Devemos impulsionar medidas que promovam uma prestação jurisdicional mais justa e eficiente, bem como a efetivação dos direitos fundamentais de todos os cidadãos”, argumentou.
Nesse sentido, o CNJ desenvolveu, por meio do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF), um programa voltado ao enfrentamento do estado de coisas inconstitucional no sistema prisional brasileiro, o Programa Pena Justa. “O programa foi criado em função do excesso de entradas no sistema carcerário, da má qualidade das vagas, da permanência além do tempo devido e necessário e também da ressocialização dessas pessoas. É um plano ambicioso, difícil, incapaz de, por si só, resolver o problema, mas nós acreditamos que avanços importantes poderão ser alcançados”, reiterou o presidente do CNJ.
Em outro ponto, Barroso esclareceu sobre a relevância da Resolução CNJ n. 562/2024, que estabeleceu as regras para o funcionamento do juiz de garantias, autoridade responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e por assegurar os direitos individuais do investigado. “Infelizmente, quase 30% do sistema prisional brasileiro é composto por pessoas que praticaram delitos associados ao uso de drogas. Não são os grandes traficantes que estão presos, há uma política equivocada, mas sim meninos pobres de periferia com pequenas quantidades de drogas”, lamentou. Barroso lembrou a recente decisão do Supremo que estabeleceu a quantidade de entorpecentes que diferencia o traficante de drogas do usuário individual, como uma das medidas para equacionar esse problema.
A resolução é resultado do trabalho do GT Reconhecimento de Pessoas, do CNJ, que também desenvolveu um amplo diagnóstico sobre os principais fatores que causam a condenação de pessoas inocentes, um protocolo para o reconhecimento de pessoas em sede policial e um projeto de lei para a reforma do art. 226 do Código de Processo Penal.
Aspectos legais
Durante o evento, que segue até quinta-feira (10/10), o CNJ e a organização Innocence Project Brasil firmaram acordo para implementar a Resolução CNJ n. 484/2022, que disciplina a realização do reconhecimento de pessoas em procedimentos e processos criminais e sua avaliação no âmbito do Poder Judiciário, entre outras ações para impedir a prisão de pessoas inocentes por erros nos procedimentos de reconhecimento.
Levantamento feito pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro (2021), destacado pelo ministro Barroso, identificou 60% dos casos de reconhecimento fotográfico equivocado em sede policial. “Em 60% desses casos, houve a decretação de uma prisão preventiva que durou nove meses. Porém, mais do que isso, 83% dos casos de reconhecimento equivocado recaíram sobre pessoas negras, reforçando a seletividade e o racismo estrutural do sistema penal brasileiro”, afirmou.
Fundadora da organização, Dora Cavalcanti elencou casos recentes em que houve erro de condenação por causa de reconhecimentos deficientes e induzidos pela chamada “falibilidade da memória humana”. “Esse fenômeno que hoje conhecemos melhor coloca em xeque o reconhecimento de pessoas como uma prova extremamente frágil e, diferentemente do que se acreditava, uma prova que enfrenta uma dificuldade quase insuperável de fixação pelo cérebro humano das imagens que acontecem durante a prática de um crime”, alertou.
Para Dora, além do medo e do estresse enfrentado pelas vítimas, há a dinâmica de uma ação delitiva. “Temos às vezes o uso de um boné, de um capuz ou mesmo estamos diante da dificuldade de reconhecermos traços de grupos raciais distintos, aumentando exponencialmente a chance de um reconhecimento ser um falso positivo”, disse.
Programação
O Seminário Internacional sobre Prova e Justiça Criminal: novos horizontes para o reconhecimento de pessoas conta com a presença de especialistas internacionais, magistrados e membros do sistema de segurança brasileiro em cinco painéis que abordarão desde o esforço conjunto dos atores do sistema de Justiça Criminal para qualificar a investigação e a produção probatória, até questões como o racismo no sistema de Justiça Criminal e o impacto dele nas decisões judiciais.
Na programação, estão previstos ainda depoimentos de três pessoas vítimas de erros de reconhecimento. O evento será realizado no auditório do STJ com transmissão pelo canal do CNJ pelo YouTube.
Texto: Ana Moura
Edição: Sarah Barros
Agência CNJ de Notícias