Ampliação do Serviço de famílias acolhedoras necessita do apoio do Judiciário

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2° Encontro do Sistema de Justiça "A Excepcionalidade da Medida Protetiva de Acolhimento e a Preferência do Serviço de Família Acolhedora" - Foto: Nelson Jr./Ag. CNJ
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A transição da prevalência do serviço de acolhimento institucional para o acolhimento familiar, como prioridade estabelecida no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), necessita da articulação de todos os atores do Sistema de Garantia e Direitos da Criança e do Adolescente, em especial o Poder Judiciário. A afirmação é da pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e economista Enid Rocha Andrade da Silva. Ela falou, na manhã desta terça-feira (15/8), no “2º Encontro do Sistema de Justiça: a prioridade do acolhimento familiar”. O evento híbrido, promovido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ocorreu presencialmente no auditório do órgão e foi transmitido pelo Canal do CNJ no Youtube.

Ao lado dela, o painel Serviço de Família Acolhedora no Brasil: panorama, avanços e desafios, contou com a presença da coordenadora do Centro de Apoio Operacional da Infância e Juventude do Ministério Público de São Paulo (MPSP), a promotora de Justiça Renata Rivitti.

Em sua exposição, Enid comparou dados do primeiro levantamento nacional sobre instituições de acolhimento, feito em 2003 pelo Ipea, e informações mais recentes, referentes a 2022 e coletadas no Ministério do Desenvolvimento Social. Ela conta que o trabalho mais antigo foi difícil de ser realizado pela falta de fontes. “A gente contava apenas com a rede de Serviços de Ação Continuada, um cadastro com o endereço das mantenedoras, montamos uma rede de telefonia no Ipea e conseguimos identificar os abrigos que estavam dentro dessa rede, eram 626”, rememorou.

Nesses locais, segundo a pesquisa, havia 19,4 mil crianças e adolescentes acolhidos, que representavam 65% do total institucionalizado no país. “O dado relevante é que 86% tinham família, o senso comum era que seriam menores órfãos e o levantamento revelou essa informação”, salientou. A pesquisadora disse também que só havia quatro serviços de famílias acolhedoras no país, mas sem informação sobre esse tipo de acolhimento. O motivo das crianças estarem nas instituições era devido à pobreza, sendo que a maioria das famílias não participava de nenhum programa assistencial.

O estudo mais recente mostrou que são 32,5 mil crianças e adolescentes sob medida de proteção, sendo que 6% em acolhimento familiar. Ela coloca que, ao longo dos anos, diversas políticas trataram sobre acolhimento. “Mas o principal avanço foi romper com a tendência de crescimento dos serviços institucionalizados e acelerar os serviços de família acolhedora”, destacou.

Prova disso é que, de 2010 a 2022, aumentou o percentual de serviços de acolhimento institucional em 11,1%, No entanto, o número de vagas caiu 9,8% e o número de acolhimentos institucionalizados baixou para 18,4%. Enid pondera que o pouco do acolhimento institucional que teve aumento são serviços adequados à nova realidade. “São serviços menores e com pequeno número de vagas”. explicou.

Quanto à trajetória dos serviços de acolhimento familiar, os dados existentes, a partir de 2015 a 2022, apontam crescimento de 304%. Da mesma forma, o aumento de famílias cadastradas foi de mais de 100%. De 2018 ao ano passado, o número de acolhidos em família acolhedora subiu 41%. Ao analisar os dados, ela ressalta a importância das políticas públicas para mudar cenários. A especialista lembrou ainda o papel fundamental do CNJ, por meio do Pacto Nacional da Primeira Infância. Esse documento foi firmado em 25 de junho de 2019, entre o CNJ e diversos atores que integram a rede de proteção à infância no Brasil.

