A aplicação das normas internacionais e nacionais protetivas das mulheres é suficiente em relação às demandas das indígenas? Para responder a essa questão, duas juízas e uma especialista em direito socioambiental mergulharam em trabalhos científicos e estudos de legislação e trouxeram para Volume 2 da 5ª edição da Revista Eletrônica do Conselho Nacional de Justiça (e-Revista CNJ) suas percepções.
O artigo “Movimento das mulheres indígenas – da invisibilidade à luta por direitos coletivos” aborda, entre outros pontos, a luta organizada das mulheres indígenas que reivindicam pautas individuais e coletivas, como o direito à vida, soberania alimentar, direito ao consumo de alimentos sem agrotóxicos, fim do racismo, fim da intolerância religiosa, direito das crianças e adolescentes, direitos das anciãs e anciões, e o fim do abuso de seus corpos, violência que há mais de 500 anos faz parte de seu cotidiano.
As autoras Mariana Rezende Ferreira Yoshida, Raffaela Cassia de Sousa e Liana Amin Lima da Silva deixam claro que, apesar do trabalho possuir uma inspiração feminista, boa parte das indígenas não chega a se identificar com o movimento e ressalta que suas reivindicações em geral são pouco representadas.
“Para entender as demandas e reivindicações do movimento das mulheres indígenas, faz-se necessário compreendermos que as violências sofridas pelas mulheres indígenas inserem-se em um contexto de violência estrutural e violação de direitos humanos dos povos indígenas. Essa luta pelo direito à vida das mulheres deve ser compreendida em uma concepção ampla, ou seja, é indissociável da luta pela existência enquanto povo, da luta pelo direito ao tekoha (território) e teko joja (vida em harmonia)”, destaca o texto.
Equidade e interseccionalidade
O artigo contextualiza a criação das organizações indígenas de atuação feminina e relata que essas mulheres seguem sendo objeto/vítima de intensa discriminação e violência. Entre as informações apresentadas, está a de que meninas e mulheres indígenas são as principais vítimas da violência sexual praticada no mundo. “Os direitos das mulheres, tais quais configurados hoje, não têm sido bastantes para proteger satisfatoriamente a vida e dignidade das mulheres brasileiras, sobretudo daquelas atravessadas por fatores discriminatórios adicionais ao sexismo, como a etnia e a raça.”
Segundo dados do Relatório das Nações Unidas publicado em 2010, as indígenas têm mais chance de serem estupradas do que mulheres de outras sociedades: mais de uma em cada três indígenas são violentadas ao longo da vida. O artigo segue demostrando a discrepância entre o direito no papel (esfera das convencionalidades) e a realidade (prática) com dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) do Ministério da Saúde. De 2007 a 2017, foram registradas 8.221 notificações de casos de violência contra mulheres indígenas, a maioria entre 10 e 19 anos. Em geral, cometidos por homens de fora da comunidade dos povos tradicionais.
“Uma mulher branca pode ser discriminada por ser mulher; uma mulher negra pode vir a sofrer discriminação racial, além daquela decorrente do sexo. Uma mulher indígena pode também vir a ser vítima desse processo de exclusão para além das questões de sexo e raça, mas também em razão de sua diferença cultural, se interrelacionando nas mais diversas situações”, explica o artigo, que demonstra que o avanço normativo rumo à igualdade entre homens e mulheres não tem sido suficiente para transformar a realidade social das brasileiras, em especial das indígenas.
As autoras citam publicação do Fórum Econômico Mundial de 2016 que afirmou que o Brasil, por falta de políticas concretas que visem a equidade, levará cerca de 95 anos para garantir igualdade de gênero entre homens e mulheres. O organismo internacional sustentou ainda que as brasileiras têm um desempenho melhor que os brasileiros nos indicadores de educação e saúde, mas enfrentam acentuada discrepância em representatividade política e paridade econômica.
O texto trata ainda das lideranças femininas brasileiras que ganharam destaque na mobilização nacional na última década, como Sônia Guajajara, e lembra que é crescente o número de acadêmicas, advogadas e ativistas indígenas. “Vale ressaltar que na advocacia indígena, quem inaugurou a tribuna da Corte Constitucional foi também uma mulher indígena: Joênia Wapichana, no julgamento da demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em 2008. Dez anos depois, Joênia se tornou a primeira mulher indígena a ser eleita deputada federal no Brasil.”
e-Revista
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Regina Bandeira
Agência CNJ de Notícias