Artigo publicado originalmente no jornal O Globo, em 13 de dezembro de 2022
Rosa Weber*
Em 1960, um brutal assassinato de três irmãs, ativistas políticas, marcou a História e veio a inspirar mobilização mundial para a prevenção e eliminação de todas as formas de violência contra a mulher. Em 25 de novembro daquele ano, as irmãs Mirabal — Pátria, Minerva e Maria Teresa — foram mortas na República Dominicana após violências e torturas de toda ordem. Lutavam contra um regime ditatorial e se tornaram símbolos da força feminina e da resistência democrática.
Essa triste página levou a Assembleia Geral das Nações Unidas a instituir o dia 25 de novembro como data da conscientização da comunidade internacional sobre a necessidade de ação efetiva contra a violência de gênero. Na órbita internacional, em 1991, foi criada campanha anual de 16 dias de mobilização com tal desiderato, situados precisamente entre o simbólico 25 de novembro e 10 de dezembro, Dia Internacional dos Direitos Humanos.
No Brasil, a adesão ao movimento, na primeira década deste século, ampliou para 21 dias a duração das ações de conscientização, antecipando-lhe o início para 20 de novembro, Dia da Consciência Negra. A data foi priorizada em face da dupla discriminação que sofrem as mulheres negras em nosso país, vítimas em maior percentual da violência.
O Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022 revela que, entre 2020 e 2021, 2.695 mulheres foram mortas no Brasil pela condição de ser mulheres. Entre as vítimas de feminicídio, 62% eram negras e 37,5% brancas. Nas mortes violentas envolvendo o sexo feminino, 70,7% eram negras e 28,6% brancas.
Nesse contexto de inadmissível e crescente violência é que o Conselho Nacional de Justiça se engajou na campanha “21 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência Contra a Mulher”, simbolizada pelas mariposas, como eram conhecidas Pátria, Minerva e Maria Teresa Mirabal. O objetivo é promover o debate e a mobilização de todos, inclusive das entidades públicas e privadas, no sentido da prevenção e eliminação da violência contra mulheres, contribuindo para tornar efetivos os direitos fundamentais assegurados pela nossa Constituição Cidadã (art. 226, § 8°) e pelos tratados internacionais ratificados pelo Estado, a proclamarem a igualdade de gênero e rechaçarem todas as formas de discriminação.
Ainda que o Dia Internacional dos Direitos Humanos seja, a cada ano, o marco final da campanha, as estatísticas evidenciam a imprescindibilidade de intensificar o combate à violência contra as mulheres, verdadeira chaga em sociedade estruturalmente machista como a nossa.
Sem dúvida, significativos têm sido os avanços, em especial no campo legislativo. Inspirada na farmacêutica que virou símbolo da luta das mulheres — Maria da Penha Maia Fernandes, uma mariposa brasileira —, a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) busca coibir e prevenir atos de violência doméstica e familiar, fortalecendo os mecanismos de proteção às mulheres em situação de violência e dando concretude a medidas para afastar o agressor.
Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostram que, entre janeiro de 2020 e maio de 2022, o Brasil registrou mais de 572 mil medidas protetivas de urgência para meninas e mulheres. Mais de meio milhão de brasileiras ameaçadas recorreram ao Poder Judiciário, que cumpre, assim, o papel que lhe incumbe constitucionalmente: dizer e tornar efetivos os direitos garantidos na Constituição Federal e nas leis da República. A cada dez pedidos formulados em juízo, nove medidas protetivas foram concedidas.
Apesar do progresso, há ainda longo caminho a trilhar, inclusive quanto à celeridade na apreciação dessas demandas tão urgentes e sensíveis. Os dados mostram que, em 30% dos processos, restou superado o prazo de 48 horas para exame liminar previsto na legislação.
A Lei Maria da Penha tem dado imensa contribuição ao combate à violência contra a mulher, mas são imprescindíveis cada vez mais avanços civilizatórios. Daí a campanha “21 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência Contra a Mulher”. Convido todos a envidarem renovados esforços para a construção de um novo tempo, com a promoção da equidade entre mulheres e homens. É o que inspira e busca a política judiciária nacional do CNJ.
*Rosa Weber é presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça
*Presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça