Acordo em caso de peculato aplica métodos da Justiça Restaurativa

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Com a adoção de procedimentos de Justiça Restaurativa, foi homologado acordo de não persecução penal em audiência. Foto: TRF4
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Após a adoção de procedimento de Justiça Restaurativa, a juíza da 5ª Vara Federal de Novo Hamburgo (RS), Maria Angélica Carrard Benites, homologou na quinta-feira (24/3) um acordo de não persecução penal entre o Ministério Público Federal, representado pelo procurador da República Celso Tres, e uma pessoa processada pelo crime de peculato. Para ajudar a viabilizá-lo, foi adotado procedimento restaurativo e abordagem que propiciou a transformação pessoal e o engajamento efetivo da parte ofensora na reparação dos danos causados à sociedade.

O servidor Alfredo Fuchs, supervisor do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), acompanhou desde o início o processo. “Foi encaminhada uma ação civil de cobrança da Caixa Econômica Federal contra uma ex-gerente que teria se apropriado indevidamente de valores da instituição. E descobrimos que tinha um processo criminal também. Após a conclusão sem sucesso da mediação com a Caixa, apresentamos à ofensora a alternativa da Justiça Restaurativa, a possibilidade desse procedimento para compensar o dano causado, e ela aceitou.”

Dulce (nome fictício) participou voluntariamente de Círculos de Construção de Paz, metodologia da Justiça Restaurativa sugerida pelo Centro de Conciliação de Novo Hamburgo para a ajudar a compreender sua responsabilidade pelo dano e a propor formas de o reparar. “Foram realizadas oito reuniões, nas quais se trabalhou com a ofensora os princípios básicos da Justiça Restaurativa, a responsabilização pelo dano e a restituição desse dano”, explicou Fuchs. “Foi durante as conversas que a própria ofensora tomou a iniciativa e elaborou uma proposta de recomposição de danos para recompor sua dívida com a comunidade.”

“O ponto mais interessante desse processo foi a transformação da pessoa, algo que sempre buscamos. Eu percebi essa transformação. Quando iniciamos, ela estava cheia de medo, culpa e parecia perdida. Depois se tornou mais calma, centrada, tranquila e entendendo perfeitamente o que tinha feito”, narrou o servidor. Ele relatou que Dulce havia passado por várias dificuldades pessoais e familiares muito significativas e, ainda, que o procedimento restaurativo propiciou um espaço de acolhimento para que ela pudesse compreender sua trajetória, rever seus atos e se responsabilizar pelos danos causados à sociedade.

Dulce fez questão de dar seu testemunho a respeito do significado do procedimento restaurativo. “É uma coisa nova. O mais importante pra mim foram as conversas e o tratamento informal. Foram encontros semanais de duas horas onde me senti acolhida, podia me abrir à vontade e era algo muito positivo. Durante todo o processo eu me senti sem voz, e na Justiça Restaurativa pela primeira vez me senti ouvida. É um efeito muito bom.”

“Durante os encontros, conversamos sobre um assunto pesado, mas de forma leve. Conseguia suportar a semana de uma forma muito melhor. Foi um presente bem genuíno. É um acolhimento psicológico muito bem-vindo, me sinto mais compreendida e consigo me compreender melhor também. Percebi a empatia e era algo muito bom”, ela destacou.

A juíza Maria Angélica Carrard Benites explicou que encaminhou o processo para a Justiça Restaurativa motivada pela “possibilidade de mudar a perspectiva de vida”. “Mais do que uma confissão, que é requisito do acordo de não persecução penal, houve uma tomada de consciência”, afirmou. “Em princípio, tive dificuldade de compreender de que forma a Justiça Restaurativa poderia ser aplicada no juízo criminal, em que a legalidade é tão valorizada. Depois percebi que esses conceitos não se misturam, mas que aquilo que a Justiça Restaurativa constrói pode servir de base para um Acordo de Não Persecução Penal, por exemplo, dando-lhe muito mais sentido.”

Antes da audiência, Dulce se mostrava confiante. “Para a audiência, vou muito mais serena e tranquila. Vou levar só coisas boas disso. Não me penalizo tanto quanto antes, compreendo melhor o processo. Gostaria que mais pessoas pudessem conhecer a Justiça Restaurativa, faço acompanhamento psicológico, mas era muito bom participar dos encontros. O tempo passava voando e eu me sentia mais eu mesma.”

Mudança de paradigma

A juíza federal Catarina Volkart Pinto, coordenadora do Núcleo de Justiça Restaurativa da 4ª Região, considera o caso “paradigmático, não só por ser o primeiro acordo de não persecução penal alinhavado por procedimento restaurativo, mas porque essa possibilidade foi vislumbrada a partir de uma ação cível, devido ao olhar atento e cuidadoso dos servidores e mediadores que lá estavam atuando”. “Esse caso demonstra a importância de formação ampla dos facilitadores, nas mais variadas metodologias de conciliação, mediação e Justiça Restaurativa, para tratamento adequado dos conflitos. Ver esse acordo finalizado, a partir de procedimento restaurativo, é muito animador. Torna concreta a política institucional de Justiça Restaurativa.”

A magistrada ressaltou que “um dos grandes obstáculos que temos para implantação da Justiça Restaurativa é que ela traz um novo olhar acerca do conflito, das relações humanas e da nossa relação com o ambiente em que estamos. É uma visão totalmente diferente daquela a que estamos acostumados dentro do Judiciário. E, como toda mudança, provoca inquietações. É importante frisar, no entanto, que a Justiça Restaurativa não pretende substituir o sistema tradicional, mas sim ampliar o paradigma com que vemos os conflitos”.

“A Justiça Restaurativa é uma justiça valorativa e relacional. Por isso, quando nós, servidores e magistrados, passamos a entender a Justiça Restaurativa como uma nova forma de nos relacionarmos, há uma transformação pessoal também. A Justiça Restaurativa não se aplica sobre os outros; ela pressupõe horizontalidade e partilha de poder. Entender isso muda a forma com que nos relacionamos”, explicou a juíza sobre as mudanças causadas nos atores envolvidos nos processos onde a Justiça Restaurativa está presente.

Já a juíza Maria Angélica Carrard Benites destacou os resultados dessa mudança de paradigma. “O que eu sinto é que, pela perspectiva da Justiça Restaurativa, tudo ganha mais significado: a pessoa que é acusada tem a oportunidade de trazer a sua realidade à tona, e de, com a ajuda de pessoas treinadas, ela mesma ter uma compreensão diferente dos fatos. Isso reforça a responsabilidade do acusado pelos seus atos, e acaba pacificando as suas relações em diversos níveis, o que, por consequência, gera, em maior escala, a pacificação social. Então, temos um ganho importante em relação ao processo tradicional, que é o maior alcance da solução do conflito, seja na profundidade com que atinge o próprio acusado, seja nas reverberações produzidas no meio social em que ele está inserido.”

Fonte: TRF4

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