Artigo: Conversar faz diferença

Compartilhe

Ellen Gracie*

Conciliar é legal. E é, também, necessário. Ao implantar o Movimento pela Conciliação em agosto de 2006, o Conselho Nacional de Justiça teve por objetivo alterar a cultura da litigiosidade e promover a busca de soluções para os conflitos mediante a construção de acordos. Hoje, já decorrido um ano, mais do que comemorar uma data-marco, podemos demonstrar a consolidação do movimento como projeto permanente que conta com a participação de todos os tribunais do país.

Entre a data de hoje e o próximo sábado, os tribunais estaduais, federais e do Trabalho realizarão 221. 286 audiências de conciliação, nas quais serão solucionadas definitivamente demandas que hoje congestionam o sistema e representam frustração de expectativas para as partes envolvidas nos litígios. A implementação da Conciliação como prática permanente é simples. Não demanda grandes gastos nem providências complicadas. Prescinde da construção de prédios e da contratação de pessoal. Não depende da edição de leis e não exclui a garantia constitucional de acesso à Justiça.

Alguns elementos, no entanto, são indispensáveis. Fundamental para o sucesso do empreendimento é o empenho das pessoas e instituições engajadas no projeto. É necessário que os agentes envolvidos – magistrados, promotores, advogados, defensores e principalmente as próprias partes – promovam profunda alteração de mentalidade e adotem a disposição de modificar condutas consolidadas por longos anos de atuação com foco na litigiosidade. Ao longo do ano, o Conselho Nacional de Justiça dedicou-se à formação permanente de conciliadores. Atividades de formação e multiplicação foram realizadas em todas as regiões do país e contaram com a participação de magistrados e servidores da Justiça. Os tribunais, conscientes das vantagens do método, realizaram mutirões focados em conflitos específicos. Vale a pena constatar alguns resultados. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região solucionou 90% dos processos de desapropriação relativos à duplicação da BR-101, com pagamento imediato aos proprietários das terras. O Tribunal Regional Federal da 3ª Região promoveu semana de conciliação dos processos envolvendo idosos, em respeito a sua garantia legal de precedência. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais propiciou a conclusão de acordos em 93%dos casos de pagamentos de precatórios devidos por 16 dos municípios mineiros. No Tribunal de Justiça do Distrito Federal, para o mesmo tipo de pendências o percentual foi ainda mais elevado. Não são, porém, apenas as querelas com o Poder Público que se prestam à conciliação. Os débitos com o sistema de financiamento da habitação têm encontrado na conciliação via de solução rápida e satisfatória, com elevado índice de acordos. O Tribunal Regional Federal da 1ª Região desenvolveu trabalho de conciliação junto à Caixa Econômica Federal, a Empresa Gestora de Ativos (Emgea) e mutuários do Sistema Federal de Habitação (SFH). O êxito da iniciativa possibilitou a entrega de certificados de baixa de hipoteca de imóveis do SFH. O Tribunal de Justiça de São Paulo dispõe de um setor especializado para viabilizar o acordo em causas simples que seriam da competência das varas cíveis, tais como cobranças, despejos por falta de pagamento, reparação de danos por acidente de trânsito, antes mesmo que se transformem em processos judiciais. Para atender à situação criada com a crise do setor aéreo, foram instalados Juizados Especiais nos aeroportos de maior movimento do país. Esses juizados, eminentemente conciliadores, estimularam o atendimento voluntário pelas empresas aéreas de boa parte das justas demandas de passageiros prejudicados. Uma Justiça mais acessível, efetiva, simples e informal é o que deseja a população brasileira. A adoção da conciliação tem se revelado fórmula hábil para atender a esse anseio, como revelam os exemplos acima. É indispensável divulgar a existência de uma maneira nova de resolver as querelas. Sentar para conversar, antes ou depois de proposta uma ação judicial, pode fazer toda a diferença.

(*) Presidenta do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça

Artigo publicado em 3 de dezembro de 2007