O impacto do assédio judicial a jornalistas, os mecanismos de desinformação e a importância da imprensa para o fortalecimento da democracia encontraram-se na centralidade do debate ocorrido no início da tarde desta segunda-feira (25/9), durante o seminário “Liberdade de Imprensa: onde estamos, para onde vamos”, promovido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com transmissão pelo YouTube.
Durante o painel “Constituição e Liberdade de Imprensa: combate às ameaças e restrições à livre circulação de informações, opiniões e ideias”, a integrante da Comissão de Liberdade de Expressão da secional São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/SP) Taís Gasparian discorreu a respeito do assédio judicial contra profissionais de imprensa, o que implica no mau uso do direito da ação com o intuito de inibir uma informação de interesse público.
“Jornalistas, comunicadores, são de repente assaltados por uma enxurrada de ações, por conta de alguma matéria ou de alguma notícia que publicaram”, disse ela, que é Fundadora do Instituto Tornavoz, responsável pelo custeio à defesa de jornalistas. Taís Gasparian mencionou casos como os da jornalista Elvira Lobato, que foi acionada 103 vezes, e o Ricardo Sennes, que teve de responder a mais de 90 processos.
“É uma litigância opressora. O sistema deve ser capaz de se organizar para identificar esse tipo de investida contra a liberdade de expressão”, considerou o conselheiro do CNJ e coordenador do Grupo de Trabalho com o objetivo de apresentar propostas para o enfrentamento da litigância predatória, Marcello Terto, que mediou o painel. “Temos um caminho difícil, mas, sobretudo, superável, a fazer valer a cada dia os valores fundamentais para a nossa democracia e para o nosso Estado de Direito: Justiça e imprensa”, afirmou Terto.
Desordem informacional
De acordo com o jornalista da TV Globo Júlio Mosquéra, que também participou como painelista, apesar de recentes avanços no campo jurídico, surgiram novos obstáculos à atuação da imprensa. Ele chamou a atenção para o ambiente de desinformação decorrente de uma “desordem informacional”, com a divulgação massiva em redes sociais de dados falsos, que distorcem a realidade e aprofundam preconceitos, discursos de ódio, medo e estímulo à violência.
Mosquéra enfatizou que a desinformação busca desestruturar o trabalho da imprensa, a partir da criação de mentiras e buscando desqualificar o trabalho de jornalistas. Ele referiu-se ainda a um movimento coordenado de divulgação de notícias falsas de forma massiva, seguido da tentativa de tirar a credibilidade do trabalho do profissional e do posterior questionamento judicial.
Em uma referência ao pensamento do sociólogo francês Dominique Wolton a respeito do efeito das chamadas fake news sobre as pessoas, Mosquéra disse que toda vez que se deixa de acreditar na informação, “perde-se dramaticamente a democracia”.
Para o professor de direito administrativo da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Gustavo Binembojm, o movimento para que seja desacreditada a informação fornecida pelo jornalismo profissional causa danos diretos às instituições democráticas.
Ao analisar os efeitos negativos produzidos pelo novo ambiente econômico digital, de concentração nas mãos das grandes empresas de tecnologia e inovação, as big techs, ele defendeu, entre outras medidas, que critérios de moderação sejam divulgados pelas plataformas e a programação algorítmica seja sujeita a uma “accountability pública”.
Papel na democracia
No painel “O jornalismo contemporâneo e os desafios da imprensa nos próximos anos”, o presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ), Marcelo Rech, mediador do debate, destacou que em todo o mundo, a liberdade de imprensa tem sido ameaçada, quer por guerras, quer por questões que impedem a sustentabilidade da mídia independente.
Rech destacou a assimetria entre os veículos de comunicação convencionais e as big techs, especialmente no que tange à regulação publicitária. “No mundo todo, as empresas de comunicação tradicionais estão sofrendo esse ataque, perdendo muito do seu espaço e seus recursos. Não há nenhuma redação no planeta que não tenha feito reduções muito substanciais nos últimos 15 anos”, reforçou.
A questão foi ressaltada também pelo ouvidor nacional de Justiça, conselheiro Bandeira de Mello. Para ele, o jornalismo sofreu mudanças não apenas no estilo do trabalho, mas no ritmo de entrega da informação. “Esse cenário caótico é reforçado pelo surgimento das fake news, que ainda traz a descredibilização não apenas da notícia, mas dos veículos tradicionais”.
Para o ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal Ayres Brito, a atuação dos jornalistas deve ser vista e aplicada sob o prisma da democracia. “A imprensa é um instituto jurídico que tem assento na própria Constituição. O desafio é cumprir à risca sua matriz constitucional e contribuir para uma trajetória de vida civilizada que vai da melhor normatividade constitucional para a melhor experiência de vida, centrada na democracia”, explicou. Conforme Ayres Brito, a liberdade de imprensa representa o plano coletivo, enquanto a liberdade de expressão é individual, mas ambas são plenas e seguem o princípio basilar da democracia.
O diretor-geral de Conteúdo do Grupo BAND, Rodolfo Schneider, destacou que o papel do jornalismo profissional é levar a informação correta, o que combate a desinformação e contribui, assim, com o fortalecimento da democracia. Ele ressaltou o tipo de relação construída com a audiência que, atualmente, participa do levantamento de informações. “O trabalho hoje é muito mais de filtrar os dados. A imprensa tem a responsabilidade de apurar o que é verdade e o que não”, ressaltou.
Schneider também criticou a falta de regulamentação das plataformas de redes sociais e suas assimetrias. “A informação apurada vem dos veículos profissionais, mas as plataformas publicam qualquer conteúdo, sem qualquer responsabilidade, e ganham sobre cada clique. É fundamental investimento no jornalismo profissional, que é o maior aliado no combate à desinformação”.A checagem da veracidade da informação é uma ferramenta fundamental no atual cenário.
Segundo a presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), Katia Brembatti, iniciativas como o “Projeto Comprova” são importantes para garantir a verificação dos fatos. A coalizão, que reúne 30 veículos de comunicação, realiza o trabalho de checagem e rechecagem de notícias há cinco anos. O grupo criou um protocolo de atuação, que já é referência para outros países. “Esse não é o trabalho da imprensa ao publicar uma notícia? Mas no cenário atual, especialmente no Brasil, marcado pela polarização política, é preciso cuidado extra com a informação”, afirmou.
Texto: Lenir Camimura e Mariana Mainenti
Edição: Thaís Cieglinski
Agência CNJ de Notícias