Dois anos após cumprir sua pena, M. Ribas garante que os 16 meses que passou na Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (Apac) de Barracão, interior do Paraná, foram decisivos para afastá-lo definitivamente do mundo do crime.
“Foi importante para assumir responsabilidade pela minha própria vida, o que não tinha acontecido antes da minha prisão. Quem é preso foi porque faltou responsabilidade, faltaram objetivos. Lá dentro da Apac aprendi a meditar, a acalmar minha mente e a retomar o gosto pelo estudo”, diz. M. Ribas que é um dos 137 presos que passaram pela APAC Barracão em quatro anos de funcionamento da unidade que não voltaram a praticar crime.
Apenas dois deles reincidiram, segundo a juíza responsável pela execução de penas no município paranaense, Branca Bernardi.
Aplicado atualmente em 43 cidades brasileiras, o método alternativo de ressocialização que mudou a vida de Ribas apresenta a homens e mulheres presos conceitos como responsabilidade, autovalorização, solidariedade e capacitação, aliados à humanização do ambiente prisional. Ao retirar o preso do ambiente prisional e submetê-lo a um cotidiano muito diferente daquele vivido nas prisões, a Fraternidade Brasileira de Assistência aos Condenados (FBAC) afirma reduzir a 30% a reincidência criminal entre os homens e mulheres que passaram por uma das unidades onde o método é aplicado.
“Em média, nossa não reincidência (no crime) é de 70%. Em algumas Apacs, chegamos a um índice de 98%. No Brasil, o percentual não chega a 10%. Tenho certeza de que, se o Estado acordasse, a reincidência seria menor ainda”, disse o gerente de metodologia da FBAC, Roberto Donizetti.
A estratégia de responsabilizar os presos pelos seus atos impressiona quem chega a uma Apac, que não se parece com uma unidade prisional tradicional. Não se veem armas e há mulheres – funcionárias ou voluntárias – circulando pelo estabelecimento. Manter a atmosfera de paz e harmonia na unidade é atribuição delegada dos presos condenados que são autorizados pela Justiça a cumprir pena no lugar.
“Quando entro lá [na Apac], não penso que estou em um presídio. Atravesso o portão e os presos já estão me cumprimentando. Gosto de cumprimentar e falar com todos, um a um. Pergunto o que estão fazendo, como estão”, afirma o voluntário da unidade de Barracão/PR, Antenor dal Vesco.
Outro motivo que pode causar um choque em quem visita uma APAC esperando encontrar um ambiente prisional convencional é a limpeza e organização interna do lugar, outra tarefa de responsabilidade exclusiva dos presos. Ao longo do dia, rondas são feitas para conferir a arrumação das celas e camas. “É mais limpo que o quarto de seu filho adolescente”, assegura o voluntário da unidade de Macau/RN, Cleber Costa.
Primeira impressão
Além de cuidar da cela onde vivem, os presos realizam uma faxina geral na unidade semanalmente, para receber familiares, sempre aos domingos, “pois é o dia de se visitar a família normalmente”, diz o voluntário da unidade potiguar, Cleber Costa.
Mães, companheiras, irmãos, primos passam o dia na unidade, lancham, almoçam, convivem com o parente que cumpre pena assim como os familiares dos demais presos ali. Além de contemplar o apoio familiar, para recuperar pessoas condenadas para a vida em sociedade, os 12 elementos do Método Apac comportam também o trabalho e a solidariedade com quem também está preso.
Rotina de trabalhador
A rotina que deve ser cumprida diariamente pelos internos de uma Apac começa às 6 horas da manhã, horário em que todos se levantam e iniciam uma série de atividades de trabalho e capacitação. Até as 22 horas, quando todos são obrigados a se recolher, as horas do dia são divididas entre sala de aula, laborterapia, leitura, informática e outras obrigações.
A presidente da Apac Barracão, Isaura Pertile compara o cotidiano da unidade ao de um seminarista ou de um militar. “Eles lavam suas próprias roupas. Na ‘loucura’ em que eles viviam, como eles próprios chamam (a vida no crime), nunca souberam o que significa regra ou a consequência dos atos deles”, diz Isaura, servidora do Judiciário local que está à frente da unidade paranaense desde 2013.
Disciplina com segurança
Embora o objetivo seja formar novas pessoas durante o período na Apac, existem mecanismos de controle para moderar o convívio e ajustar eventuais deslizes de comportamento. A responsabilidade pela convivência harmoniosa com os demais internos é mais uma missão que cabe a cada preso. Questões menores são resolvidas pelos próprios internos, de acordo com regimento que prevê inclusive sanções, no conselho de Sinceridade e Solidariedade.
A responsabilidade também é respeitada em relação à identidade de cada um. Ao contrário do sistema carcerário tradicional, é proibido o uso de apelidos. “Não tem um ‘cabeludo’, um ‘pezão’ nem qualquer outro apelido alusivo ao crime. Todos lá dentro são ‘José’, ‘Anderson’, todos se chamam pelo nome próprio. Todos andam com crachá de identificação (voluntário, técnico, interno) e valorizam o respeito”, afirma o voluntário da Apac Macau/RN, Cleber Costa.
Aos presos é confiado o dever de manter-se limpo, sob pena de expulsão. Na unidade potiguar, exames toxicológicos são feitos sem aviso prévio (em todos os internos ou por amostragem) e sempre que deixam a unidade em saídas temporárias, autorizadas pela Justiça (para procurar emprego, por exemplo).
“Na Apac do Rio Grande do Norte, os casos de testes positivos de uso de drogas são estatisticamente desprezíveis. Mesmo assim, testar positivo é considerado falta grave, que implica volta para o sistema comum. O lema é ‘nós confiamos em vocês, mas queremos reciprocidade’. Por isso, as chaves das dependências internas ficam com os presos, que se revezam em turnos, mas a chave da porta da rua fica com a direção.”, afirma Cleber Costa.
Pós-APAC
O gerente de segurança e disciplina Apac Paracatu/MG, Silas Porfírio, tenta convencer a Justiça local a permitir o acompanhamento mais próximo de ex-presos pela equipe da Apac. Pede para que os presos do regime aberto possam assinar seu compromisso periódico com a Justiça, condição para muitos presos autorizados a cumprir o final da pena em casa, na Apac. Em 2013, a superlotação da Cadeia Pública de Paracatu motivou decisão judicial que obriga desde então os presos a se dirigir ao fórum para se manter em dia com suas obrigações com a Justiça.
“A gente quer olhar no olho do sujeito e ver se ele está bebendo, usando droga”, afirma Porfírio, que tem a ajuda de voluntários da igreja, de grupos como o Narcóticos Anônimos, Alcóolicos Anônimos e outros parceiros, para acompanhar os egressos e evitar recaídas no vício e na criminalidade.
Muitos internos se frustram ao sair da Apac e encararem a discriminação do mercado de trabalho. “Quando o empregador puxa a ficha do candidato à vaga de emprego e vê que ainda deve à Justiça, normalmente não contrata. Aí o egresso volta a traficar, a roubar”, diz.
Dos três dias que passou no presídio de Barracão, entre o momento da prisão e a transferência para a APAC, M. Ribas carrega a lembrança de que poderia ter permanecido para sempre no mundo do crime. “O presídio é um antro cheio de pessoas que podem influenciar qualquer um que entra lá, que também pode se deixar influenciar”, afirmou. Ao período na APAC, concluído há dois anos, atribui nunca mais ter tido problemas com a lei. “Sequer sofri abordagem da polícia, uma revista”, diz Ribas.
Manuel Carlos Montenegro
Agência CNJ de Notícias