A felicidade da servidora pública Ana Cristina Ortiz Ramos, 44 anos, só é completa quando ela consegue visitar Danilo da Silva, 24, na Casa Lar Família Social, na região do Coxipó, em Cuiabá. O espaço é mantido e administrado pelo Governo do Estado. Lá os abrigados que não são adotados podem permanecer até completar 18 anos, no entanto, Danilo é autista e com idade mental de uma criança de quatro. Devido à síndrome, é considerado incapaz.
Com uma filha de nove anos e sem condições financeiras para adotar o rapaz, Ana Cristina se habilitou no Poder Judiciário e há um ano se tornou madrinha afetiva de Danilo. “A gente passeia, ele pode ir à minha casa, convive com minha filha e com minha mãe. Temos uma sintonia muito grande. Ele é minha maior alegria”, conta.
A relação dos dois começou há cinco anos, quando Ana Cristina, que é assistente social por formação, trabalhava no Lar da Criança e Danilo estava acolhido na instituição. “O convívio era diário, mas com o fechamento da casa não teria mais como vê-lo. Sabendo da possibilidade do Programa Padrinhos, resolvi me habilitar”, diz. “A primeira vez que Danilo foi à minha casa e viu minha mãe, já a chamou de avó. Ele é apaixonado pela minha filha, a quem ele chama de Nini”, revela.
A madrinha afetiva de Danilo lembra que, antes de se conhecerem, o rapaz era arredio, tinha um comportamento agressivo, falava muito pouco e não gostava de interagir. “Com o passar do tempo, isso foi mudando, ele evoluiu demais, hoje ele até vai a shopping, algo que era impossível”, descreve. “O Danilo me faz tão bem que até esqueço que ele tem alguma deficiência”, diz a madrinha. “O mais importante em apadrinhar alguém não é o dinheiro, mas o sentimento. É ter amor e disposição em trocar afeto”, declara Ana Cristina.
Danilo sempre viveu em instituições. Apesar de estar apto para a adoção, ele nunca foi escolhido por uma família substituta e o apadrinhamento é uma possibilidade para que ele tenha um convívio afetuoso com outras pessoas, revela a secretária-geral da Comissão Estadual Judiciária de Adoção (Ceja), da Corregedoria-Geral da Justiça, Elaine Zorgetti Pereira. “Temos muita dificuldades em encontrar famílias para adolescente e com alguma deficiência. O tempo vai passando e essas crianças vão ficando na instituição, pois não se enquadram no perfil dos pretensos pais. Com o Programa Padrinhos, eles têm o convívio familiar, poderão sair da instituição, ter contato com outras pessoas da sociedade, suporte com material escolar e apoio para o futuro quando eles tiverem que deixar a instituição aos 18 anos”.
Dados – Dados do Cadastro Nacional de Adoção (CNA) do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apontam que Mato Grosso possui 620 acolhidos, mas disponíveis para adoção são apenas 81, sendo 13 em Cuiabá e 12 em Várzea Grande. A grande maioria dos acolhidos aptos à adoção está fora do padrão almejado pelos interessados em adotar, pois 70 delas têm de oito a 17 anos. Sete delas estão prestes a completar 18 anos e irão deixar as Casas Abrigos. “Nossa intensão é fazer com que esse adolescente, que foi abandonado pela família, que não conseguiu ter uma família substituta, possa nesse tempo dentro da instituição se preparar para seguir a vida e ingressar no mercado de trabalho”, explica Elaine.
“Que eles tenham pelo menos uma base para ter um futuro melhor, já que o passado foi de abandono. É importante frisar que eles não são adolescentes em conflito com a lei, que são cuidados por outras instituições. Os nossos são vítimas do descaso e desajuste familiar, muitos passaram por maus-tratos e foram retirados de famílias abusivas”, revela.
“Temos a experiência de que os adolescentes que tem um padrinho, principalmente provedor, consegue ter uma formação e se preparar para a vida adulta. O principal é eles estudarem e ter um suporte da questão profissional, temos casos em que o padrinho paga cursos de cabelereiro, informática, padeiro, de acordo com o interesse e a habilidade que o apadrinhado tem”, completa Elaine.
Programa – O Programa Padrinhos funciona em Cuiabá e Várzea Grade e em 25 comarcas do interior. A pessoa interessada deve procurar a Ceja ou as Varas da Infância e Juventude para preencher uma ficha e anexar os documentos necessários, como identidade, comprovante de residência e certidão negativa de antecedentes criminais. Com esse cadastro, passará por um estudo psíquico social e depois de habilitado poderá ter contato com as crianças e adolescentes.
As modalidades de apadrinhamento disponíveis são: afetivo, provedor e o prestador de serviços. O afetivo é aquele que vai ter contato com a criança e o adolescente, vai poder entrar na instituição para conhecer o apadrinhando, posteriormente poderá até levar essa criança para passear, inclusive aos finais de semana.
O provedor é aquele que vai apadrinhar o acolhido ao pagar um curso, comprar material escolar ou adquirindo roupas e calçados. “Temos trabalhado bastante na Ceja em busca de provedores que possam patrocinar a capacitação de adolescentes em cursos profissionalizantes para encaminhamento ao mercado de trabalho”, conta Elaine.
Já o padrinho prestador de serviços é aquele que com sua habilidade, com conhecimento da profissão que exerce, ajuda a instituição e/ou as crianças e adolescentes. “Por exemplo, um médico que faz visitas aos acolhidos e faz consultas no local, um cabelereiro que pode cortar os cabelos deles, um músico que pode ir entreter os acolhidos, um contador de história, enfim, o que ele já faz no dia a dia fará na Casa de Acolhimento”, cita.
Atualmente Cuiabá e Várzea Grande contam com seis acolhidos com padrinho afetivo, oito prestadores de serviço e 12 provedores.
Elaine lembra que o objetivo do programa não é a adoção, mas a Ceja comemora casos de famílias que se formaram após se conhecerem pelo programa. “Muitos padrinhos e apadrinhados acabam tendo tanta afinidade, troca de afetividade, que eles terminam indo para a adoção. Em quase 11 anos do programa tivemos 19 casos”, celebra.
Para participar do Programa Padrinhos, os interessados de Cuiabá e Várzea Grande devem procurar a Ceja. Nas Comarcas do interior, buscar pelas Varas da Infância e Adolescência ou entrar em contato pelos telefones (65) 3617-3121 e 3617-3191 ou pelo e-mail ceja@tjmt.jus.br. A ficha de cadastro para padrinhos também pode ser preenchida e enviada pela internet.
Fonte: TJMT