O apadrinhamento afetivo de crianças e adolescentes com poucas chances de adoção que vivem em abrigos no Distrito Federal tem proporcionado a esses jovens a convivência em família e o incentivo nos estudos. As crianças têm encontros quinzenais – geralmente passam o fim de semana na casa dos padrinhos –, fazem passeios e participam dos eventos da família. Tanto os padrinhos quanto os jovens são preparados previamente por meio da Instituição Aconchego, que coordena o programa de apadrinhamento afetivo com o objetivo de possibilitar a esses jovens a construção de vínculos fora da instituição em que vivem.
Os primeiros encontros são no abrigo e, para que sejam realizadas visitas na casa da madrinha ou padrinho, o local é antes visitado por uma assistente social. Foi o que ocorreu com a servidora pública Miracy Dantas, que há um ano apadrinhou Lucas*, de 15 anos, que vive desde os seis anos no abrigo. “Vamos ao cinema, ao shopping, almoços na casa da minha mãe, e as minhas filhas o incluem nos programas delas; a família o acolheu e já estamos com um relacionamento íntimo”, conta Miracy. De acordo com ela, no início o adolescente, que tem outros irmãos que moram no abrigo, era bem tímido. “Agora a nossa ligação é natural, já sinto vontade de buscá-lo no abrigo com frequência, não é uma obrigação”, diz. Além de proporcionar a convivência familiar a Lucas, a madrinha também se preocupa com o incentivo à leitura, apresentando-lhe livros e almanaques, e o auxilia a escolher áreas de interesse que poderiam ser sua profissão no futuro. “Ele é um menino muito bom e obediente”, conta a madrinha.
Uma das intenções do apadrinhamento afetivo é que a criança possa conhecer como funciona a vida em família, vivenciando situações cotidianas. É o que acontece na família de Maria do Socorro Guimarães de Freitas, que recebe o adolescente Caio, de 13 anos, a cada quinze dias durante o fim de semana. “Não mudamos em nada a nossa rotina, cozinhamos juntos, e ele gosta muito de ter o seu canto, dormir em um quarto só para ele”, diz Socorro, que se tornou madrinha há dois anos por sugestão de sua filha também adolescente. “No início, fiquei com receio de ter um menino em casa por conta das minhas filhas. Mas assim que o conhecemos, nos identificamos na hora, e hoje as minhas filhas o consideram como um irmão”, diz. A família também busca o adolescente no abrigo em ocasiões especiais, como aniversários. “Já falei para ele que o nosso vínculo é para a vida toda, mesmo depois que ele casar e tiver filhos”, conta Socorro.
A vontade de se doar e descobrir outra forma de se colocar no mundo foi o que motivou Sueli Helena de Miranda, musicista, a se tornar madrinha há um ano de Augusto, de 10 anos, que vive em abrigos desde os dois anos e agora tem chances remotas de adoção. Eles se veem cerca de três vezes por mês, fazem passeios ao parque e ao cinema, locais preferidos do garoto e, por vezes, passa o fim de semana na casa dela. Sueli conta que, apesar de estar muito aberta para o apadrinhamento e de a criança ter sido preparada, nem sempre a convivência é fácil. “Ele tem um temperamento muito forte, não é muito afetivo e às vezes é agressivo, mas nós temos superado isso e eu procuro entender a vida dele; a gente está amadurecendo e fica cada vez mais à vontade”, conta.
Formação profissional – A maior preocupação de Fernando Magalhães Soares Pinto, padrinho há dois anos do adolescente Rubens, de 17 anos, é o seu futuro profissional e a capacidade de emancipação do jovem, que está prestes a deixar o abrigo e ter de levar a vida por conta própria. Rubens não tem nenhum vínculo familiar fora do abrigo, e a única referência é o padrinho, com quem conversa ao telefone três vezes por semana e recebe visita quinzenalmente. Nas conversas, o tema principal é o acompanhamento de suas notas na escola – o que muitas vezes exige “broncas” do padrinho –, a preparação para independência, e as possibilidades de trabalho. “O que cria o laço afetivo é a permanência, eu já disse a ele que pode sempre contar comigo, eu vou ser sempre seu padrinho”, conta Fernando. “Oriento, me preocupo em passar valores, condutas, mostrar o meu exemplo”, completa.
Rubens está no abrigo desde os cinco anos de idade, não tem irmãos e não conseguiu ser adotado. “Ele está atrasado na escola e tem pouca iniciativa”, conta o padrinho. Fernando Pinto assinou um termo de compromisso para que Rubens possa trabalhar no próprio abrigo, com a intenção de desenvolver nele o senso de responsabilidade para a vida. Além disso está procurando vaga em uma escola técnica para o afilhado.
Acompanhamento escolar – Os padrinhos também passam a acompanhar a vida escolar dos afilhados. Para a madrinha Miracy, os fins de semana com o afilhado são divididos entre lazer e estudo. “Minha preocupação é que ele estude, tenha uma profissão e dignidade na vida”, diz Miracy, que ensina o afilhado até a pesquisar ferramentas de estudo na internet. Ela conta que ele tem uma grande defasagem escolar, por conta de um histórico de idas e vindas na escola, já que a mãe, que está presa, frequentemente roubava as crianças do abrigo e as afastava da escola. “Ele estava muito desmotivado, tinha uma professora na escola que o maltratava por ele ser uma criança de abrigo, dizia que ele não iria ser nada e acabaria igual ao pai”, diz.
A desmotivação nos estudos é uma característica frequente entre as crianças que vivem em abrigos. Ano passado, Caio, afilhado de Socorro, repetiu o ano. “Nós conversamos muito e eu passei a aconselhá-lo”, conta. Já Sueli conheceu recentemente a escola de Augusto, e fizeram o dever de casa juntos. “Ele não gosta muito, prefere que a gente fique mais passeando, mas eu acho muito importante, consegui ensinar algumas coisas de matemática para ele”, diz.
Apadrinhamento afetivo – O apadrinhamento afetivo é um programa voltado para crianças e adolescentes que vivem em situação de acolhimento ou em famílias acolhedoras, com o objetivo de promover vínculos afetivos seguros e duradouros entre eles e pessoas da comunidade que se dispõem a ser padrinhos e madrinhas. As crianças aptas a serem apadrinhadas têm, quase sempre, mais de dez anos de idade, possuem irmãos e, por vezes, são deficientes ou portadores de doenças crônicas – condições que resultam, quase sempre, em chances remotas de adoção.
O padrinho ou a madrinha torna-se uma referência na vida da criança, mas não recebe a guarda, pois o guardião continua sendo a instituição de acolhimento. Os padrinhos podem visitar a criança e, mediante autorização e supervisão, realizar passeios e até mesmo viagens com as crianças. Em alguns estados, o Poder Judiciário trabalha há alguns anos em conjunto com instituições que possuem programas que auxiliam os processos de adoção e de apadrinhamento afetivo que se tornaram referência no País – como, por exemplo, o Instituto Amigos de Lucas, no Rio Grande do Sul, e a Instituição Aconchego, no Distrito Federal.
*Os nomes dos menores foram trocados em cumprimento ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)
Luiza de Carvalho Fariello
Agência CNJ de Notícias