Provisoriedade

Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, da Coordenação Geral de Proteção Social de Alta Complexidade da Secretaria Nacional de Assistência Social do Ministério de Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Forme (SNAS/MDS), Ana Angélica Campelo apresentou o panorama geral do serviço de família acolhedora, com avanços e desafios desse modelo. Ela destacou que, como os demais serviços, a intenção é que seja organizado como excepcionalidade e provisoriedade, já que o investimento deve ser no retorno à família de origem. Para isso, é preciso haver efetivamente profissionais capacitados nessa atuação, o que nem sempre é possível em pequenos municípios, por falta de estrutura. “Ainda não chegamos na nossa meta de atingir pelo menos 20% das crianças e adolescentes acolhidos em famílias”, disse, lembrando que o percentual está em pouco mais de 5%.

Apesar de a taxa ainda ser pequena, ela enfatizou que nos últimos anos houve crescimento por essa opção de acolhimento. Sobre o perfil das famílias acolhedoras, Ana Angélica destacou que 36% residem em grandes cidades; 91% acolheram até 10 crianças; 73% tem mais de 40 anos. “Esses dados são importantes para sabermos até como nos comunicarmos com essas famílias”, avalia. Um dos pontos salientados como positivo é o acompanhamento dado às famílias acolhedoras. “A grande maioria recebe visitas pelo menos uma vez por mês, o que é indicativo que estão apenas colocando as crianças nas famílias”, esclareceu.

“Quando juízes e promotores não conhecem o sistema, eles são grandes dificultadores e, ao contrário, quando tem conhecimento, se transformam em facilitadores, parceiros nesse processo”, destaca. Ela disse que o avanço desse modelo de acolhimento depende da sensibilização da sociedade, bem como da ampliação do diálogo e da articulação entre as esferas governamentais, o Sistema de Justiça e organizações da sociedade civil.

Atenção individualizada

Por dois meses, Keila Faria colocou o berço de uma criança de menos de 2 anos ao lado de sua cama esperando que ela acordasse à noite e chorasse. A história parece controversa, uma vez que a maioria dos pais quer que os filhos não chorem quando acordem. Mas não na vida daquele bebê, recebido por Keila e o marido como família acolhedora. “A criança veio de uma instituição, que apesar de fazer um excelente trabalho, não tinha como oferecer tratamento individualizado. Não adianta a criança chorar que, dificilmente, ela será atendida”, relata Keila, que integra a primeira família acolhedora do Distrito Federal.

Ela contou à plateia que sonhava em participar do programa, mas não tinha a dimensão do impacto disso na vida de uma criança, na sua formação, no adulto que ela pode se transformar. “Damos a possiblidade de conhecer novos laços, diferentes e provavelmente mais saudáveis da situação que ela veio”, destaca.

A experiência como família acolhedora também mudou a vida de Keila, que se especializou em desenvolvimento infantil. Ela, que é servidora do Superior Tribunal de Justiça (STJ), agora integra a Comissão pela Primeira Infância da corte. “A gente vê o protagonismo, a mudança que acontece na vida da criança, algo que a ciência já traz, mas, na prática, no cotidiano, ver essa transformação é enriquecedor”, assegura.

Cadastro imprescindível

Para melhorar o Serviço de Acolhimento Familiar em todo o Brasil, a partir do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), um dos requisitos é cadastrar todas as famílias acolhedoras por município. O alerta é da diretora de projetos do Departamento de Pesquisas Judiciárias (DPJ) do CNJ, Isabely Mota. “Dessa forma, temos dados para traçar o perfil dessas famílias. É trabalhoso fazer, mas traz frutos”, enfatiza.

Isabely aproveitou para apresentar material produzido pelo Pacto Nacional da Primeira Infância, como estudo sobre a legislação que trata do tema no Brasil. “Vimos, por exemplo, que mesmo em municípios em que não há lei, quando há vontade do Sistema de Justiça, conseguimos organizar o serviço. Ao mesmo tempo, há locais que contam com lei, mas não há vontade política ou atuação do sistema, e não é possível implantar o Serviço de Família Acolhedora”, alerta.

Reveja o evento no canal do CNJ no YouTube

Texto: Margareth Lourenço
Edição: Thaís Cieglinski
Agência CNJ de Notícias

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