A pandemia da Covid-19 provocou aumento na quantidade de conflitos na Justiça. Desde março, os tribunais já receberam, ao menos, 120 mil processos judiciais envolvendo consequências do distanciamento social e de questões sanitárias relativas ao novo coronavírus.
Nesse cenário, as audiências virtuais de conciliação foram recursos essenciais à continuidade da prestação jurisdicional à sociedade, ao mesmo tempo garantindo segurança e saúde de magistrados, servidores e população e reduzindo fatores que dificultam a solução de conflitos, como distância e custos. E a solução ainda possibilita que brasileiros que moram no exterior tenham acesso à Justiça brasileira.
“Os métodos consensuais têm apresentado um excelente resultado em vários tipos de conflitos e têm contribuído significativamente nas áreas de contratos, empresarial, família, trabalhista, cível em geral”, afirma o conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) Henrique Ávila. A continuidade das audiências de conciliação de forma virtual durante a pandemia permitiu manter a tramitação dos processos judiciais em andamento, além de evitar muitas vezes a própria judicialização dos conflitos e, por consequência, a sobrecarga do Judiciário.
Para apoiar os tribunais a garantir a continuidade das conciliações nesse período, o CNJ disponibilizou de forma gratuita a plataforma Cisco Webex para a realização das videoconferências. E, em maio, lançou uma capacitação de mediadores e conciliadores na modalidade de ensino à distância (EaD). Essa e outras ações buscam superar fatores que, por muitas vezes, podem dificultar a realização de audiências e de demais serviços judiciais.
A pessoa interessada deve solicitar o serviço para o Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc) local, geralmente via e-mail. Os contatos e endereços dos Cejuscs podem ser facilmente encontrados nos sites dos tribunais. “O procedimento pode ser solicitado a qualquer momento. Nessa solicitação a parte pode informar ou aderir à opção remota” explica Henrique Ávila.
Solução para todos
Conforme aponta o juiz do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) André Happke, que atua na comarca de Chapecó, “o deslocamento da pessoa até o fórum normalmente gera inúmeras dificuldades. Alguns perdem o dia de trabalho, outros têm dificuldade, inclusive, de pagar um ônibus que os leve até o fórum. E agora, pelos meios virtuais, esses conseguem acessar normalmente os serviços, ou com recurso próprio ou com a ajuda de pessoas próximas.”
Happke foi o juiz responsável por uma audiência de conciliação, no início de setembro, onde o autor do processo, o agente de viagens Negismar Ferreira, reside há mais de 20 anos em Nova Iorque, nos EUA. O processo era sobre o pagamento de serviço prestado por Negismar a uma agência de turismo brasileira, que não havia sido realizado por complicações financeiras devidas à pandemia, conforme foi alegado pela empresa.
O magistrado conta que, tanto no caso citado como em outros, as pessoas envolvidas foram reunidas em um grupo no WhatsApp antes e durante a audiência. “E então a audiência acontece por videoconferência, às vezes no próprio grupo que é criado”, conta. “Há ainda vezes que, no dia anterior, as pessoas já começam a conversar e chegar a um bom termo.”
Família
A juíza Valéria Lagrasta atua na comarca de Jundiaí (SP), unidade do Tribunal de Justiça de São Paulo (SP). Segundo ela, a primeira sessão virtual na comarca foi em 29 de abril. Desde então, já foram realizadas quase 150 audiências e o índice de acordo chegou a 60%. “A maioria são assuntos da área de família, divórcio, guarda de filhos e alimentos.”
Um dos casos relatados era o debate da guarda de filhos em razão do divórcio. Antes da pandemia, o pai foi morar no Canadá e o filho adolescente permaneceu no Brasil com a mãe. O processo foi solucionado em audiência virtual de conciliação, onde foi estabelecido que a mãe ficaria com a guarda e o pai pagaria a pensão alimentícia.
“Temos dado um treinamento específico para esses conciliadores e mediadores, porque esse formato exige alguns cuidados em relação aos princípios éticos como, por exemplo, o da confidencialidade”, afirma Valéria. Apesar das vantagens desses recursos, a juíza alerta que “temos que tomar cuidado para não impedir o acesso à Justiça às pessoas que não têm acesso à internet. Então, isso deve ser analisado pelos juízes com bom senso na hora de decidir dispensar ou não uma sessão virtual.”
Sem acordo
Mesmo as audiências de conciliação que não chegam a um acordo são elogiadas pelos envolvidos. Na comarca de Porto Velho (RO), do Tribunal de Justiça de Rondônia (TJRO), uma das partes em conflito era o português Miguel Caetano. Ele estava em Lisboa na data marcada para a sessão que tratou do processo movido por ele contra uma companhia aérea brasileira.
Caetano mora em Portugal, mas costuma ir frequentemente a Rondônia. Porém, com a pandemia de Covid-19 e sem poder realizar a costumeira viagem, precisou recorrer ao modelo virtual para dar andamento ao seu processo. Apesar da sessão não lhe ter resultado em acordo, não lhe faltou elogios ao método utilizado e à atuação do tribunal. “Para mim foi ótimo. E acho que funciona muito bem.”
Outro caso internacional de conciliação ocorreu em julho, na comarca de Atibaia (SP). E, dessa vez, quem se encontra fora do país é a conciliadora capacitada. Ariane Sabrina Batista cumpre esse serviço há dois anos e mudou recentemente para Indianápolis, nos EUA. Com a possibilidade de realização de audiências virtuais, ela conseguiu autorização para poder continuar a atuar como conciliadora, provando que a distância não é impedimento para a celebração de acordos. “Durante a pandemia, conseguimos seguir o objetivo de cultivar a paz. E nos reinventamos, ao invés de colocar barreiras no trabalho remoto. Tive a honra de conduzir essa sessão mesmo estando em outro país, o que demonstra o potencial de alcance da videoconferência.”
Hallana Moreira e Michel Pires
Agência CNJ de Notícias
(sob supervisão de Márcio Leal)