As semelhanças e aprendizados possíveis entre os sistemas de justiça e prisionais de países da América Latina, incluindo a questão do crime organizado, foram tema de painel apresentado no seminário internacional “Judiciário, sistema penal e sistema socioeducativo: questões estruturais e mudanças necessárias”, organizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) por meio do programa Justiça Presente. O seminário debateu, nos dias 3 e 4 de março, temas trabalhados pelo programa em colaboração com tribunais de todo o país desde janeiro de 2019 e é resultado de parceria entre o CNJ e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, com apoio do Ministério da Justiça e Segurança Pública, para superar problemas estruturais no sistema prisional e socioeducativo do país.
O advogado costarriquenho Alex Rodrigues abordou em sua fala a situação do sistema penitenciário na América Central, traçando um panorama comum entre países da região envolvendo superlotação e alto número de prisões provisórias. Trouxe também ideias como ponto de partida para superar esses entraves, como a humanização do cárcere. “É preciso reconhecer que pessoa privada de liberdade tem potencial para desenvolver projeto de vida alternativo se o Estado der condições para que essa pessoa desenvolva esse potencial”, explicou, defendendo o desenvolvimento de planos de ação individuais.
Ele ainda defende o desenvolvimento de políticas penitenciárias de longo prazo, criando mecanismos políticos e técnicos para propor soluções legais. Entre os indicadores que poderiam ser monitorados está, por exemplo, o índice de pessoas estudando nas unidades prisionais e a promoção de ações, junto ao setor privado, para egressos do sistema carcerário. Rodrigues também destacou o papel do Ministério Público na luta contra o superencarceramento ao apostar em uma política de persecução estratégica com foco em casos que tragam mais dano à sociedade, evitando-se com isso o excesso de prisões preventivas. Isso levar ao próximo ponto, aumentar o uso de alternativas penais. O advogado sugere que os Códigos de Processo Penal prevejam o uso, por exemplo, da Justiça Restaurativa, evitando que tantos casos cheguem ao Judiciário.
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Outras ações que poderiam ser implementadas são o fortalecimento do controle judicial sobre as prisões preventivas, inclusive com uma figura como a do juiz de garantias, criada pelo Congresso Nacional brasileiro e cuja viabilidade de implantação é tema de grupo de estudo criado pelo CNJ, que poderia ficar responsável pela revisão dessas medidas. O advogado ainda propõe o aumento da diversidade de juízes e servidores, desenvolvendo indicadores institucionais para aplicação de critérios transversais de vulnerabilidade em decisões judiciais. “O Brasil pode se tornar modelo de experiências exitosas. O mundo, e a América Central, olhamos este trabalho [do Justiça Presente] com esperança e carinho.”
Crime organizado
O advogado salvadorenho Rommel Sandoval apresentou diagnóstico do crime organizado na América Central, que enfrenta situação delicada por conta das “pandillas”– grupos que reúnem mais de 100 mil membros e que controlam grande parte das unidades prisionais de países como El Salvador, Honduras e Guatemala. Segundo o advogado, a política de “mão de ferro” empregada pelas forças de segurança não trouxeram bons resultados a estes países. Em El Salvador, por exemplo, mecanismo de pacificação fomentado pelo governo acabou fortalecendo o poderio dos grupos.
Para o advogado, a violência social no triângulo norte da América Central é um fenômeno complexo, com institucionalidade e administração da Justiça fracas, aumentando, assim, a impunidade e o desrespeito aos direitos humanos. As unidades prisionais, segundo Sandoval, estão sobrecarregadas e tornaram-se mecanismos para a consolidação das “pandillas” e seus líderes. “Programas de prevenção ao crime e a reconstrução de tecidos sociais são necessários para impedir que crianças e jovens entrem para estes grupos.”
A conselheira Ivana Farina Navarrete Pena encerrou o debate convidando à reflexão quanto aos dados apresentados e a comparação à realidade brasileira. “Há um dilema crucial: Estamos com o crime organizado em ação, incrementando a violência social. E quando se fala em não normalizar a superpopulação prisional, falamos em segurança social e a necessidade de canalizarmos energia para essas práticas.”
Iuri Tôrres
Agência CNJ de Notícias