Adoção: quando o amor de mãe vai além do perfil idealizado

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Foto: TJPE
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O primeiro Dia das Mães a gente nunca esquece. A comemoração aconteceu este ano para a administradora de empresas Maria Fernanda (48) e a fotógrafa Tatiana (44) que, juntas há 14 anos, já tinham o sonho de ter filhos por meio da adoção, mesmo antes de se conhecerem. O desejo da maternidade tornou-se real após a chegada de Duda, uma adolescente de 14 anos de idade que estava fora do perfil inicialmente escolhido pelas mães.

Tudo começou após uma viagem para a República Dominicana, em março de 2016, onde conheceram duas meninas, se apegaram muito a elas, mas não era possível adotá-las. O casal sempre conversava sobre a possibilidade de adotar, mas a partir daquela experiência descobriram que seria o momento ideal de dar início ao processo.  Após o retorno para casa, procuraram a Vara da Infância do Recife em busca de informações. Lá ficaram sabendo da existência do Grupo de Estudos e Apoio à Adoção de Recife (GEAD), onde é realizado o curso de preparação para ingressar no Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA).

O perfil escolhido por Maria Fernanda e Tatiana foi o de grande parte dos que decidem adotar. “Demos entrada em nossa documentação em novembro de 2016. Tínhamos a mesma forma de pensar da maioria das pessoas, que o melhor seria crianças pequenas, alimentadas pela ilusão de uma adaptação mais fácil. Escolhemos assim o perfil de duas crianças, de zero a cinco anos de idade, com sexo e raça indiferentes”, explicam.

Mesmo após a inclusão no SNA, elas continuaram frequentando as reuniões do GEAD durante quase três anos, trocando experiências com outros pretendentes e famílias. “Antes de encontrarmos nossa filha, continuamos participando das reuniões do GEAD. Conhecemos pessoas ainda à espera no Sistema, pessoas que já haviam adotado e seus filhos. Fizemos amigos, trocamos ideias, vivemos muitas experiências e principalmente amadurecemos muito com todo conhecimento absorvido”.

No Natal de 2017, em uma festinha promovida pelo GEAD, Maria Fernanda e Tatiana presentearam um adolescente de uma instituição de acolhimento. A empatia foi tanta que as duas viraram madrinhas do menino. “Entramos com a documentação para apadrinhamento afetivo de Lucas, o que nos proporcionou uma intensa experiência com um adolescente e suas nuances, boas e ruins. Uma verdadeira explosão de fatos e sentimentos que abriram a nossa visão sobre o universo das crianças maiores e mesmo não tendo tido o desfecho que sonhávamos, pois ele não queria ser adotado, foi muito construtivo para nós em todos os sentidos”, revelam.

A ideia de adotar crianças pequenas foi se transformando a partir da experiência do apadrinhamento. “Era como sentir na prática tudo que escutávamos nas reuniões do GEAD e nos relatos das famílias que adotaram crianças mais velhas. Que é sim possível, que é sim prazeroso, que tem momentos difíceis, mas também maravilhosos, sem romantismos, como uma família real tem que ser”. A partir daí as duas começaram a fazer uma reanálise do perfil cadastrado no SNA. “Passamos a observar, cirurgicamente, a dinâmica das crianças menores e enxergamos que tínhamos escolhido um perfil que na realidade não queríamos. Isso se tornou um assunto frequente na nossa pauta de conversas sobre o futuro”, explicam.

O primeiro contato com Duda se deu por meio do Projeto Família, após verem a foto da menina no Facebook da Comissão Estadual Judiciária de Adoção (Ceja). “Surge em nossas redes sociais a foto de uma linda menina chamada Duda, despertando mais uma vez esse nosso desejo de mudança no perfil, nos levando imediatamente à procura de mais informações e procedimentos legais”. Em maio de 2019 elas alteraram a faixa etária do perfil do SNA para crianças de cinco a 14 anos e seis meses, sem modificar os outros requisitos.

Dez dias após a mudança no perfil, as três se falaram pela primeira por meio de uma videochamada. Ainda no mês de maio se encontraram e no dia 19 de junho de 2019 Duda foi para sua nova casa, com a concessão da guarda provisória. Em 21 de janeiro de 2020, ao final de uma audiência, Maria Fernanda e Tatiana receberam a guarda definitiva da adolescente.

A juíza Sheila Cristina Torres, da Vara Regional da Infância e Juventude da 4ª Circunscrição, comenta que foi perceptível durante a audiência a sintonia, o amor e a conexão existente entre elas e não teve dúvida de que ali estava formada uma família. A magistrada comenta a importância da mudança de mentalidade de todos os envolvidos no processo. “As mães mudaram o perfil no SNA quando se interessaram por Duda, para abranger uma adolescente com a idade dela.  Assim, percebemos que a abertura também do Judiciário para a adoção nesses casos pode contemplar histórias como essas, que seriam excluídas no contexto tradicional”, explica.

“Quando Duda chegou, nós três estávamos cheias de expectativas e medos, mas ao mesmo tempo sentíamos vontade que tudo desse certo. Ela tendo um mundo novo pela frente e a gente tendo uma pessoinha de 14 anos ainda desconhecida no nosso mundo. Podemos dizer que foi estranho e delicioso. Ela era tímida, adorava um ‘não’ como toda adolescente, assustada, mas ao mesmo tempo carinhosa e atenciosa”.

Há quase um ano com a família, Duda conta sobre a nova rotina e os desafios enfrentados no início da convivência. “Quando cheguei foi meio estranho, tanto pra mim quanto pra elas. Eu tive que aprender a ser filha e elas a serem mães. Via o mundo girando, tudo novo, casa nova, família nova, escola nova, mas não demorei a me acostumar. Confesso que não foi tão difícil. O melhor de tudo é que estou bem, gosto muito do que estou vivendo, amo minha família e estou pronta para descobrir coisas novas”, revela.

Hoje em dia as três continuam integradas ao GEAD, onde fazem parte do Núcleo de Apoio no Pós-adoção (Napa), um serviço que apoia famílias que já concluíram o processo adotivo. “O NAPA é e foi de fundamental importância neste processo, pois nos faz compreender, aceitar e saber lidar com a história que vem junto com nossos filhos de uma forma descomplicada. Nos mostra que não somos os u´nicos a passar por determinadas situações. E o principal, nos ensina que em qualquer momento, porque nem tudo são flores, com tranquilidade, tudo se resolve”.

“Como mães não tem realização maior do que ver que estamos transformando uma vida que transforma a nossa para melhor. A adoção nos trouxe um turbilhão de emoções e acontecimentos. Não nos arrependemos de nada, tanto que em breve iremos aumentar a família, por desejo nosso e a pedido dela também. Acreditamos que estamos escrevendo uma bela história”, concluem as mães Maria Fernanda e Tatiana.

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Fonte: TJPE