Ao editar a Resolução n. 10/2018, o Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) dispôs sobre o dever de o Estado cumprir normas programáticas sobre o direito à moradia. A importância do ato normativo é referendada pelo Poder Judiciário com a Recomendação CNJ n. 90/2021. O texto sugere aos juízes verificarem se estão atendidas as diretrizes estabelecidas na Resolução do CNDH, antes de expedirem mandado de desocupação coletiva de imóveis urbanos e rurais.
Porém, a decisão do CNDH é compatível com o Código de Processo Civil (CPC) no tratamento das ações possessórias coletivas? A questão é investigada no artigo “Resolução n. 10/2018 do Conselho Nacional dos Direitos Humanos e Processo Civil – a necessária harmonia no âmbito das ações possessórias coletivas”, publicado na mais recente edição da e-Revista CNJ. Os autores são os juízes do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) Paulo Guilherme Mazini e Lucas Cavalcanti da Silva.
Eles lembram que a desigualdade social existente no Brasil, entre outras questões, é refletida no colapso do direito à moradia, raiz de diversos conflitos fundiários coletivos rurais e urbanos. A resolução para esses impasses necessita do envolvimento de todos os setores do Estado e, neste sentido, o CNDH editou a Resolução n. 10/2018.
“Trata-se da busca pela harmonização entre preceitos nacionais e mundiais ao tema, incentivando a aplicação direta dos instrumentos internacionais na solução de conflitos que envolvem o direito à moradia”, resumem os autores sobre a norma. A questão que surge, expõem os articulistas, é se o conteúdo da Resolução tem compatibilidade com o sistema jurídico processual vigente.
Assim, o artigo examina o lugar da Resolução no processo e no julgamento de ações que tratam de conflitos fundiários coletivos. Os autores explicam que a compatibilidade do normativo com o sistema jurídico processual e como deve ser aplicado pelo juiz na condução das ações são as questões-problema que orientam o texto.
Direitos fundamentais
“Se não há dúvidas que o normativo busca densificar direitos fundamentais e tem o potencial de aprimorar o tratamento conferido ao complexo problema dos conflitos fundiários coletivos, não é possível, por outro lado, ignorar que o sistema jurídico processual também tem em sua essência a proteção a garantias e direitos fundamentais exercidos no e pelo processo”, registram os autores.
Eles lembram que a Resolução n. 10/2018 veio em contexto de crescente violência no tratamento de conflitos fundiários. Os anos que antecederam a norma foram marcados pelo aumento do número de mortes por conflitos do campo, despejos no meio urbano e austeridade na concepção de políticas sociais, afirmam.
“Dados da Comissão Pastoral da Terra registram 73 vítimas de assassinatos por conflitos do campo, em 2017, maior número desde 2003. Em 2016, o Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos, em seu dossiê ‘Vidas em Luta’, já identificara que 66 defensoras e defensores de direitos humanos haviam sido assassinados no país naquele ano e ao menos outros 64 foram criminalizados, atacados ou ameaçados”, apresenta o artigo.
O texto continua com levantamento da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) e da Terra de Direitos que apontou drástico aumento de 350% no tocante à violência contra lideranças quilombolas no período de 2016 para 2017. Diante desse quadro, o CNDH propôs o ato normativo estudado no artigo.
Eles ainda lembram que o contexto da edição dessa Resolução “criam obrigações ao Estado para garantir o respeito aos direitos fundamentais dos cidadãos”, reforçam. “Essa forma de enxergar a Resolução n. 10/2018 celebra a racionalidade legislativa que se espera de um sistema jurídico e leva em consideração, sobretudo, tanto sua posição de ato infralegal quanto a importante competência legal atribuída ao Conselho Nacional dos Direitos Humanos”, interpretam os autores.
Assim, ao longo de 13 páginas, os articulistas buscam compreender a influência da Resolução nas tutelas possessórias e a aplicabilidade de suas disposições no processo judicial. Eles identificam o lugar dessa norma em uma ordem jurídica que também consagra outros direitos fundamentais, além de realizar uma análise crítica dos seus dispositivos. O trabalho utiliza o método dedutivo para concluir que as normas materiais da Resolução densificam direitos fundamentais e aprimoram as técnicas processuais das ações possessórias.
A íntegra do artigo pode ser conferida neste link Resolução n. 10/2018 do Conselho Nacional dos Direitos Humanos e Processo Civil: a necessária harmonia no âmbito das ações possessórias coletivas.
Prestação de serviços
A Revista Eletrônica do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) divulga trabalhos acadêmicos sobre a atuação do Poder Judiciário e a prestação dos serviços de Justiça no Brasil. Os artigos são produzidos por membros da comunidade acadêmica e devem ser inéditos no Brasil, sem previsão de publicação em outros veículos impressos ou eletrônicos. A publicação semestral está na 7.ª edição e pode ser acessada no Portal do CNJ. Os textos evidenciam a defesa dos direitos humanos, a proteção de dados e a segurança cibernética.
O envio de trabalhos para compor a próxima publicação, a 8ª edição e segunda de 2023, deve ser feito até 20 de setembro.
Texto: Margareth Lourenço
Edição: Thaís Cieglinski
Agência CNJ de Notícias